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Quando nos propomos abordar as representações prévias dos professores de Francês em formação inicial na FLUP, torna-se necessário reflectir sobre o conceito de ―representação‖.

Trata-se de um conceito complexo, uma vez que interessa a vários domínios das Ciências Humanas, tais como a Psicologia Social, a Antropologia, a Sociologia, a Linguística, as Ciências da Linguagem e Comunicação, a Informática, a Filosofia (Mannoni, cit. por Oliveira, 2011). A própria Didáctica das Línguas, como veremos mais à frente, vai buscar este conceito essencialmente à Psicologia Social. Também para nós, neste estudo, interessa sobretudo o contributo da Psicologia Social, que distingue representações sociais (as que são partilhadas por um grupo de indivíduos) de individuais.

Para Durkheim, as representações colectivas são inerentes à vida social e são exteriores às representações individuais: se as representações individuais são fenómenos específicos, as colectivas estão, pela sua dimensão plural, ao serviço da coesão social (Durkheim, cit. por Oliveira, 2011). Moscovici vem, na linha de Durkheim, retomar o conceito de representação social numa perspectiva psicossociológica, revelando a sua dupla importância, quer na vertente da estrutura social quer do comportamento individual (Moscovici, 1961).

Sendo um conceito, como já dissemos, complexo, não é fácil encontrar uma definição que abranja todos os domínios das Ciências Sociais. É da autoria de Jodelet uma definição que é globalmente aceite e que caracteriza a representação social como ―une forme de connaissance socialement élaborée et partagée, ayant une visée pratique et concourant à la construction d‘une réalité commune à un ensemble social‖ (Jodelet, 1984: 36).

Enquanto modalidade de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, a representação resulta ―da experiência de cada pessoa, e essencialmente dos valores e dos saberes legados pela tradição, inculcados pela educação familiar e escolar, e difundidos pela comunicação social‖ (Oliveira, 2011: 136). Longe de se tratar de um saber científico,

60 está mais perto daquilo a que Jodelet chama saber do senso comum, considerado pela autora como igualmente válido (Jodelet, 1984).

Vala refere dois critérios que justificam que uma representação seja apelidada de ―social‖: um critério quantitativo, segundo o qual uma representação é social na medida em que é partilhada por um conjunto de indivíduos, e um critério genérico, que refere que uma representação é social se for colectivamente produzida (Vala, 1993). No entanto, e apesar de construídas na interacção social, ―as representações sociais mantêm um carácter pessoal e único, pois são construídas no quadro da experiência de cada pessoa‖ (Oliveira, 2011: 137). Ou seja, o indivíduo possui uma representação, de acordo com uma história pessoal que, por sua vez, foi construída em interacção com os outros.

Lipianski menciona três tipos de representação nas relações entre o indivíduo e o grupo. Assim, podem gerar-se i) representações induzidas, que são o reflexo de inter- relações (políticas, económicas, culturais) passadas ou presentes com o grupo; ii) representações justificativas, que são o fruto da observação do grupo ou da experimentação; iii) representações de antecipação, que preparam uma situação ou uma acção, pelo que a imagem atribuída ao Outro facilita, por exemplo, uma acção contra ele (Lipianski, cit. por Oliveira, 2011).

Vários autores citados por Oliveira (caso de Flamant, Abric, Doise e Jodelet) têm em comum definirem as representações como ―um conjunto organizado de opiniões e/ou atitudes e/ou crenças e/ou informações e/ou cognições e/ou valores que um indivíduo ou um grupo elabora acerca de um objecto, de uma situação, de um conceito, de outros indivíduos ou de outros grupos‖ (Oliveira, 2011: 137). Assim consideradas, as representações podem ter um cariz individual ou social, consoante sejam específicas de um único indivíduo ou de um grupo.

Segundo estas definições, as representações orientam o comportamento do indivíduo, guiam as suas escolhas, reforçam o sentimento de pertença a um grupo social e funcionam como característica distintiva entre grupos sociais. Autênticos barómetros capazes de tomar o pulso às realidades sociais, as representações sociais ―définissent des proximités et des affinités, des éloignements et des incompatibilités‖ (Bourdieu, 1987: 73). Por isso, são consideradas como uma forma de conhecimento válida e com carácter prático: uma vez que funcionam como uma forma de ―ler‖ a realidade, permitem ―uma

61 antecipação dos actos e comportamentos que estão relacionados com as normas sociais‖ (Oliveira, 2011: 139).

O nosso comportamento é orientado pela nossa visão da realidade, a partir de experiências vividas, mas também da comunicação com quem nos rodeia. Assim, as ideias pré-concebidas, os estereótipos, as expressões populares, os mitos e crenças colectivos são exemplos de representações. Para a Psicologia Social não é importante saber se uma representação é falsa ou verdadeira. Aliás, ela possui as duas características: i) é falsa porque, sendo uma representação, nunca diz exactamente o que é, na realidade, o objecto; ii) é verdadeira porque, para o sujeito, constitui um tipo de conhecimento válido, a partir do qual pode orientar as suas acções (Mannoni, cit. por Oliveira, 2011).

Talvez seja por isso que não conseguimos deixar de produzir representações: ―nous avons toujours besoin de savoir à quoi nous en tenir avec le monde qui nous entoure. Il faut bien s‘y ajuster, s‘y conduire, le maîtriser physique ou intellectuellement, identifier et résoudre les problèmes qu‘il pose‖ (Jodelet, 1997 : 47).

Em suma, em função da nossa história pessoal – que, por sua vez, se construiu em interacção com os outros (família, escola, comunicação social, por exemplo) – produzimos constantemente representações que são fruto das nossas vivências, valores ou saberes. Ou seja, ―as regras sociais resultam de um processo de produção complexo, sujeito a uma diversidade de constrangimentos individuais e colectivos, mas com um vínculo de pessoalidade não negligenciável, visto que aos sujeitos é reconhecida a capacidade de processar e reconstruir todos estes dados‖ (Oliveira, 2011: 139).

Sendo resultado da consciência individual e, ao mesmo tempo, colectiva da sociedade, as representações ditam afinidades ou incompatibilidades entre os indivíduos, contribuindo para esbater ou aumentar as fronteiras sociais: ―partilhar representações é pertencer a um grupo, o que faz das representações uma forma de identidade social‖ (Oliveira, 2011: 139-140).

Como já referimos, a Didáctica das Línguas vai buscar o conceito de representações à Psicologia Social. Assim, surge (confrontar, por exemplo, Galisson & Puren, 1999) a convicção de que é necessário partir das ideias prévias dos alunos (bem como dos professores, pais ou outros agentes educativos) para as desconstruir. Só assim o novo saber

62 tem condições para ser assimilado. É, portanto, importante ter consciência da existência das representações, uma vez que os estereótipos, se não forem identificados e desconstruídos, podem constituir um obstáculo à aprendizagem eficaz de uma língua, tal como à comunicação efectiva.

Numa aula de Língua e Cultura Estrangeira, as representações passam, consciente ou inconscientemente, no discurso, quando os indivíduos falam na ou sobre a língua. Ter disso consciência é o primeiro passo para desmontar os mecanismos linguísticos e os estereótipos culturais que perpassam pelo nosso discurso. A educação para a interculturalidade deve, então, passar pelo conhecimento das representações prévias do sujeito face a Si próprio e face ao Outro, face às línguas e face aos que as falam. Saber reconhecer e rentabilizar as representações para a situação-aula é, pois, uma mais-valia, uma vez que as representações sobre uma língua ou cultura (ou ainda sobre os falantes) condicionam a forma como o aluno vai aprender essa língua e essa cultura.

Cientes da complexidade deste conceito, ao reflectirmos sobre as representações prévias dos professores de Francês em formação inicial na FLUP tivemos em conta a possibilidade de as representações individuais, relativas a cada estagiário, reflectirem uma coesão social comum a um grupo de estagiários que partilhavam afinidades, tais como o mesmo modelo de formação, o facto de terem filhos, morarem longe da família, terem profissões paralelas ou estarem a realizar o estágio pela segunda vez.