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6. Apresentação e interpretação dos resultados

6.1. Análise qualitativa

6.1.1. Categoria I – Representações acerca da Didáctica

6.1.1.1. Subcategoria A – O professor, detentor de saberes e competências académicas, pedagógico-didácticas e humanistas

O primeiro indicador, “facilitador/guia”, é referido de diferentes formas por vários estagiários, que salientam a importância do factor comunicação (―O factor comunicação na actividade docente é vital e indispensável. Os objectivos gerais não serão atingidos se a comunicação entre professor-alunos, aluno-alunos ou entre professores não for estabelecida.‖ – RE06) e de conseguir motivar os alunos (―Quanto aos alunos, espero ser capaz de os motivar e de lhes despertar a curiosidade para as matérias a leccionar, de modo a levá-los a sentir prazer na aquisição de nos saberes e novas competências‖ – RE14), fazendo com que eles aprendam sempre algo de novo. Com efeito, o prazer na descoberta é desta forma enfatizado:

[a maior satisfação de um docente é] fornecer as pistas e ver com satisfação os seus alunos a seguirem-nas com entusiasmo. Haverá maior prazer do que o da descoberta, o de passar a conhecer algo cuja existência se ignorava momentos antes? Na minha opinião um professor é um iniciador num certo tipo de conhecimento, que guia os seus alunos na fantástica aventura do conhecimento. (CE07)

Daí a vontade que manifestam de serem criativos, inovadores, com aulas dinâmicas e interessantes, de criarem ambientes propícios à aprendizagem, situações problemáticas e significativas, de respeitarem as necessidades e interesses dos alunos (―estarei atenta às necessidades e interesses dos meus alunos imprimindo no processo de ensino/aprendizagem uma progressão em espiral, que permita um contínuo alargamento e aprofundamento das aprendizagens‖ – RE26), colocando-os no centro da aprendizagem (―tentarei incentivar os meus alunos à participação e interacção real, através de práticas de descentralização do docente‖ – RE26) e promovendo a sua autonomia (―atingir os objectivos estabelecidos no Programa e, assim, ajudar o aluno a criar uma autonomia essencial para o seu futuro‖ – RE36). O texto RE31 diz ―considero imperioso investir (…) sobretudo num ‗saber fazer‘ e num ‗saber ser‘ adequados às necessidades dos meus alunos. É meu objectivo colocá-los no centro de todas as minhas actuações‖. Pretende-se um professor facilitador da aprendizagem, sem ser alguém facilitista (CE03).

75 A ideia do professor “transmissor de conteúdos” aparece raramente, sendo salientada a necessidade de uma articulação de conteúdos sistemática e metódica que facilite a aprendizagem: ―gostaria de ser uma professora cuja transmissão de conhecimentos fosse o mais sistemática e metódica possível, de forma a estabelecer pontes com outros conhecimentos, nomeadamente históricos e culturais, que possam ser pertinentes no decorrer da aula‖(CE03).

O indicador “gestor do ambiente-turma”, que engloba referências ao clima de trabalho e a questões disciplinares, é evidenciado por estagiários preocupados com a criação de um ambiente de disciplina e respeito, sem conflitos:

A nível do comportamento na sala de aula espero conseguir estabelecer um clima de trabalho harmonioso que favoreça um conhecimento mais próximo e profundo dos alunos. No entanto, tenho consciência que esta proximidade não poderá tocar os limites de excesso de confiança, propiciador da falta de respeito. (RE25)

A questão do professor “formador/modelo” aparece referida por estagiários que querem contribuir para a formação dos alunos, uma vez que o professor não é só informador, também é formador (RE25). Para isso, propõem-se partilhar vivências e valores (―um professor transmite, não só os conteúdos que ensina, nas também, e talvez acima de tudo, aquilo que é‖ – CE03), discutir temáticas actuais e fomentar a aprendizagem de valores (―mais importante que o conhecimento científico, é a aprendizagem de valores como a Liberdade, a Igualdade e o Respeito pelo Outro. Nos dias que correm, o desenvolvimento da competência Aprender a ser é fundamental e será uma das minhas prioridades‖ – RE29). Daí que haja quem refira que formar é uma tarefa de muita responsabilidade (―a forma como me relacionarei com os meus alunos e os investimentos que farei no meu próprio trabalho condicionarão a formação dos discentes e o papel que cada um desempenhará na sociedade‖ – RE30), até porque, devido à demissão de muitas famílias, o professor deve funcionar como um modelo.

O professor “atento à diversidade de alunos”, a nível cultural, de ritmos de aprendizagem ou estilos cognitivos, nota-se na preocupação em referir o meio e a diversidade dos alunos, na referência ao ritmo de aprendizagem e à necessidade de adoptar uma pedagogia diferenciada que tenha em conta níveis de dificuldade diferentes:

76 (…) um professor nunca deve esquecer os seus alunos, pelo contrário, estes ocupam o primeiro lugar em todas as acções que o docente realiza. Este aspecto faz do docente um ser à partida sempre aberto ao Outro, alguém capaz de descentralizar-se de si mesmo para atender às necessidades dos outros, no fundo um professor é um altruísta. (CE07)

São feitas algumas referências ao “professor de LE”, nomeadamente à especificidade de uma língua estrangeira, a nível da competência de comunicação e cultural:

(…) terei como principal preocupação o desenvolvimento no aluno de uma verdadeira competência de comunicação que passe não só pelo desenvolvimento de competências linguísticas, discursivas e referenciais, mas também pelo desenvolvimento de uma competência cultural, que o leve à tomada de consciência que uma língua não se limita a um conjunto de sons articulados. Ela é também a expressão de uma forma de pensar, de sentir e de estar de um determinado povo. (RE29)

Já o “professor de FLE” é alguém que deve motivar para a cultura e, sobretudo, para a língua francesa, tendo pela frente o desafio de ressuscitar o gosto pela aprendizagem do FLE:

Ser professor de Francês Língua Estrangeira, em Portugal, nos tempos que correm, é, quanto a mim, um verdadeiro desafio. Actualmente, desacredita-se vivamente a importância da língua francesa, pois a língua inglesa mantém o seu imenso monopólio enquanto língua universal. Esquecemo-nos que há pouco mais de três décadas o ensino-aprendizagem da língua francesa era obrigatório nas escolas. Sabemos perfeitamente que, muitas vezes, a política se sobrepõe à cultura e à educação, e que esta espécie de flutuação da importância social de uma determinada língua estrangeira é determinada por factores políticos. Contudo, o professor de Francês Língua Estrangeira, embora consciente desta situação, não pode viver obcecado por ela. A língua francesa está viva e bem viva, só carece, neste momento, de um pouco de propaganda a seu favor. E é ao professor Francês Língua Estrangeira que compete fazê-la, pois o professor é o embaixador daquilo que lecciona. (CE05) Ausentes desta subcategoria ficam as referências que estaríamos à espera de encontrar, a partir das leituras feitas, à interculturalidade, ao professor reflexivo, crítico, autónomo, decisor curricular e investigador.

Em contrapartida, não estaríamos à espera de encontrar, nos últimos anos, referências, ainda que raras, ao papel transmissivo do professor. Isso prova que ainda há quem valorize o professor monocultural, com uma sólida preparação científica, a nível dos conteúdos disciplinares e didácticos, capaz de expor com clareza as matérias, enfatizando o ensino e não a aprendizagem (Cortesão, 2000).

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6.1.1.2. Subcategoria B – O aluno, cidadão de uma sociedade democrática

O primeiro indicador refere-se ao cidadão que os estagiários pretendem formar, “responsável, crítico, interveniente, autónomo”:

Num mundo cercado de telecomunicações, bombardeado de informação, que papel caberá à instituição escolar? Quanto a mim, a escola adquire um papel cada vez mais importante. É necessário que se adapte ao mundo actual, é um facto, mas cabe-lhe a importante e complexa tarefa de regular a informação que as nossas crianças e jovens recebem dos meios de comunicação. Trata- -se de fomentar aquilo que é mais conhecido por espírito crítico, o que nos remete, uma vez mais, para a autonomia: todos sabemos que nem toda a informação veiculada pelos media é verdadeira, mas, pelo contrário, manipulada. Ao formar crianças e jovens autónomos, a escola está, nem mais, nem menos, a preparar futuros cidadãos. (CE05)

Para isso o aluno deve ser, desde logo, “atento a Si e aos Outros”, para viver numa sociedade plural e em mudança. A escola é entendida como um palco privilegiado do processo de individuação e de socialização (RE29). O falante de uma LE é, neste sentido, alguém privilegiado, uma vez que tem uma cosmovisão aberta à alteridade:

Tal como a Literatura, as Línguas são outra forma de pensar o mundo e as ideias. Ao falarmos uma língua estrangeira acedemos repentinamente a uma cosmovisão completamente distinta da nossa. Afinal, nem todos pensamos da mesma forma e não partilhamos sequer as mesmas ideias. Aprender uma nova língua é uma forma de nos abrirmos à alteridade, de não ficarmos presos às nossas ideias e ao nosso ego. (CE07)

O aluno deve, ainda, ter uma atitude de investigação que lhe permita ser “capaz de se formar ao longo da vida”.

Estaríamos a contar com mais registos e com indicadores mais variados dedicados ao aluno (por exemplo, relativos ao aluno enquanto produtor de saber, criativo), que talvez seja o grande ausente destes textos. Talvez isso aconteça não por omissão, mas porque, ao falarem do professor que pretendiam ser, os estagiários tivessem implícito o tipo de aluno que queriam formar.

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6.1.2. Categoria II – Representações acerca da dimensão intra e interpessoal