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3 NÃO-CUMULATIVIDADE: PONDERAÇÕES INDISPENSÁVEIS AO

3.2 Características indissociáveis à não-cumulatividade

3.2.3 Acesso ao sistema de abatimentos

O princípio da não-cumulatividade operacionaliza-se, como técnica, por meio do sistema de compensação; o qual, no que diz respeito ao IPI, é resultado, na prática, da aplicação do método de abatimento instituído no art. 153, §3º, II, da Constituição Federal.

Vale citar, a fim de comprovar o supracitado entendimento, o disposto no art. 225 do Decreto nº 7.212 de 2010, Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados - RIPI, o qual afirma o método de instrumentalização da não-cumulatividade:

Não Cumulatividade do Imposto

Art. 225. A não cumulatividade é efetivada pelo sistema de crédito do imposto relativo a produtos entrados no estabelecimento do contribuinte, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo (Lei nº 5.172, de 1966, art. 49). (grifo do original)

Infere-se do texto legal que a não cumulatividade é efetivada pelo sistema de creditamento, caracterizando-se como “resultado do sistema de abatimentos estabelecido pelo texto constitucional, e não sua causa”45.

Demonstra-se, desse modo, essencial a garantia de acesso ao sistema de abatimentos, em sua plenitude, como forma de privilegiar o princípio da não-cumulatividade.

Waldir Luiz Braga e Adolpho Bergamini explicam que

essa sistemática funciona da seguinte maneira: i) o contribuinte que receber mercadoria em seu estabelecimento lança essa entrada no livro Registro de Entradas, assim como o crédito do imposto destacado na Nota Fiscal respectiva; ii) quando houver saída tributável de mercadorias, a operação será registrada no Livro Registro de Saídas, debitando-se nesse mesmo livro o [...] [imposto] devido pela operação; iii) por fim, no Livro de Apuração [...], o contribuinte realiza o cotejo dos créditos constantes no Livro Registro de Entradas e os débitos do Livro Registro de Saídas: havendo saldo credor, este será transportado para o mês subsequente; havendo saldo devedor far-se-á o pagamento do valor apurado ao Erário.46

Para o IPI, a cada efetiva entrada de produto industrializado no estabelecimento, desse modo, durante o período de apuração (mensal nos termos do art. 1º da Lei nº 8.850 de 1994), deve o beneficiário, em seus livros fiscais, à vista do documento que lhes confere legitimidade

45 PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 6. ed.

.Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 93.

46

BRAGA, Waldir Luz; BERGAMINI, Adolpho. Inexigibilidade do estorno do crédito de ICMS em casos de

.perda, quebra ou perecimento de mercadorias em estoque. Revista Dialética de Direito Tributário. São

(normalmente a nota fiscal com destaque do IPI), escriturar o crédito relativo ao imposto na operação recolhido (art. 251, I, RIPI).

Uma vez escriturados tais créditos, estes serão utilizados, em face das saídas de produto industrializado do estabelecimento do mesmo beneficiário, por meio do cotejo entre o imposto devido, ao final do período, e o valor relativo aos supracitados créditos (art. 256, RIPI).

Percebidos os contornos práticos do creditamento, faz-se essencial relatar, outrossim, que este, consequência do princípio da não-cumulatividade, configura-se, dada sua importância, porquanto diretamente ligado ao equilíbrio da ordem econômica e financeira, como verdadeiro dever, um ônus do qual o contribuinte não pode se escusar de cumprir.

Ao contribuinte do IPI não cabe, a cada operação, a faculdade de realizar a escrituração e o abatimento dos créditos; mas, sim, o dever de corretamente obter e utilizar esta benesse constitucional. Não há, pois, como aceitar a possibilidade de o beneficiário, voluntariamente, ou mesmo por desídia, não se utilizar dos créditos obtidos em cada operação.

Eventual situação de acumulação de créditos sem abatimento; não escrituração destes ou mesmo sua extinção em razão da prescrição quinquenal representa sério risco ao frágil equilíbrio da ordem econômica promovido pela não-cumulatividade, uma vez que, na prática, tais situações proporcionam os mesmos resultados da prejudicial cumulação de tributo.

“O ônus suportado pelo contribuinte em face do seu não-aproveitamento dos créditos, obviamente, seria repassado para o preço dos produtos, criando, pela via indireta, o mesmo indesejável acréscimo artificial de preços”47 decorrente da tributação cumulativa.

Já em 1987, no RE 111.757/SP, o Ministro relator Célio Borja alertava acerca da caracterização do creditamento como um dever, obrigando a todos os contribuintes do ICMS e do IPI em qualquer de suas hipóteses:

O creditamento não é faculdade do contribuinte, mas dever para com a ordem jurídica objetiva, tanto que não lhe é possível renunciar ao lançamento do crédito do imposto, ainda quando isto fosse conveniente. Nem a lei poderia autorizá-lo a tanto, sob pena inconstitucionalidade.48

47 MELO, José Eduardo Soares de; LIPPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária: (ICMS, IPI,

.ISS, PIS e COFINS). 3. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 142.

48

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 111.757/SP. Relator(a): Min. Célio Borja, Segunda Turma, julgado

Convém citar as acertadas conclusões de José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo, os quais afirmam:

O agente realizador das operações sujeitas aos IPI e ao ICMS não possui a faculdade de creditar-se do imposto incidente nas anteriores operações. Não lhe foi outorgada uma possibilidade. O dispositivo constitucional manda, impõe, determina que se faça a apropriação dos créditos para, com eles, proceder-se à ‘compensação’. É uma obrigação que comete cada um dos agente partícipes do ciclo da circulação de mercadorias e prestação de serviços. A própria fiscalização tem o dever de conferir a exata aplicação do comando constitucional. Não é cabível que se alimente a cultura de que a não apropriação dos créditos melhora a receita tributária para o Erário.49

Não obstante seja o creditamento obrigatório, como dever, para o contribuinte; certo é que o direito de crédito, entretanto, não é consequência imperativa de toda e qualquer espécie de entrada de produto industrializado. Há, por certo, malgrado seja o princípio estabelecido constitucionalmente, um limite para a obtenção de créditos, que se liga à utilidade do produto no ciclo produtivo face à amplitude limitada do conceito de industrialização.

Não é toda aquisição, portanto, no que diz respeito à hipótese de incidência do IPI

ligada à industrialização em si (art. 46, II, CTN), que gerará crédito, mas apenas as matérias-

primas e produtos intermediários, e desde que diretamente incorporados ao produto final ou utilizados no processo industrial, além das embalagens.

Veja-se o disposto no art. 226 do RIPI de 2010, que trata dos créditos básicos:

Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25):

I - do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente;

O creditamento do IPI é regido pela teoria do crédito físico, a qual assevera limitar-se o conceito de insumo, para efeito de obtenção de crédito, apenas aos gastos essenciais à produção, ligados que estão intimamente ao processo fabril (matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem). Este entendimento restou consolidado, inclusive, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em sede de recurso repetitivo, no REsp 1.075.508:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IPI.

49

MELO, José Eduardo Soares de; LIPPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária: (ICMS, IPI,

CREDITAMENTO. AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS AO ATIVO IMOBILIZADO E AO USO E CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE. RATIO ESSENDI DOS DECRETOS 4.544/2002 E 2.637/98.

1. A aquisição de bens que integram o ativo permanente da empresa ou de insumos que não se incorporam ao produto final ou cujo desgaste não ocorra de forma imediata e integral durante o processo de industrialização não gera direito a creditamento de IPI, consoante a ratio essendi do artigo 164, I, do Decreto 4.544/2002 [...].

[...]

4. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.50

Por fim, faz-se mister afirmar que, para o IPI, porquanto veiculada a técnica não- cumulativa na Constituição Federal, e por meio de norma de eficácia plena (art. 153, §3º, II), o sistema de creditamento relativo ao imposto recolhido na importação, foco principal do presente estudo, há de seguir a mesma diretriz constitucional, “compensando-se [obrigatoriamente] o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

Mantido o cerne do princípio, há que se frisar a existência de certas peculiaridades quanto à escrituração, forma da apuração, e espécies de produtos que geram direito ao crédito na importação, as quais foram introduzidas na legislação infraconstitucional. Cite-se o disposto no art. 226, V; art. 251, IV, e art. 259, §1º, todos do RIPI de 2010:

Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25):

V - do imposto pago no desembaraço aduaneiro;

Art. 251. Os créditos serão escriturados pelo beneficiário, em seus livros fiscais, à vista do documento que lhes confira legitimidade:

IV - nos casos de produtos importados adquiridos para utilização ou consumo próprio, dentro do estabelecimento importador, eventualmente destinado a revenda ou saída a qualquer outro título, no momento da efetiva saída do estabelecimento. Art. 259. O período de apuração do imposto incidente nas saídas dos produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial é mensal (Lei no 8.850, de 28 de janeiro de 1994, art. 1º, Lei no 11.774, de 2008, art. 7o, e Lei no 11.933, de 2009, art. 12, inciso I).

§1o O disposto no caput não se aplica ao IPI incidente no desembaraço aduaneiro dos produtos importados (Lei nº 8.850, de 1994, art. 1º, § 2º, e Lei no 11.774, de 2008, art. 7o). (grifo nosso)

No que diz respeito às espécies de produtos ensejadores de creditamento, conclui-se inexistir a limitação operada pela teoria do crédito físico, face à peculiaridade da hipótese de

50

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.075.508/SC. Relator: Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 23/09/2009, DJe 13/10/2009.

incidência (desembaraço aduaneiro). Todo produto industrializado tributado pelo IPI quando da importação deve render direito à crédito.

A escrituração deste, no entanto, diferentemente da hipótese de incidência ligada à industrialização em si, apenas deve ser realizada quando da efetiva saída do produto importado, a qualquer título, do estabelecimento.

Quanto à apuração, o disposto no art. 259, caput, não se aplica à importação, devendo o crédito ser apurado à cada desembaraço aduaneiro individualmente considerado.

Conclui-se, assim, que o sistema restou adequado de modo a, na prática, possibilitar ser a importação considerada, e tratada, como etapa do ciclo produtivo industrial, obtendo créditos o industrial importador sobre o montante por ele recolhido de IPI na importação e abatendo este nas futuras operações com produtos industrializados.