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2 CAMINHOS DA ESCOLARIZAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA

2.1 PERCURSO RUMO À ESCOLA: dos primeiros passos aos anos 1960

2.1.1 O início de uma longa caminhada

As primeiras manifestações favoráveis à escolarização das pessoas com deficiência, no Brasil, apareceram no final do século XVIII e início do século XIX, época em que os princípios liberais6 começaram a influenciar as idéias locais. Nesse período era interesse da elite dominante que apenas uma ínfima parcela da população fosse escolarizada, não contrariando seus interesses de dominação econômica no contexto do Estado liberal (JANNUZZI, 2004).

Segundo Pimenta (1998, p. 174), “o Estado liberal do século XVIII, foi um Estado mínimo [...] exercendo funções típicas de Estado, tais como: defesa nacional, arrecadação e diplomacia”. No entendimento desse autor, nesse modelo “[...] o gasto público era muito pequeno em relação ao produto econômico de cada país”.

No Brasil, a instrução primária passou a ser assegurada na Constituição de 1824, mas isso não foi concretizado, pois atingiu apenas 2% da população. Essa situação refletiu-se na

6 Para saber mais sobre os princípios gerais do liberalismo e sua influência no campo social e educacional, ver

escolarização das crianças com deficiência, que encontrou pouca manifestação em sua defesa e “Poucas foram as instituições que surgiram e nulo o número de escritos sobre sua educação” (JANNUZZI, 2004, p. 8).

A organização dos serviços de atendimento às pessoas com deficiência, no contexto nacional, teve influência de experiências européias e americanas. Durante o período imperial, primeiro predominaram instituições para deficientes visuais e para deficientes auditivos, visto que essas deficiências eram facilmente percebidas se comparadas à deficiência mental. “Certamente só as crianças mais lesadas despertavam atenção e eram recolhidas em algumas instituições” (JANNUZZI, 2004, p. 16). Segundo essa autora, só posteriormente iniciou-se o tratamento para o deficiente mental por meio de entidades de assistência à saúde, como o Hospital Juliano Moreira, em 1874, na capital Baiana, e a Escola México, em 1887, no Rio de Janeiro.

As primeiras tentativas de inserção de crianças e jovens com deficiência nas instituições escolares brasileiras tiveram início na década de 1850 por meio de iniciativas isoladas (MAZZOTTA, 1996). Essas, em sua maioria, ocorriam em instituições religiosas ou privadas e filantrópicas, que acolhiam crianças abandonadas por suas famílias, entre as quais, poderiam estar crianças com alguma anomalia, mas isso se deu mais em função de interesses prevalentes em diferentes segmentos sociais e momentos vividos em nossa sociedade do que pelo reconhecimento do direito dessas pessoas, como cidadãos. Fato é que esse atendimento não fazia parte da agenda de atuação do poder público.

No Brasil do século XIX a maioria da população vivia no campo e o setor rural era aparelhado de forma rudimentar, escolas eram escassas, a maior parte das pessoas era iletrada e nem a educação popular nem a das pessoas com deficiência constituíam preocupação. Tal situação contribuía para a não identificação da deficiência intelectual. Nesse contexto, os indivíduos cujas deficiências eram pouco evidentes, ao que tudo indica, estariam incorporados às tarefas rurais.

Em uma época e conjuntura em que a educação popular não era considerada importante por nenhuma camada social, imperava o descaso do governo da corte e mais tarde do governo local pela educação. Com as pessoas com deficiência não poderia ser diferente e o motivo dessa postura dos que governavam pode ser atribuído ao fato de essas pessoas não serem necessárias como produtoras de mão-de-obra, pois essa era retirada dos escravos, nem despertarem interesse como instrumento de manobra ideológica. Nesse período, “[...] a ordem escravocrata estava assegurada pela repressão, pela ruralização intensa, em que poucos contatos sociais se faziam nas grandes propriedades latifundiárias” (JANNUZZI, 2004, p. 21).

Desse modo, as pessoas com deficiência não despertavam interesse na sociedade, já que esse modelo econômico agrário não precisava favorecer a educação, pois as técnicas de cultivo, baseadas em instrumentos rudimentares (enxada, arado, etc), não a requeriam. (JANNUZZI, 2004).

No final do século XIX e início do século XX era comum deixar as crianças tidas como ‘anormais’ em asilos de alienados e há relatos e indícios que apontam a presença de pessoas com deficiência mental em hospitais que tratavam destes. Segundo Jannuzzi (2004) tais locais funcionavam de forma precária, como pontos de abrigo e fornecimento de alimentação, com o apoio do governo, para a população pobre.

Apesar do descaso e da precariedade do ensino fundamental destinado ao povo, no fim do período imperial, a partir da última década dos anos de 1800 e início do século seguinte, alunos com deficiência intelectual eram eventualmente vistos nas escolas comuns, mas em classes separadas, pois o entendimento da época é que eles não atendiam aos padrões esperados pela escola, que, portanto, não poderia atendê-los. Assim sua exclusão era legitimada “[...] por meio de serviços de atendimento da educação especial” (VELTRONE, 2008, p. 14).

Seguindo o exemplo dos alunos com deficiência sensoriais (visual e surdez), a educação destinada aos alunos com deficiência intelectual, era influenciada pelos costumes franceses e aqui era divulgada por aqueles que naquele país iam estudar.

Tanto no tocante às questões da saúde, quanto nas questões educacionais a palavra mais importante era a do médico e sob sua influência foram criadas as primeiras escolas para as pessoas com deficiência. “[...] No campo da produção teórica vamos encontrar também pioneiramente os médicos, seguidos pelos pedagogos da rede regular de ensino, grandemente influenciados pela psicologia” (JANNUZZI, 1992, p. 31).

No Brasil, a figura mais influente em relação à deficiência intelectual foi de Desiré Magloire Bourneville, médico, pesquisador de doenças mentais e nervosas infantis, que na França lutou, entre outras coisas, para laicizar os hospitais e implantar classes especiais para crianças anormais nas escolas de Paris. Sua influência refletiu-se no Brasil, principalmente nos escritos dos médicos e no Pavilhão Bourneville, fundado em 1903 no Rio de Janeiro e isso foi o ponto de partida para realmente se pensar na possibilidade do atendimento às crianças ‘anormais’ na rede regular de ensino brasileira no fim do século XIX (JANNUZZI, 2004).

Desde o início da República, em 1889, as instituições especializadas e classes para o atendimento às pessoas com deficiência intelectual foram aos poucos aumentando, mas até os

anos 1920 havia pouco atendimento escolar voltado a essa população, prevalecendo a criação de instituições para as pessoas com cegueira e com surdez, para as quais era destinado o pouco de recursos financeiros disponibilizados (JANNUZZI, 2004, p. 25).