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Parte I – Influências teóricas no âmbito do pensamento econômico latino-americano

Capitulo 1 – O estruturalismo Latino-americano

1.3 Celso Furtado e o subdesenvolvimento latino-americano

1.3.1. Aspectos histórico-estruturais do desenvolvimento e do subdesenvolvimento

1.3.1.1. O modelo clássico de desenvolvimento industrial

Segundo Furtado, antes da primeira revolução industrial, o desenvolvimento econômico era basicamente um processo de aglutinação de pequenas unidades econômicas e de divisão geográfica do trabalho, onde o agente dinâmico do processo era o comerciante. Entretanto, configurado o primeiro núcleo industrial na Inglaterra, a dinâmica da economia mundial sofreria intensa transformação. Para o autor, o desenvolvimento industrial clássico segue duas fases de periodização. A primeira é marcada pela desintegração das formas pré- capitalistas de produção e a segunda se refere ao momento em que este processo já foi concluído – é em oposição às características presentes nesta formação histórica que Furtado caracteriza o subdesenvolvimento enquanto realidade particular.

Durante a primeira fase, devido à própria desarticulação do artesanato, “o desenvolvimento se processava em condições de oferta de mão-de-obra totalmente elástica”31. Essa desarticulação se dava através da massiva oferta de mercadorias por preços inferiores aos praticados aos produtos artesanais, o que era possível mediante aos ganhos de produtividade ocasionados pela mecanização da indústria têxtil. Dada a elasticidade da oferta de mão-de- obra, não havia pressões de salários e, desta forma, os frutos dos aumentos de produtividade puderam mais facilmente ficar retidos nas mãos dos industriais, que se beneficiaram de lucros expressivos, tendo em vista que os custos de produção eram continuamente rebaixados. Essa massa de recursos concentrada estimulou os empresários a expandirem ainda mais a produção e a capacidade produtiva, o que se traduzia em aumento de produção no setor de bens de capital e, portanto, em aceleração do crescimento32.

Com uma oferta elástica de mão-de-obra, o principal fator determinante do ritmo de crescimento econômico era a capacidade produtiva da própria indústria de bens de capital33, sendo que essa expansão se dava não por ganhos de produtividade (afinal a produção de equipamentos efetuava-se em base “semi-artesanal”), mas através da absorção de mão-de- obra. Esta primeira fase de desenvolvimento industrial caracterizou-se pelo avanço da 31 Furtado, 1961, p. 246 32 Idem, Ibid. p. 245 33 Idem, Ibid. p. 247

participação da indústria de bens de capital no total da produção industrial – modificação essa que veio acompanhada de alterações na distribuição de renda, num contexto em que a massa total de lucros crescia com muito mais intensidade que a massa salarial34.

À medida que a produção de bens de capital avançava sobre a de bens de consumo, reduzia-se relativamente a oferta de bens de consumo, enquanto o nível de demanda se mantinha inalterado, o que provocava pressões no sentido de elevação dos preços dos bens de consumo e, consequentemente, queda real dos salários. Neste contexto, a massa de lucros crescia muito à frente dos salários. Portanto, “cabe concluir que uma redução da produção de bens de consumo fará o salário médio real reduzir-se também, e que um aumento da produção de bens de capital resultará num aumento dos lucros” (Furtado, 1961, pp. 247-8)

O fim lógico desta fase foi a exaustão do excedente estrutural de mão-de-obra, a partir de quando esta tornou-se inelástica. Neste sentido fica clara a aproximação conceitual entre Prebisch e Furtado, se entendermos o desenvolvimento econômico como um processo histórico de aniquilamento da heterogeneidade, isto é, homogeneizador dos níveis de produtividade e de renda.

Na segunda fase do desenvolvimento das economias industriais, o ponto central estava na relativa inelasticidade da oferta de mão-de-obra. Neste período, a oferta de capital tendeu a crescer muito à frente da do fator trabalho, o que criava forte pressão no sentido da redistribuição da renda em favor dos trabalhadores. Caso a oferta de mão-de-obra continuasse inelástica necessariamente haveria uma pressão em favor dos grupos assalariados a ponto de reduzir a importância relativa da produção de bens de capital. A solução para este impasse residiu na própria tecnologia desenvolvida, que foi “progressivamente orientada no sentido de corrigir o desequilíbrio fundamental” (Furtado, 1961, p. 249).

A produtividade física da indústria de bens de capital passa a crescer nas indústrias produtoras de bens de consumo, o que provoca, num primeiro momento, uma redução relativa do preço dos equipamentos e, num segundo momento, a substituição de mão-de-obra por máquinas nas indústrias de bens de consumo. A resultante deste processo de desenvolvimento é a clara tendência a aumentar a densidade de capital fixo por pessoa ocupada. Como o preço dos equipamentos em termos de salários reais diminuía constantemente, a maior mecanização

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não implicara necessariamente em redução da taxa de rentabilidade dos novos capitais investidos.

Furtado, assim, estabelece uma clara ponte entre acumulação de capital, progresso técnico e distribuição de renda, aperfeiçoando bastante, neste quesito, a análise de Prebisch35. Para o autor, o progresso técnico permitiu conciliar uma melhora na distribuição de renda com uma forte participação crescente das indústrias de bens de capital no produto total, isto é, com o próprio aprofundamento da acumulação de capital.

O importante a reter nesta discussão é a compreensão das condições lógico-históricas do desenvolvimento econômico e a evolução da própria tecnologia como fruto deste processo, o que a tornava altamente adequada às condições socioeconômicas dos países, pioneiramente, industrializados. Neste sentido, o “modelo clássico de desenvolvimento econômico”, emergido de condições históricas específicas, não pode ser considerado um modelo abstrato- universal.

Derivar um modelo abstrato do mecanismo dessas economias, em seu estágio atual, e atribuir- lhe validez universal valeria por uma reencarnação do homo economicus, em cuja psicologia rudimentar os clássicos pretenderam assentar as leis econômicas fundamentais. A dualidade óbvia que existe e se agrava, cada dia mais, entre as economias desenvolvidas e subdesenvolvidas exige uma formulação desse problema em termos distintos. (Furtado, 1961, p. 153 – itálico no original)