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6. Apresentação e interpretação dos resultados

6.3. Discussão de resultados comuns a grupos de estagiários

Embora não seja fácil fazer um cruzamento de variáveis, quando a distribuição da amostra é tão díspar, esta secção é a que mais se aproxima disso. Trata-se, aqui, de reflectir sobre a referência a alguns indicadores subjectivamente considerados como esperados (ou não), dado o grupo de estagiários.

6.3.1. Estagiárias com filhos

O estudo de Vieira e Relvas (2003), que já referimos, encontrou uma relação entre o factor filhos e o aumento de sentimentos de tolerância e sensibilidade face aos alunos. Por isso, tivemos curiosidade em saber como foram afectadas as quatro estagiárias que eram mães38. À primeira vista, ao relermos as suas expectativas não encontrámos nada que

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RE05, RE14, RE24 e RE27. Estas estagiárias tinham entre 29 e 40 anos de idade e já tinham todas passado por experiências profissionais anteriores ao estágio, algumas delas na área do ensino. Eram mães de um ou dois filhos, com idades que variavam entre menos de um ano e 14 anos, o que também podia traduzir preocupações diferentes, que não foram tidas em conta na análise que fizemos.

94 nos chamasse a atenção, pela presença ou pela ausência, por ser diferente dos restantes estagiários. No entanto, uma leitura mais atenta aos registos incluídos nalguns indicadores específicos encontrou pontos em comum nestas quatro estagiárias, que podem não ser fortuitos.

Assim, i) todas elas revelaram preocupação com a motivação dos alunos ou a orientação das turmas (indicadores I A.a. e I A.g.); ii) duas delas evidenciam o papel do professor como gestor do ambiente-turma, controlando eventuais problemas disciplinares (I A.c.). Curiosamente, nenhuma destas estagiárias refere o professor – formador (I A.d.) ou atento à diversidade dos alunos (I A.e.), nem a subcategoria I B. (relativa ao aluno), nem valoriza a componente afectiva na sala de aula (II A.h.).

Por outro lado, encontrámos nelas uma grande vontade de conseguir realizar o estágio – duas consideram-se vocacionadas para o ensino (II B.a.), três estão conscientes da importância do estágio (II C.a.) e duas preocupam-se com a nota final (III B.e.) – a par com sentimentos de insegurança muito fortes: ansiedade, apreensão, receio de desiludir os outros, medo de não conseguir chegar ao fim (RE24), tensão (RE27).

6.3.2. Estagiárias que moram longe da família ou que fazem grandes deslocações diárias

O mesmo estudo (Vieira & Relvas, 2003) referia que o factor colocação longe de casa afecta negativamente. Assim, formos reler as expectativas das doze estagiárias que durante a semana residiam em casas alugadas relativamente perto da escola, sozinhas ou com colegas em circunstâncias semelhantes, bem como das duas que de deslocavam diariamente de casa à escola e vice-versa, percorrendo distâncias superiores a cem quilómetros, para ver de que forma este factor as afectava.

Do total de catorze estagiárias nestas condições39, há nove que referem que vai ser um ano difícil (II C.c.). No entanto, é a estagiária simultaneamente em situação de morar longe (residindo sozinha durante a semana) e a repetir o estágio, a única a falar de sacrifícios: ―neste ano de muito esforço e de alguns sacrifícios a nível pessoal e social (...)

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95 ser professor não é tarefa fácil de cumprir. Exige muito de nós, obriga-nos, em muitos casos, a mudar de vida‖ (RE35).

Também por estarem longe da família, oito estagiárias valorizam a componente afectiva do núcleo (II A.f.) e quatro a relação com professores e funcionários (II A.g.). Estas estagiárias estão mais conscientes das dificuldades do estágio, até porque não podem contar com o apoio diário da família. Portanto, i) estão muito conscientes da importância do estágio (oito referem o indicador II A.f.); ii) três referem mesmo a sua vocação/paixão pelo ensino (II B.a.); iii) cinco pensam ter qualidades de trabalho para realizarem o estágio; iv) três do total de oito estagiários que valorizam a nota final (III B.e.) não moram com a família.

6.3.3. Estagiárias com profissões paralelas

Entendemos que poderia haver, nas nove estagiárias que, paralelamente ao estágio, desempenhavam outra profissão40, um incremento dos indicadores relacionados i) com a dimensão colectiva da profissão (II A.e.) e a componente afectiva do núcleo (II A.f.), por terem menos tempo disponível para as tarefas do estágio; ii) com a vocação/paixão pelo ensino (II B.a.) e com a consciência da importância do estágio (I C.a.), para justificar o stress de manterem duas profissões simultâneas; iii) com a insegurança/consciência da dificuldade do estágio (II C.c.), pelo esforço de conciliar todas as tarefas.

Efectivamente, a leitura que fizemos confirmou as nossas hipóteses, uma vez que encontrámos cinco a sete unidades de registo para cada um destes indicadores. Salientamos ainda que, destas nove estagiárias, seis realizaram estágio não remunerado e precisavam do salário que a outra ocupação lhes proporcionava para suportar as despesas do próprio estágio (propina, transportes, fotocópias).

6.3.4. Estagiárias a realizarem o estágio pela segunda vez

Por terem expectativas face ao estágio que não eram exactamente prévias, uma vez que já tinham tentado fazer o estágio no ano anterior, entendemos sempre que as quatro

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96 estagiárias41 a realizar estágio pela segunda vez, embora numa escola diferente, deveriam ser tratadas à parte. Chegou agora a altura de confirmar se as suas expectativas, no que diz respeito a alguns indicadores seleccionados, têm aspectos em comum.

Assim, contávamos ver uma maior consciência i) da importância da teoria (II A.a.), em vez da valorização quase exclusivamente da prática (II A.b.), e encontrámos, efectivamente, duas estagiárias que mostram ter uma visão integradora, uma vez que dizem esperar pôr em prática os conhecimentos teóricos aprendidos; ii) da importância do estágio (II C.a.), que justifique estarem a fazer nova tentativa, e isso é visível em três delas; iii) das dificuldades do estágio (II C.c.), o que se nota em três. Fomos ver se as dificuldades mencionadas seriam diferentes das dos estagiários que não conheciam a realidade escolar, mas não há discrepâncias, a não ser o testemunho da estagiária que reside longe da família e que, como já referimos, faz referência aos sacrifícios a nível pessoal e social (RE35).

Por outro lado, esperávamos menos preocupações com a indisciplina dos alunos, uma vez que já conheciam a experiência de estar frente a uma turma; no entanto, há três estagiárias que referem esse indicador (I A.c.), possivelmente por terem tido problemas disciplinares nas escolas de onde tinham vindo. Estávamos ainda à espera de ver uma maior valorização da dimensão colectiva da profissão (II A.e.), mas só uma estagiária fala nisso. As outras três dão importância ao núcleo de estágio, mas à vertente dos afectos (II A.f.) e não do trabalho em equipa: ―se não estivermos unidas as coisas não correm tão bem como deveriam correr‖ (CE08). Também só uma é que reforça a ideia da vocação (II B.a.), que poderia justificar a sua persistência em fazer o estágio. Pensámos igualmente ver reforçadas a auto-imagem quanto às qualidades para a profissão ou para o estágio (II B.), mas isso só acontece em duas delas.

6.3.5. Estagiária que viria a desistir do estágio

O texto RE38 é o testemunho de uma estagiária de 32 anos, que desempenhava uma profissão paralela com alguma estabilidade e que a obrigava a grande esforço de coordenação de horários. Nesse texto podemos ver que tinha expectativas muito ambiciosas, especialmente sobre as questões da Didáctica. Há catorze indicadores referidos (recordamos que o máximo foi de quinze), com especial ênfase para o professor –

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97 facilitador (duas unidades de registo, UR), para o professor – formador (duas UR), para a valorização da relação com outros professores e funcionários (três UR) e nas qualidades que pensava ter para o estágio (duas UR).

6.3.6. Estagiários do Ramo Educacional

Foram catorze anos com estagiários do Ramo Educacional, muita coisa mudou nas políticas educativas, na sociedade, na cultura. O documento ―Expectativas‖ também nos dá uma visão destas mudanças: é a supremacia da língua inglesa, que começa a ser motivo de preocupação a partir do momento em que começam a escassear as turmas de Francês; são os alunos, que parecem cada vez mais difíceis de motivar, exigindo um professor facilitador que vá ao encontro dos seus interesses e que crie situações problemáticas e significativas; são as questões da indisciplina, que vão surgindo pontualmente; é o professor que tem cada vez mais necessidade de complementar a função da família, no seu papel de formador e educador; é a consciência de Si e do Outro e a necessidade de formação ao longo da vida, que são fruto dos desenvolvimentos da Didáctica.

A consciência da importância de desenvolver um trabalho em equipa e a importância da dimensão relacional com inter pares e com alunos sempre estiveram presentes. O mesmo acontece com o sentimento de que o estágio é tão difícil como importante. Aliás, como seria de esperar, a consciência da importância do estágio é diferente conforme os estagiários já tenham a sua licenciatura na altura em que fazem a prática pedagógica nas escolas – o que, recordamos, só aconteceu com a RE01 – ou não. Assim, há vinte e um estagiários que mencionam a consciência da importância do estágio. Como diz uma estagiária do RE o estágio é um objectivo para obter a licenciatura e a profissionalização (RE02).

Há dezoito estagiários que salientam o seu empenhamento como uma mais-valia para conseguirem realizar o estágio com sucesso. Para isso contam com um supervisor facilitador, colocando-se a si próprios num papel mais passivo. Não é, portanto, de surpreender que, no processo supervisivo, valorizem o produto em detrimento do processo.

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6.3.7. Estagiárias do Curso de Especialização

Os contextos de formação aparecem de forma mais ou menos explícita nos registos destas oito estagiárias. Por exemplo, quem diz que espera que os alunos aprendam com gosto nas aulas em que vai ser assistida (CE08) é alguém sem turma atribuída. De certa forma, sentimos que a sua auto-imagem como professoras sai prejudicada: ―espero vir a ser respeitada enquanto professora, mesmo que seja apenas estagiária‖ (CE06).

Se calhar, também por isso a relação afectiva a estabelecer com os alunos (II A.h.) é uma expectativa frequente: ―este será o primeiro ano em que terei a oportunidade de dar uma aula, apesar de já não termos uma turma atribuída‖ (CE02), ―espero conseguir criar nas aulas que leccionarei um bom relacionamento com os alunos‖ (CE03), ―relativamente aos alunos, com os quais espero conseguir criar laços fortes, de confiança mútua, de compreensão, de respeito e de afectividade, procurarei conquistá-los pelo coração‖ (CE04). Da mesma forma, a importância da observação de aulas (da orientadora ou dos colegas) só aparece referida por estagiárias do CE.

Sete destas estagiárias falam da vocação/paixão como motivação para a profissão (II B.a.), o que se compreende, uma vez que só se conseguem vencer os obstáculos crescentes associadas à carreira (e que se notam já nos últimos anos do RE), se quisermos perseguir um sonho. Pelos mesmos motivos há quatro estagiárias que revelam consciência da importância do estágio (II C.a.), já que, apesar de já serem licenciadas, sem ele dificilmente terão sucesso num mundo do trabalho que é cada vez mais competitivo.

6.3.8. Estagiária do Mestrado em Ensino

Não há grandes diferenças entre o ME e o CE, no que aos contextos de formação diz respeito. Notámos, em relação à subcategoria I A., que esta estagiária só refere o indicador ―professor – atento à diversidade dos alunos‖, o que talvez se explique por ver que a orientadora tem agora muitas turmas. Curiosamente, não manifesta esta preocupação pelos alunos na subcategoria I B., onde não assinala nada.

Todos os indicadores da subcategoria II A. têm registos, excepto os que se referem à formação ao longo da vida (poderia ser por ter noção da dificuldade crescente de arranjar colocação como professora, ou por valorizar a sua profissão paralela, da qual não

99 tencionava abdicar) e à valorização na componente afectiva no núcleo de estágio, porque era a única estagiária de Francês na escola. No entanto, como não tem núcleo com pares, valoriza a relação com os outros professores, que surgem agora num novo e estranho papel de ―colegas‖ (ME01).

Esta estagiária sempre quis ser professora e foi influenciada por alguns dos seus professores (II B). No entanto, não refere as qualidades que acha ter para a profissão. Na subcategoria II C revela-se consciente da importância do estágio, numa época em que todas as habilitações são poucas para conseguir colocação. Valoriza o supervisor como um facilitador (III A) e vê-se com um papel passivo (III B): ―espero que o estágio me dê ferramentas para uma acção prática enquanto professor‖ (ME01).