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Parte I – Influências teóricas no âmbito do pensamento econômico latino-americano

Capítulo 2 – As primeiras críticas ao estruturalismo

2.1. O debate em torno das teses da dependência

2.1.1 André Gunder Frank

A primeira vertente da dependência é representada pelas teses de André Gunder Frank, que são, nas palavras de Cardoso de Mello, uma “reprodução radicalizada da problemática

cepalina” (p. 25), porém com o uso de categorias de análise marxistas, sobretudo a ideia de

desenvolvimento desigual e combinado proposta por León Trotsky.

Tal como Furtado, Frank entende o subdesenvolvimento não como uma etapa necessária anterior ao desenvolvimento, sendo ele, pelo contrário, causado pelo processo de desenvolvimento capitalista de determinadas partes do planeta, “as metrópoles”.

...o desenvolvimento e o subdesenvolvimento econômicos são os dois lados da mesma moeda, (...) são produto de um mesmo processo e de uma só estrutura econômica – embora dialeticamente contraditória -, qual seja a do capitalismo. (Frank, 1968 apud Rodriguez, 2009, p. 268)

Assim, o subdesenvolvimento é entendido por Frank como uma necessidade do próprio desenvolvimento do sistema capitalista mundial. Para tanto, o autor considerará que o sistema é dividido em um esquema semelhante ao centro-periferia, porém emprega outros termos: países metropolitanos, para os centros, e países satélites, para a periferia, sendo ambos compartes de um sistema mundial que gera simultaneamente o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. O objetivo de Gunder Frank é mostrar que o desenvolvimento capitalista é necessariamente um desenvolvimento desigual e combinado, sendo nocivo a um conjunto de países que se mantêm dependentes e subdesenvolvidos conforme o sistema mundial desenvolve-se.

Esta ideia nos remete primeiramente à Lenin, de acordo com quem “O capitalismo, no seu conjunto, desenvolve-se muito mais rapidamente do que antes, mas este crescimento não só é cada vez mais desigual como a desigualdade se manifesta também, de modo particular, na decomposição dos países mais ricos em capital” (Lenin, 2011, p. 266). Nesta obra Lenin emprega a noção de “desenvolvimento desigual” como uma tendência do sistema – tendência essa que se manifestava em todas as esferas, desde as mais particulares (entre empresas e setores) até a mais geral (entre países).

Certamente, se o capitalismo tivesse podido desenvolver a agricultura, que hoje em dia se encontra em toda a parte enormemente atrasada em relação à indústria; se tivesse podido elevar o nível de vida das massas da população, a qual continua a arrastar, apesar do vertiginoso progresso da técnica, uma vida de subalimentação e de miséria, não haveria motivo para falar de um excedente de capital. Este “argumento” é constantemente utilizado para tudo, pelos críticos pequeno-burgueses do capitalismo. Mas se assim

fosse, o capitalismo deixaria de ser capitalismo, pois o desenvolvimento desigual e a subalimentação das massas são as condições e as premissas básicas, inevitáveis, deste modo de produção. (Idem,

ibidem, p. 181 – grifos nossos).

Trotsky, partindo das contradições que emanava do sistema – que não deixavam de estimular crescentes antagonismos e criar novas relações de desigualdade entre regiões, países e ramos de produção – formulou de modo explícito e coerente uma teoria do desenvolvimento dos países periféricos, ou se preferirmos, “atrasados”. Para isto, o autor valeu-se das ideias de Lenin sobre o desenvolvimento desigual, porém as articulou com uma “lei do desenvolvimento combinado”, que lhe permitia formular a hipótese de um país periférico “saltando” por cima de etapas históricas. De acordo com Trotsky,

As leis da História nada têm em comum com os sistemas pedantescos. A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingencia de avançar aos saltos. Desta lei universal da

desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amalgama das formas arcaicas com as mais modernas. Sem esta lei, tomada, bem entendido, em todo o seu conjunto material, é

impossível compreender a história da Rússia, como em geral a de todos os países chamados a civilização em segunda, terceira ou décima linha. (Trotsky, 1967, p. 25 – grifos nossos)

Gunder Frank partiu desta problemática para pensar a dependência e persistência do subdesenvolvimento na América Latina – desde a era colonial até a implantação do setor industrial. Com base em Rodriguez (2009), podemos elencar cinco hipóteses trabalhadas pelo autor acerca do processo de desenvolvimento no marco das relações metrópole-satélite:

1. O processo de desenvolvimento capitalista consistiu essencialmente na transferência de excedente econômico das áreas menos desenvolvidas para as áreas mais desenvolvidas. Nas palavras de Frank “...o monopólio externo sempre resultou na expropriação de uma parte substancial do superávit econômico (...) e na sua apropriação por outro setor do sistema capitalista mundial” (Frank, 1966 apud Rodriguez, 2009, p. 264)

2. O superávit econômico dos satélites animou o desenvolvimento econômico das metrópoles, em um processo de expropriação. Segundo Frank, “...a metrópole expropria o superávit econômico de seus satélites e se apropria dele para o seu próprio desenvolvimento econômico. Os satélites se mantêm no subdesenvolvimento pela falta de acesso ao seu próprio superávit, e como consequência (...) das (...) relações exploradoras que a metrópole introduz e mantem na estrutura econômica do satélite” (Frank, 1968 apud Ibid., p. 264)

3. Os satélites experimentaram seu maior desenvolvimento econômico quando os laços que os atam a suas metrópoles são mais débeis. Ou, com o mesmo efeito, “quando a metrópole se recupera de sua crise e restabelece os laços do comércio e os investimentos que reincorporam plenamente o satélite ao sistema (...) o desenvolvimento e a industrialização anterior é sufocado ou canalizado em direções subordinadas e nada promissoras” (Frank, 1966 apud Ibid., p. 265)

4. As regiões mais subdesenvolvidas são aquelas que, historicamente, mantiveram “laços mais estreitos” com a metrópole: “...as regiões que hoje são mais subdesenvolvidas e de maior

aparência feudal são precisamente as que no passado mantiveram laços mais estreitos com a metrópole” (Frank, 1966 apud Ibid., p. 265)

5. As relações de dependência entre metrópole-satélite iam além do aspecto econômico. “...não se limitam (...) ao nível imperial ou internacional, mas penetram e estruturam a própria vida econômica e inclusive a política das colônias e países latino-americanos”. (Frank, 1996 apud Rodriguez, 2009, p. 266).

O radicalismo de Gunder Frank esteve em sua defesa de que nem o capitalismo nacional nem a burguesia nacional representaram (e representarão) uma saída para o subdesenvolvimento latino-americano. Tendo em vista a “lei de desenvolvimento desigual e combinado” do capitalismo, a única saída para a periferia é romper com a ordem deste sistema, através da revolução socialista.

2.1.2. “Análise de situações de dependência”: o enfoque de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falletto

A análise sociológica proposta por Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso insere- se no contexto de falência das previsões econômicas do pensamento estruturalista e de crítica à sociologia convencional. Em relação a este último campo, os autores abrem o ensaio criticando o enfoque da “sociologia do desenvolvimento” 59

, alegando que esta procurava entender as formações sociais da América Latina a partir dos conceitos de sociedade tradicional e de sociedade moderna, buscando fazer um paralelo entre desenvolvimento e modernização, por um lado, e subdesenvolvimento e atraso, por outro.

Alternativamente, Cardoso de Faletto atribuíram a esta visão um empobrecimento do conceito de desenvolvimento, tendo em vista que a relação entre desenvolvimento/modernidade e subdesenvolvimento/atraso não é unívoca: era possível haver situações em que o desenvolvimento não aniquila o atraso e situações em que o subdesenvolvimento pode vir acompanhado de maior autonomia econômica.

...as análises do modernismo e do tradicionalismo parecem excessivamente simplificadas quando se estabelece uma relação unívoca, por um lado entre desenvolvimento e sociedade moderna e por outro entre subdesenvolvimento e sociedade tradicional. (...) a relação entre

59

A bibliografia desta tradição é bastante extensa, mas os autores destacam os seguintes trabalhos: R. Redfield (The Folk Culture of Yucatan), B. Hoselitz (Sociological Factors in Economic Development), Gino Germani (Polttica y Sociedad en una Epoca de Transicion), Talcott Parsons (The Social System), Robert K. Merton (Social Theory and Social Structure) e, dentre outros, o de Daniel Lerner (The Passing of Traditional Society: Modernizing the Middle East).

desenvolvimento e modernização não se verifica necessariamente, se se supõe que a dominação nas sociedades mais desenvolvidas exclui os "grupos tradicionais". Por outro lado, também pode dar-se o caso de que a sociedade se modernize em suas pautas de consumo, educação etc., sem que correlativamente haja uma menor dependência e um deslocamento do sistema econômico da periferia em relação ao centro. (Cardoso e Faletto, 2004, p. 30)

As interpretações guiadas por este enfoque tenderam a defender que as sociedades avançadas antecipam o futuro das sociedades subdesenvolvidas, aproximando-se dos esquemas etapistas a la W. W. Rostow. Como vimos, esta abordagem foi duramente criticada por Celso Furtado por meio do conceito histórico do subdesenvolvimento, conceito este que foi preservado por Cardoso e Faletto, porém com algumas ressalvas.

O conceito de subdesenvolvimento cepalino, apesar de ser mais refinado que o de outros enfoques, não foi capaz de esgotar o entendimento do desenvolvimento das sociedades periféricas. No âmbito da Cepal, a ênfase dada foi apenas à estrutura de um tipo de sistema econômico com predomínio do setor primário, com forte concentração da renda, com pouca diferenciação do sistema produtivo e, principalmente, com predomínio do mercado externo sobre o interno. No entanto, para Cardoso e Faletto, o fundamental era entender não as estruturas econômicas em si do subdesenvolvimento (e sua condição reflexa frente ao mercado mundial), mas assinalar como as economias subdesenvolvidas vincularam-se, historicamente, ao mercado mundial e, principalmente, a forma como se constituíram os grupos sociais internos, os quais definiram as relações econômicas orientadas para o exterior.

A situação de "subdesenvolvimento nacional" supõe um modo de ser que por sua vez depende de vinculações de subordinação ao exterior e da reorientação do comportamento social, político e econômico em função de "interesses nacionais"; isso caracteriza as sociedades nacionais subdesenvolvidas não só do ponto de vista econômico, mas também da perspectiva do comportamento e da estruturação dos grupos sociais. (Idem, ibidem, p. 44)

Os autores propuseram “uma perspectiva que permita vincular concretamente os componentes econômicos e os sociais do desenvolvimento na análise da atuação dos grupos sociais...” (Idem, ibidem, 34). Não se tratou de substituir a análise econômica por uma interpretação sociológica ou justapor tais análises, mas, essencialmente, de buscar uma

análise integrada do desenvolvimento, através da qual fosse possível explicar os processos

econômicos enquanto processos sociais. “Eis por finalidade da análise integrada do processo de desenvolvimento nacional consiste em determinar as vinculações econômicas e político- sociais que se dão no âmbito da nação” (Idem, ibidem, p. 44). Nestes termos, o processo de

desenvolvimento econômico foi entendido como um processo social, fruto da interação de grupos e classes sociais no interior das nações periféricas. Nas palavras dos autores:

Dessa maneira, considera-se o desenvolvimento como resultado da interação de grupos e classes sociais que tem um modo de relação que lhes e próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposição, conciliação ou superação da vida ao sistema socioeconômico. A estrutura social e política vai- se modificando à medida que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto da sociedade. (Idem, ibidem, p. 34)

A consideração de fatores extra-econômicos (sociais e políticos) para explicar a dinâmica econômica nos remete diretamente ao campo do materialismo histórico60. Em uma carta a Joseph Bloch, Engels (1890) deu-nos uma boa definição desta concepção.

De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condições econômicas são a infra- estrutura, a base, mas vários outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber, constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lutas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no curso das lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma. Há uma interação entre todos estes vetores entre os quais há um sem número de acidentes (isto é, coisas e eventos de conexão tão remota, ou mesmo impossível, de provar que podemos tomá-los como não-existentes ou negligenciá-los em nossa análise), mas que o movimento econômico se assenta finalmente como necessário. Do contrário, a aplicação da teoria a qualquer período da história que seja selecionado seria mais fácil do que uma simples equação de primeiro grau.

Em nome de uma “visão global do desenvolvimento”, buscaram-se compreender a formação das economias nacionais nos marcos gerais da expansão do sistema capitalista, dando destaque para as relações entre as sociedades nacionais e o meio externo. Trata-se de uma análise sobre o processo de formação e desenvolvimento das sociedades que, economicamente, mantiveram-se dependentes do exterior, ainda que politicamente fossem centros autônomos, isto é, nações independentes.

Desde o momento em que se coloca como objetivo instaurar uma nação (...) o centro político da ação das forças sociais tenta ganhar certa autonomia ao sobrepor-se a situação do mercado; as vinculações econômicas, entretanto, continuam sendo definidas objetivamente em função do

60

Como certa vez disse Bresser-Pereira, “A versão da dependência associada derivou diretamente da Escola de Sociologia de São Paulo e é também marxista em suas origens, embora a maioria de seus proponentes tenha abandonado o marxismo depois de ela ter sido formulada” (2010, p. 36).

mercado externo e limitam as possibilidades de decisão e ação autônomas. (Idem, ibidem, p. 44)

Nesta abordagem, os autores procuraram entender conjunta e interativamente as noções de dependência e de desenvolvimento (capitalista). “A dependência, tal como a caracterizamos, não é mais do que a expressão política, na periferia, do modo de produção capitalista quando este é levado à expansão internacional” (Cardoso, 1970, p. 32). Ainda que o objeto de investigação científica desta abordagem fossem as sociedades nacionais dependentes, os autores não se propuseram a analisá-las a partir do mesmo prisma metodológico das abordagens cepalinas ou da “sociologia do desenvolvimento”, que procuraram sobrepor os fatores externos aos internos para explicar a dinâmica econômica da periferia.

A proposta metodológica, além de procurar evidenciar a dimensão social e política dos fatores econômicos, foi também a de mostrar que a dinâmica do desenvolvimento econômico nacional é dada, em primeira instância, pelos fatores político-sociais internos e, em última instância, pelos fatores externos ou, se preferirmos, da expansão global do capitalismo, tendo como referência seus centros hegemônicos.

Torna-se necessário, portanto, definir uma perspectiva de interpretação que destaque os vínculos estruturais entre a situação de subdesenvolvimento e os centros hegemônicos das economias centrais, mas que não atribua a estes últimos a determinação plena da dinâmica do desenvolvimento. (Cardoso e Faletto, 1970, p. 43)

Este ponto foi o mais crucial e o mais distintivo da análise de Cardoso e Faletto em relação às outras as vertentes marxistas dependência, tal como a de Andre Gunder Frank que, como vimos, enfatizava o aspecto externo como o determinante da dinâmica econômica da periferia. “...a noção de dependência é apresentada para pôr ênfase em um tipo de análise que recupera a significação política dos processos econômicos e que contra a vagueza das analises pseudo-marxistas que veem no imperialismo uma enteléquia que condiciona apenas do exterior o processo histórico dos passes dependentes, insiste na possibilidade de explicar os processos sociais, políticos e econômicos a partir das situações concretas e particulares em que eles se dão nas situações de dependência”. (Cardoso, 1970, p. 29).

Fernando Henrique Cardoso, em outra passagem, foi enfático ao expor a vantagem fundamental da sua perspectiva da dependência como uma análise integrada dos aspectos internos e externos de situações particulares. Em sua visão, fatores internos e externos constituíram-se como uma unidade de contrários, ou uma “unidade dialética”.

...não existe a distinção metafisica entre os condicionantes externos e os internos. Noutros termos: a dinâmica interna dos países dependentes é um aspecto particular da dinâmica mais geral do mundo capitalista. Porém, essa "dinâmica geral", não é um fator abstrato que produz efeitos concretos; ela existe por intermédio tanto dos modos singularizados de sua expressão na "periferia do sistema", como pela maneira como o capitalismo internacional se articula. Essa

"unidade dialética" a que leva a recusar a distinção metafisica (isto e, que supõe uma separação estática) entre fatores externos e efeitos internos, e por consequência leva a

recusar todo tipo de análise da dependência que se baseia nestas perspectivas. (Idem, ibidem, p. 30 – grifos nossos)

O termo “unidade dialética” remete-nos, novamente, ao campo do materialismo histórico-dialético. Em uma passagem, Mao Tse-Tung definiu de forma bastante clara o que vem a ser “unidade dialética”

A identidade, a unidade, a coincidência, a interpenetração, a impregnação recíproca, a interdependência (ou o condicionamento mútuo), a ligação recíproca ou a cooperação mútua, são termos que têm todos uma mesma significação e referem-se aos dois pontos seguintes: primeiro, cada um dos dois aspectos duma contradição, no processo de desenvolvimento

dum fenómeno, pressupõe a existência do outro aspecto, que constitui o seu contrário, e ambos aspectos coexistem numa mesma unidade; segundo, cada um dos dois aspectos

contrários tende, em condições determinadas, a transformar-se no contrário. (Mao, 1937, p., 115)

As semelhanças da análise de Cardoso com tais intérpretes marxistas não se tratam de uma coincidência. Nas palavras do próprio Fernando Henrique Cardoso:

Em nossas analises quisemos evitar essa espécie de dialética formal, que vê na história o desdobramento de contradições unívocas. Substitui este tipo de dialética pelo que, na linguagem da moda se diria uma concepção das contradições como "complexamente - estruturalmente - desigualmente determinadas" ou "sobredeterminadas". Por isto, insistimos

em que a contradição entre as classes nas situações de dependência inclui contradições especificas entre a Nação (o Estado), e o Imperialismo e entre os interesses locais das classes dominantes e seu caráter internacionalizante. (Cardoso, 1970, p. 33)

O método materialista-dialético, apresentado por Mao Tse-Tung, também deu sustentação teórica à ideia de que “a dinâmica social latino-americana é determinada, em primeira instância, por fatores internos, e, em última instância, por fatores externos”61

(Cardoso de Mello, 1975, p. 27). Segundo Mao:

61

Lenin e Trotsky, conforme defende Carlos Alonso Oliveira (2003), são precursores desta visão de sobrepor os fatores internos aos externos, ainda que estes últimos determinem, em última instância, os primeiros.

Contrariamente à concepção metafísica do mundo, a concepção materialista-dialética entende que, no estudo do desenvolvimento dum fenómeno, deve partir-se do seu conteúdo interno, das suas relações com os outros fenómenos, quer dizer, deve considerar-se o desenvolvimento dos fenómenos como sendo o seu movimento próprio, necessário, interno, encontrando-se aliás cada fenómeno, no seu movimento, em ligação e interação com os outros fenómenos que o rodeiam. A causa fundamental do desenvolvimento dos fenómenos não é externa, mas interna; ela reside no contraditório do interior dos próprios fenómenos. No interior de todo o fenómeno há contradições, daí o seu movimento e desenvolvimento. (Mao, 1937, p. 86 – grifos nossos)

Ou ainda,

Na sociedade, as mudanças são devidas principalmente ao desenvolvimento das contradições que existem no seu seio, isto é, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, a contradição entre as classes e a contradição entre o novo e o velho; é o desenvolvimento dessas contradições que faz avançar a sociedade e determina a substituição da velha sociedade por uma nova. Mas será que a dialética materialista exclui as causas externas? De maneira nenhuma. Ela considera que as causas externas constituem a condição das modificações, que as causas internas são a base dessas modificações e que as causas externas operam por intermédio das causas internas. O ovo que recebe uma quantidade adequada de calor transforma-se em pinto, enquanto que o calor não pode transformar uma pedra em pinto, já que as respectivas bases são diferentes. (Idem, ibidem, pp. 87-88)

Por se tratar de uma análise concreta de movimentos sociais em perspectiva histórico- estrutural, os autores deram preferência ao termo “situações de dependência”, em oposição aos enfoques totalizantes, tanto da Cepal como das demais vertentes da teoria da dependência que, apoiadas nas teses do “imperialismo”, procuravam estabelecer uma “teoria da