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Incidência monofásica de tributos sobre o consumo e a suposta inexistência de

4 DA IMPORTAÇÃO PROMOVIDA POR NÃO CONTRIBUINTE

4.3 Posicionamentos contrários às conclusões obtidas neste trabalho

4.3.1 Incidência monofásica de tributos sobre o consumo e a suposta inexistência de

Cediço é que existem, na doutrina brasileira, posicionamentos outros conflitantes com a argumentação produzida no presente estudo.

Marcus de Freitas Gouvêa, estabelecendo conclusão diametralmente oposta à encampada neste trabalho, afirma a inocorrência de violação ao princípio da não- cumulatividade nos casos de importação realizada por não contribuinte do IPI:

O mercado não deixou de apresentar [...] operações monofásicas. Não há nisto qualquer prejuízo nem para o mercado nem para a tributação, pois a tributação monofásica, incidente na última etapa do processo produtivo, é perfeitamente incorporada pelos tributos não cumulativos, com integral respeito ao princípio da não cumulatividade.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 627.844/RJ AgR. Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma,

A observância do princípio da não cumulatividade exige que não se tribute cumulativamente mais de uma etapa do processo produtivo. Contudo, se a tributação ocorre em uma única etapa do processo, seja ela a primeira ou a última, não haverá cumulatividade.

Não faz sentido, mesmo, afastar a tributação do IPI sobre importações por receio de desobediência ao princípio da não-cumulatividade, pois a incidência se dá em única etapa. Não há outra etapa para compensar o que foi pago, mas não há [também] etapa posterior para que ocorra nova incidência e novo débito.

A propósito, sob o ponto de vista econômico, há identidade entre a tributação não cumulativa [...] e a tributação sobre as vendas a consumidor final. [...]

[...]

Resta claro, pois, que a incidência do IPI na importação direta a consumidor final não fere o princípio da não cumulatividade, mas gera resultado idêntico à tributação não cumulativa incidente sobre as diversas etapas do processo produtivo.

Sustente-se, ainda, que a situação aqui discutida, envolvendo produto importado, pode ser vislumbrada igualmente em operações ocorridas dentro do território nacional.

Imagine-se o produtor industrial que adquire somente matéria-prima não industrializada, transforma os bens adquiridos e os vende a consumidor final. Não haverá nova etapa no processo de comercialização do produto que envolva outro contribuinte do IPI: nem por isso o imposto ficaria dispensado, por força do princípio da não cumulatividade.81

Não obstante o brilhantismo do supracitado autor, estabelecendo certas ponderações de grande valia, há de se frisar que, em sua análise, infelizmente desconsiderou certos aspectos fundamentais relativos à não-cumulatividade, abordando esta apenas (ou principalmente) sob seu viés econômico, distanciando-se do oferecimento de análise jurídica mais aprofundada.

Em resumo, o jurista afirma que a incidência do IPI na importação por não contribuinte, vez que inexistentes futuras operações, se assemelha à incidência monofásica, no mercado interno, ocorrida em processos de única etapa (venda direta a consumidor final) ou na última etapa de ciclos produtivos plurifásicos.

Obtempera que, ocorrendo a tributação em uma única etapa, jamais haverá, por impossibilidade física, a cumulação, cumprindo-se, assim, a finalidade não-cumulativa oriunda do art. 153, §3º, II, da Constituição. Não há operação posterior a oportunizar a compensação, mas, ao mesmo tempo, não há nova incidência e bem assim não haverá possibilidade de cumulação, atingindo, supostamente, o escopo esperado do princípio.

Cabe relatar que, quando afirma o atendimento da não-cumulatividade nas operações

internas em única etapa, o doutrinador realmente está correto, pois não há cumulação e são

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GOUVÊA, Marcus de Freitas. A incidência do imposto sobre produtos industrializados na importação de

.veículos automotores destinados a consumidor final. Revista Dialética de DireitoTributário, São Paulo, v.

atendidos todos os pressupostos do princípio: repasse do ônus financeiro para o contribuinte de fato, neutralidade fiscal e acesso ao sistema de abatimento.

Caso se questione, precipitada e erroneamente, que o consumidor não contribuinte de IPI, nesta conjuntura, estaria impossibilitado de abater eventuais créditos face à inexistência de futura operação, é de se esclarecer que a benesse da não-cumulatividade (art. 153, §3º, II) apenas está disponível para o contribuinte do IPI, o industrial. “Só aquele [industrial] é que pode valer-se do mecanismo da não-cumulatividade, inerente à cobrança de tal imposto por exigência constitucional”82.

Ocorre, no entanto, que as conclusões obtidas para as operações internas em única etapa não podem ser estendidas para a importação promovida por não contribuinte em razão das peculiaridades desta última. Nesse ponto, data vênia, acreditamos tenha se equivocado o doutrinador. Vale melhor explicar as divergências de posicionamento.

Na importação promovida por não contribuinte, nos termos em que sobejamente já detalhado neste trabalho, há confusão entre contribuinte de direito e de fato; o que não ocorre na operação em única/última etapa no mercado interno.

Na primeira, o sujeito passivo (importador) pratica o fato gerador (desembaraço aduaneiro), concretizando-se como contribuinte de direito, e assume completamente o ônus financeiro do tributo, vez que, dada a inexistência de futuras operações, não há como repassar este ônus, concretizando-se, também, assim, como contribuinte de fato. Na segunda, o sujeito passivo (industrial), pratica o fato gerador (operação com produto industrializado), configurando-se como contribuinte de direito; porém repassa o ônus da exação na única etapa existente para o adquirente final (contribuinte ou não do IPI), configurando-se este último como contribuinte de fato.

O IPI é tributo que deve, sempre, por sua natureza não-cumulativa, onerar o contribuinte de fato. No caso da importação explicada, acaba por onerar, porém, o contribuinte de direito, ainda que ambos consubstanciem-se na mesma pessoa, em imposição flagrantemente incompatível com a não-cumulatividade. Na operação em única/última etapa, diferentemente, o contribuinte de direito repassa todo o ônus para o adquirente final, atendendo prontamente ao princípio constitucional.

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PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da

Ademais, é de se relatar, por fim, que no caso da importação promovida por não contribuinte, em razão de tal característica do sujeito passivo, jamais haverá acesso ao sistema de abatimento, acumulando-se indefinidamente e sem utilização os créditos oriundos do recolhimento do IPI na importação, violando, pois, o comando do art. 153, §3, II, da Constituição Federal.

A situação de violação da não-cumulatividade acima exposta, no entanto, não ocorre quando da operação no mercado interno em única/última etapa. Caso seja o adquirente

contribuinte do IPI, poderá valer-se do abatimento em outras operações. Caso não seja este contribuinte do imposto, não há que se falar em possibilidade de abatimento.

A certeza da aplicação da não-cumulatividade, percebe-se, exige análise minuciosa da regra-matriz de incidência e certificação do atendimento de cada uma das propriedades indissociáveis ao princípio, pois somente assim rende-se real eficácia ao comando constitucional.

O posicionamento discordante exposto, pois, embasado na conclusão, pela via econômica, de que não há possibilidade de cumular-se tributo na importação por não contribuinte do IPI, face a inexistência de outras operações, não sobrevive a uma análise jurídica aprofundada, fato que certifica a ocorrência, nos termos expostos, de violação à não- cumulatividade no caso em apreço.

4.3.2 A finalidade extrafiscal equalizadora do IPI como justificativa à incidência na