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Parte I – Influências teóricas no âmbito do pensamento econômico latino-americano

Capitulo 1 – O estruturalismo Latino-americano

1.2. Raul Prebisch: sistema centro-periferia, deterioração dos termos de troca e a importância do

1.2.4. Acumulação de capital, distribuição de renda e progresso técnico

Os anos 1960 marcam uma fase crítica do pensamento da Cepal, muito em decorrência da autocrítica feita por seus intelectuais sobre a importância da industrialização para superar os entraves socioeconômicos da região. O ensaio “Por uma dinâmica do desenvolvimento

latino-americano”, de 1963, marca uma mudança de tom nas teses de Prebisch em relação aos

escritos na década imediatamente anterior.

Segundo o autor, a “robustez dinâmica” de um sistema econômico está em sua capacidade de imprimir velocidade ao ritmo de desenvolvimento e de melhorar continuamente a distribuição de renda – neste sentido as economias desenvolvidas mostraram-se altamente dinâmicas. Talvez valha a pena lembrar que, na opinião do autor, uma política de redistribuição de renda não se trata de retirar a renda da minoria superior para distribuí-la pura e simplesmente às camadas baixas. Consiste em direcionar a acumulação de capital com

vistas a cumprir o objetivo de crescimento da renda per capita capaz de chegar às camadas mais baixas do conjunto social.

Nestes termos, o sistema econômico na América Latina se mostrou pouco dinâmico, tendo em vista que o processo de acumulação – isto é, o aprofundamento da industrialização – não veio acompanhado de uma melhor distribuição de renda. A chave desta insuficiência é dada pelo tipo de tecnologia utilizada na região, dado que, em sua visão, o progresso técnico é o elo que permite ligar a acumulação de capital e a distribuição de renda.

Prebisch menciona que tanto fatores externos como internos de estrangulamento limitaram ou impediram a força expansiva da acumulação de capital na região, dado que a industrialização não corrigiu algumas disparidades nos países latino-americanos – em especial a questão do trabalho no campo. Entre os fatores externos de estrangulamento, Prebisch ressalta a estrutura do comércio internacional, que – pelo já exposto nos itens anteriores – nutria uma tendência ao estrangulamento externo da periferia, caso esta mantivesse o papel de provedora de produtos primários na divisão internacional do trabalho30. A superação deste limite requereria uma modificação da estrutura geográfica do intercâmbio mundial, bem como sua composição, com o estímulo de exportações industriais proveniente dos países periféricos. Mas o autor reconhece a dificuldade desde empreendimento, tendo em vista que a industrialização latino-americana foi um processo fechado – isto é, não conseguiu alterar a estrutura do comércio internacional.

Já em relação aos fatores internos de estrangulamento, Prebisch centra a análise na estrutura agrária, com destaque para “o regime de posses de terra, que dificulta a assimilação da técnica, a ação deficiente do Estado para adaptar e difundir essa técnica e a precariedade dos investimentos” (Prebisch, 1963, p. 460).

No entanto, o foco sobre fraca “intensidade do desenvolvimento” recaiu sobre a acumulação de capital, sendo esta a “condição necessária, mas não suficiente” do desenvolvimento. Os problemas da insuficiência dinâmica do desenvolvimento interno estão (direta ou indiretamente) ligados à questão da tecnologia utilizada e, neste sentido, o autor

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Conforme já discutido, o estrangulamento externo é agravado não apenas pela estrutura do comércio exterior (Divisão Internacional do Trabalho) – que incide sobre a tendência à queda do volume exportado de matérias-primas –, mas também pela Deterioração dos Termos de Troca, que incide sobre os preços destas exportações. À medida que prevalecia tais mecanismos na economia, a acumulação de capital (que se dava muito em decorrência da capacidade de importar máquinas e equipamentos) se via entravada.

chama atenção para quatro fontes de insuficiência dinâmica do desenvolvimento interno, que devem ser lidas como entraves ao crescimento econômico da região.

1) Elevado contingentes populacionais e ritmo inadequado da acumulação de capital. O fato que marca a análise do autor neste ponto é que grande parte da PEA (População Economicamente Ativa) ficou à margem do processo produtivo ao longo das décadas de industrialização na região. Quando a economia não cresce a uma determinada taxa, uma parte da população rural se desloca para os centros urbanos, em busca de trabalho em postos não qualificados, de baixa remuneração, encorpando as fileiras urbanas dos desempregados, dado que a acumulação de capital se desenvolvia em ritmo inadequado para absorver a população excedente.

2) Necessidade de mais investimentos e limitada capacidade de poupança da região. Aumentada a produtividade da região, em decorrência do progresso técnico, também é necessário que haja um aumento do coeficiente de inversões. Mas, como aponta o autor, não faz sentido em se forçar a expansão da produção, quando não se aumenta de modo similar a capacidade de absorver da economia. O autor reconhece que, ao se elevar a produção, elevar- se-ia a renda média e, portanto, a capacidade da poupança da economia. No entanto, Prebisch também aponta que, dadas as características da tecnologia empregada, o avanço da produção viria acompanhada de um menor nível de emprego, de modo tal que os investimentos necessários para absorver a mão-de-obra redundante requeriam um volume indisponível de poupança. Assim, há um desequilíbrio entre acumulação de capital e a maior capacidade de poupança requerida, por força da utilização de um tipo de progresso técnico altamente intensivo em capital. Vale ressaltar que Prebisch reconhece a impossibilidade de “retroceder na técnica”, mas, de acordo com ele, a periferia poderia optar por uma utilização maior ou menor de mão-de-obra desde que fizesse um comparativo do custo do trabalho e do capital, levando em consideração os preços destes e as taxas de juros dos recursos monetários. Em grande medida, a tendência a empregar técnica produtiva desfavorável à absorção de mão-de- obra deveu se à ação deficiente do Estado; uma ação planejadora seria condição sine qua non para a correção desta distorção.

3) Enormes disparidades de distribuição de renda. O consumo nas camadas mais altas é, preferencialmente, voltado para produtos de indústrias que absorvem uma quantidade relativamente pequena de mão-de-obra e muito capital.

4) Desperdício de capital. Se o capital fosse melhor destinado poderia apresentar melhor produtividade. Em outras palavras, o capital deveria ser prioritariamente direcionado a áreas que exige maior emprego de mão-de-obra e, desta forma, se obteria uma maior produção por unidade de capital (ou uma maior relação produto-capital). Assim, reduzir-se-ia a proporção de capital necessário para se obter uma determinada taxa de crescimento.

Sobre a questão da acumulação de capital e distribuição de renda, Prebisch constata que os 5% mais ricos detém cerca de 30% do consumo pessoal total na região e que 50% da população consomem apenas 20% desse total. O autor nota que nesta desproporção de consumo existe um amplo potencial de poupança que permitiria elevar intensamente o ritmo de desenvolvimento. Uma das soluções seria impor restrições ao consumo, mas só isso não resolveria a questão da aceleração do desenvolvimento, pois, mais importante do que gerar esta poupança, é transformá-la em bens de capital e o drama é que os países da região não dispõem de capacidade nem para produzi-los nem para importá-los. Nestes termos, a única saída que caberia à América Latina seria a cooperação internacional, por meio de recursos financeiros. “Faz-se necessário o aporte temporário de recursos internacionais, até que a substituição de importações e o aumento das exportações vão permitindo o emprego interno e externo da maior poupança que se possa obter através da repressão do consumo” (Prebisch, 1963, p. 477)

Não deixa de ser curioso que, mesmo criticando o papel do Estado, e enfatizando as características (parciais e fechadas) da industrialização, Prebisch continua pensando a industrialização latino-americana nos termos da substituição de importações. Naquele mesmo ano, Conceição Tavares escreveria um artigo síntese da análise cepalina do modelo substitutivo de importações e, mesmo sem romper com os esquemas analíticos da Cepal, afirmara que o modelo já tinha se esgotado como fonte de dinamismo econômico na região.