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6 ESCOLARIZAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E

6.2 PERSPECTIVAS DAS FAMÍLIAS QUANTO À “TERMINALIDADE

6.2.2 Negação da “terminalidade específica”

A maioria dos familiares (treze ou 54%) manifestou-se contra a possibilidade de o filho receber o certificado de “terminalidade específica”. Desses pais, oito eram de alunos com idade variando entre nove e 15 anos e que cursavam as primeiras quatro séries do ensino fundamental e cinco eram de alunos cuja idade variava entre 13 e 29 anos e estavam nas séries finais do referido nível de ensino. Considerando a idade cronológica estimada para o aluno cursar cada série, observa-se nesse grupo, assim como anterior, defasagem na relação idade e série, com destaque para sete casos cujos atrasos ficaram entre quatro e dezesseis anos.

Em geral, essas famílias consideraram que o filho com deficiência intelectual deveria permanecer no ensino fundamental até aprender os conteúdos desenvolvidos pela escola e pudessem então receber o certificado de conclusão do ensino fundamental que todos os outros alunos, em potencial, receberiam ao concluir esse nível de ensino, ainda que isso demandasse maior tempo de permanência do filho na escola, como demonstra os relatos de P15 e P16, mães de adolescentes do sexo masculino com 15 anos de idade e que cursavam respectivamente a terceira e segunda séries, portanto, defasagem considerável na relação idade e série escolar.

Não. Eu preferia o que os outros recebem (o de conclusão). Que é mais vantagem pra ele. Poderia desenvolver mais, aprender mais e outra... poderia continuar os estudos, fazer uma faculdade, que é o sonho de toda pessoa, de uma mãe e de um pai também, querer que o filho faça uma faculdade, faça tudo.Terminar o colegial... tudo. Eu preferia, é meu sonho vê-lo formado. Paciência se demorar pra formar, se ele tiver paciência, a gente também vai ter, muita paciência com ele e ajudar. Pode demorar, não tem problema, desde que ele não desista. O importante é ele também querer... Para mim, ele não desistindo... se for o caso de levar até o fim do mundo eu levo, busco. Pode estar com 20, 30, 40 anos... para mim não faz diferença, eu quero ele sempre na escola, sempre aprendendo mais o melhor pra ele (P15).

Na verdade não. Porque eu quero que meu filho aprenda todos os passos, mesmo que seja demorado. Agora na verdade eu não estou procurando que ele aprenda, seja encaminhado para o mercado de trabalho, seja encaminhado para emprego. Eu quero simplesmente que ele aprenda, demore o tempo que for, mas eu quero que ele aprenda o básico, uma profissão pra vida dele, o necessário pra vida dele. Então eu prefiro que ele estude etapa por etapa, mesmo que ele repita quantas vezes for necessário. Esse outro diploma, pra ele não é interessante não (P16).

Assim, para os familiares que se manifestaram contra a “terminalidade específica”, essa forma de certificação não representou garantia de prosseguimento nos estudos, conforme preconizam, os documentos federais e estaduais sobre o assunto, já citados anteriormente, e que apontam como opção de continuidade na escolarização as modalidades de educação de jovens e adultos e educação profissional. Além disso, essa certificação não asseguraria um futuro promissor ao filho com deficiência intelectual, conforme ilustra o relato a seguir.

Eu acho que o certificado é indiferente. É um documento que vai encaminhá-lo para outra atividade. Mas eu levo muito em conta o conhecimento. Não adianta ter um certificado que ele sabe escrever... só sabe ler e escrever muito básico. Como você vai encaminhá-lo para uma escola de adultos? Vamos supor que ele não possa mais frequentar essa escola porque está com 15 anos e ele não possa mais frequentar o M. G.39.

O que ele (escola) vai fazer? Dar um certificado que ele colore bem, que ele pinta uma parede bem. Eu não acho que o certificado, eu acho que isso aí é um... Não é um certificado que vá valer, eu acho que tem que ter projeto, não adianta você criar... vai para as escolas, as escolas vão trabalhar as crianças e depois de um certo tempo vão dar o certificado para elas... Muito fácil para o governo. Eu acho que tem que ter investimento, tem que ter projeto, tem que ter trabalho, onde você vai colocar? O que eles vão fazer? Se tiver o certificado a escola pode encaminhar para outra escola, mas isso não vai adiantar. Eu acho que não é esse o caminho, é um documento que vai te dar a garantia que ele possa ir, mas eu não acho que é o caminho não. O caminho são projetos como esse da escola, ele tá trabalhando a alfabetização da criança, tá tendo um trabalho sério. Eu acho que pode ir

além disso. Tem que ter mais projeto. Não pode deixar essas crianças ou futuro adulto ocioso, porque ele não é anormal, todos eles são donos de uma capacidade. Então vai ter que ter um projeto que vai ter que descobrir qual é a capacidade deles. Não é dar um certificado. Eu não concordo, sinceramente não (P1).

No presente relato, evidencia-se a preocupação e expectativa dessa mãe (um dos três familiares que concluiu o ensino médio) de que o filho fosse escolarizado e tivesse domínio do saber escolar e seu entendimento de que essa certificação não o beneficiaria, pois é apenas um documento, o qual não asseguraria que o filho tivesse acesso aos conteúdos escolares, tão importantes para viabilizar sua inserção no grupo social. Ela aponta a necessidade de a escola caminhar rumo à implementação de práticas que compreendam e trabalhem a capacidade do aluno. Para essa mãe não faz sentido encaminhar o aluno para outra modalidade educacional, pois isso não solucionaria o problema da sua não aprendizagem. Se não houver projetos educacionais que visem ao desenvolvimento da capacidade dos alunos, não adianta criar formas de retirá-los de uma escola e encaminhá-los a outra.

O relato de um pai, que também concluiu o ensino médio, mostra sua preocupação com o fato de o certificado de “terminalidade específica” explicitar a incapacidade da filha em relação aos outros alunos.

Não. Porque esse certificado (TE) é a mesma coisa de ela estar assinando... da aprendizagem dela, que ela não tem a capacidade de aprender. Então não gostaria que acontecesse isso... com ela não. O motivo é só isso mesmo. Não, acho que pra ninguém, não é uma boa, acho que pra ninguém.... Assinando o seu atestado de burrice (P21).

Esse relato traduz o receio desse pai quanto ao fato de a filha, ao receber esse certificado, ser mais estigmatizada ou vítima de preconceito por parte das outras pessoas do grupo social. Se, por um lado, fica evidente neste depoimento a dificuldade dos pais para enfrentarem situações nas quais os filhos podem ser vítimas de preconceito e discriminação, por outro esse sentimento é passível de compreensão na medida em que historicamente essas são situações presentes na vida das pessoas com deficiência.

Nessa perspectiva, concordamos com Camargo (2004) quando diz ser possível que essa atitude dos pais tenha ligação com suas experiências pregressas de discriminação vivenciadas pelos filhos. Portanto torna-se mais fácil para eles evitar situações conflituosas no ambiente circundante se a deficiência do filho não estiver evidente ou oficialmente “certificada” pela escola perante os demais integrantes do grupo social.