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6 ESCOLARIZAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E

6.1 PERCEPÇÕES E EXPECTATIVAS DAS FAMÍLIAS SOBRE A

6.1.1 Razões para o filho freqüentar a escola

Ao falar das principais razões para o filho frequentar a escola, cada participante foi solicitado a apontar as três prioritárias. Houve a ocorrência de mais de uma opção de cada sujeito e alguns apontaram mais que três motivos, dados que também foram consideradas. Assim, as razões prioritárias apontadas pelos familiares para o filho com deficiência intelectual frequentar a escola foram: aprendizagem e desenvolvimento; socialização; e alfabetização, conforme ilustra a tabela 7.

Tabela 7 - Razões dos familiares para o filho com deficiência intelectual frequentar a escola comum SUBCATEGORIAS PARTICIPANTES F % Aprendizagem e desenvolvimento Socialização Alfabetização Conseguir emprego Formar e ter profissão Ter ocupação Normalizar Ter independência Diminuir o preconceito P2, P3, P4, P6, P9, P11, P12, P14, P16, P17, P18, P19, P21, P23, P24 P1, P3, P4, P5, P7, P9, P13, P15, P16, P17, P23, P24 P1, P4, P6, P7, P12, P13, P14, P16, P19, P22 P2, P4, P5, P8, P9, P10, P20, P22 P2, P3, P9, P10, P21, P22, P24 P2, P6, P9, P11, P15, P19 P3, P4, P19 P6, P19, P23 P5 15 12 10 8 7 6 3 2 1 62,5 50 42 33 29 25 12,5 8 4 Favorecer a aprendizagem38 e o desenvolvimento de modo geral, foi a principal preocupação da maioria (quinze ou 62,5%) dos participantes para o filho frequentar a escola. As falas a seguir ilustram essa evidência.

38 Aprendizagem é o conjunto de atividades que conduz a pessoa a transformar-se, adquirindo novos hábitos,

Porque se eu não colocá-lo na escola ele não vai desenvolver. Aqui (na escola) ele vai progredindo cada vez mais. É importante. Ele vai aprender, não adianta deixá-lo em casa que ele não vai aprender... v

Também o fato de ele estar aprendendo. Acho muito importante o desenvolvimento dele... geral. Acho muito importante. Aprendendo no geral porque ele... Eu acho que não tem uma criança que não aprenda na escola

(P16).

Para aprender. Todo mundo pensa que a pessoa sabendo... o mais importante que tem é o saber. É o saber total, é o saber a vida, o que tem pela frente.... Todo mundo quer o melhor para seus filhos. O melhor que a gente dá para os filhos é a escolaridade, educação, o futuro que ninguém tom. (P21).

As famílias manifestaram crer na escola como lócus propício para o filho aprender e se desenvolver, como espaço onde se busca conhecimento para progredir na vida. O ser humano aprende durante toda sua vida e que a maior parte das suas aprendizagens ocorre fora da escola, nas diferentes instâncias sociais, tais como família e igreja e “a aprendizagem escolar é rigorosamente continuação das aprendizagens extra-escolares” (BECKER, 2004, p. 29). Portanto, a escola é, sim, uma das importantes instâncias que promovem a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo, embora não seja a única.

A socialização foi apontada por doze participantes (50%) como uma das razões principais para o filho frequentar a escola, indicando a crença deles na importância da escola como o meio que favorecerá o estabelecimento de interações com outras pessoas. Alguns relatos exemplificam essa percepção.

É importante. Eu acho que num aspecto é socialização... ele sempre teve contato, lógico, com priminho, na rua. Ele sempre teve contato com outros que tem o mesmo grau de deficiência dele, ou de cadeira (de rodas). Eu acho importante a escola regular por dois motivos: um é porque as outras crianças também aprendem a conviver com ele e ele aprende a convier com elas. Ele tinha certo medo das outras crianças... em festinhas, de se envolver nas brincadeiras... De correr junto, tinha certa dificuldade de ficar junto com as outras crianças (P1).

É importante pra ele porque ele vai conviver com outras crianças, com outras pessoas. É especial, com a escola pra estar interagindo com a pessoa, o aluno. Mas interagir de um modo geral (P15).

Pra ela é importante pelo desenvolvimento social, tem que conviver com as pessoas. Pra conviver socialmente, é bom, senão fica excluída da sociedade (P13).

Ao apontar esses aspectos relacionados à socialização como fatores importantes para o filho frequentar a escola, as famílias pensam em conformidade ao que preconizam a LDBEN 9394/96 e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. A primeira, no Artigo 32 inciso IV, determina que, entre seus objetivos, o ensino fundamental deve proporcionar “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e tolerância que se assenta a vida social” (BRASIL, 1996) e as Diretrizes afirmam que a educação deve envolver todas as dimensões humanas, isto é, as relações individuais, civis e sociais (BRASIL, 2001b).

Nessa linha de pensamento, Veltrone (2008) também considera que a proposta de inclusão escolar, entre seus objetivos, deve garantir que os alunos com deficiência intelectual vivenciem boas oportunidades de interação social e sejam aceitos pelos colegas.

A alfabetização, uma aquisição que implica saber ler e escrever, também está entre as principais razões de dez familiares (42%) para o filho frequentar a escola, conforme exemplificam os relatos seguintes.

Em questão da alfabetização também. Acho importantíssimo aprender a ler e a escrever. Não é frequentar a faculdade, fazer uma 8a série, mas é

aprender a ler e escrever (P1).

Pra ele aprender a ler e escrever. Se ele não aprender ler, ele não saberá responder as perguntas (P7).

Tenho loucura para vê-lo aprender a ler e a escrever (P4).

Esses discursos parecem apontar para a crença dos familiares em uma das primeiras e mais tradicionais funções da escola, que é ensinar o aluno a ler e escrever. Nessa perspectiva, mesmo que a instituição escolar assuma funções de outra natureza, impostas por contingências históricas e sociais, “elas devem estar subordinadas à sua tarefa fundamental, que é a gestão da relação pedagógica pela qual o ensino e a aprendizagem se efetuam” (MELLO, 1991, p. 20).

Conseguir emprego, apesar de não estar entre as três principais razões mais apontadas foi indicado por um 1/3 (oito) dos respondentes. Os relatos a seguir ilustram essa evidência.

Porque quando chegar uma idade boa, e ele tiver um serviço bom. É ter uma saída de trabalh,o porque hoje em dia conta... Se não tiver um estudo, não arruma um trabalho bom para ser alguém na vida (P8).

É porque futuramente ele vai ter que se manter, porque a gente não vai viver eternamente, entãoele tendo estudo é mais fácil de ele viver e trabalhar. Um trabalho pra ele sustentar-se futuramente. Ter um trabalho melhor (P20).

É possível perceber a importância que as famílias atribuem à escola como elemento para facilitar a entrada do filho no mercado de trabalho. Em nosso entendimento, essa forma de pensar também é construída nas interações cotidianas e pode ser melhor compreendida se fundamentada na “teoria do capital humano” e nas ideias neoliberais que enfatizam a racionalidade técnico-instrumental, pois, conforme essas concepções, a escola tem como principal função formar mão de obra para o mercado de trabalho. A esse respeito é importante evidenciar que

Embora deva se reconhecer que o nível de escolarização, juntamente com o conhecimento, funciona como suporte central das oportunidades de desenvolvimento, ele não pode ser visto como panacéia social, desvinculado da realidade em que o indivíduo está inserido, pois ela é determinante das condições objetivas de vida do sujeito (LIMA, 1998, p. 116).

A despeito da importância do conhecimento e formação adquiridos na escola, e do discurso neoliberal, reafirmando a necessidade de se investir em educação para formar trabalhadores mais competentes e aptos para o mercado de trabalho, temos assistido, constantemente, com a globalização da economia, que as chances de acesso ao trabalho não são as mesmas para todos. Não há lugar suficiente no mercado para absorver a totalidade dos trabalhadores, ainda que todos fossem igualmente bem capacitados, pois nem mesmo os mais qualificados tecnicamente e que atendem aos padrões de normalidade estabelecidos estão conseguindo se inserir ou até mesmo se manter nas atividades produtivas recebendo remuneração.

E importante destacar outras razões apontadas com menos frequência pelos familiares para seus filhos frequentarem a escola, as quais estão descritas a seguir, acompanhadas das falas ilustrativas de sua ocorrência.

a) Formar e ter profissão estão diretamente ligados à preocupação das famílias quanto à ascensão social do filho via educação.

Pra ter uma boa profissão no futuro, uma profissão assim melhor, com o estudo. Um que ele num fica igual ao pai, seja, carregar cimento, tijolo, areia (P10).

Eu prefiro porque é melhor que ele ficar na rua e achar uma pessoa que possa dar droga pra ele, ensiná-lo a roubar, fazer coisa errada. Eu acho melhor do que ficar na rua. (P15).

c) Normalizar, ou seja, tornar o filho o mais igual possível em relação às outras pessoas do grupo social.

Ser uma criança normal, eu acho que ele tá ficando normal, igual às outras crianças. (P4).

d) Ter independência, isto é estar apto a realizar tarefas cotidianas.

Saber pegar um ônibus na cidade, saber pagar uma coisa, saber se virar, pra tudo, não ter que depender... eu não ter que estar sempre junto. (P19).

e) Diminuir o preconceito foi um aspecto mencionado por um único pai (4%).

Pra não ter preconceito com ele. Pelo problema dele eu acho muito importante ele estar na escola, estar acompanhando a escola. (P5).