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Concentração tridimensional e dinâmica perversa: as causas do aprofundamento da

Parte I – Influências teóricas no âmbito do pensamento econômico latino-americano

Capitulo 1 – O estruturalismo Latino-americano

1.4. As contribuições de Aníbal Pinto ao estruturalismo latino-americano

1.4.2. Concentração tridimensional e dinâmica perversa: as causas do aprofundamento da

A grande especificidade das economias subdesenvolvidas, conforme apontado por Furtado, foi a incapacidade de irradiação dos frutos do progresso técnico, uma vez iniciado o processo de industrialização. Enquanto as teses de Furtado se concentraram no sentido de

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Esta passagem revela uma clara confusão do autor entre os conceitos desenvolvimento e crescimento. No âmbito do pensamento latino americano, a melhor definição destes conceitos foi feita por Furtado (1974).

reconstruir historicamente as forças que impediram esta homogeneização – resposta encontrada, como vimos, no crescimento do setor de subsistência ao longo de longas décadas de estagnação secular –, o esforço de Aníbal Pinto concentrou-se em melhor compreender a natureza do “processo de concentração dos frutos do progresso técnico” durante o processo de industrialização, tendo como ponto de partida da análise a estrutura produtiva (e não o perfil da demanda, como põe Celso Furtado).

De acordo com Pinto, o aprofundamento da heterogeneidade estrutural tem como causa a concentração da elevação da produtividade em três dimensões (social, setorial e regional), que são três faces do mesmo problema e devem ser analisadas conjuntamente. Trata-se de uma concentração social pelo fato de a maioria da população não ter sido integrada ao progresso. O polo capitalista não foi capaz de criar emprego suficiente para absorver a força de trabalho excedente, o que impacta negativamente a distribuição de renda. Lembra-nos o autor que entre 1940-1950 as atividades incorporavam mão-de-obra a uma taxa superior à do crescimento da população, mas já nos anos 1950 esta capacidade de absorção se retraiu ou estagnou, especialmente no Brasil, Chile e Argentina. As faces setorial e regional são ressaltadas pelo fato de que a área moderna (urbana e industrial) não foi capaz de influir no sentido da homogeneização. Os setores modernos tendem a ter baixa capacidade de irradiação frente aos demais e a ter baixo poder de se espraiar regionalmente, isto é, tendem a se comportarem como ilhas de modernidade. Em uma passagem o autor dá um exemplo clássico da interdependência entre os desníveis setoriais e regionais da produtividade, mostrando que os frutos do progresso técnico ficam concentrados setorial e regionalmente:

En el Brasil, por ejemplo, en 1960, poco más del 55% del valor agregado por las industrias de transformación se originaba em las plantas de San Pablo, aunque este Estado sólo tenía el 18% de la población. (Pinto, 1965, p. 45)

Pinto enfatizará que esta concentração tridimensional constitui a maior especificidade das economias latino-americanas em relação às centrais, ressaltando que sua gênese deva passar pela compreensão de três traços histórico-estruturais do processo de industrialização destas economias. Em primeiro lugar, está a falta de gradualismo nas mudanças estruturais. Em menos de trinta anos, as economias latinas tiveram suas estruturas produtivas alteradas de forma radical, o que nos centros levou séculos. Em segundo lugar, ressalta que as bases da nova estrutura se superpõem sobre a estrutura tradicional, de modo que os setores industriais e agrícolas não se reforçam ou se complementam – enquanto que nos centros “El edifico va construyéndose orgánicamente, con relativa lentitud y gradualismo desde sus cimentos hasta

los pisos superiores y la comunicación entre los estadios y las partes suaviza los cortes y las dislocaciones” (Pinto, 1965, p. 59). Em terceiro lugar, o autor destaca a baixa absorção de mão-de-obra devido à tecnologia incompatível (tal como defenderam Prebisch e Furtado anteriormente).

Também ressaltará que a concentração tridimensional será agravada pela alta intensidade da urbanização. O forte movimento migratório para as grandes cidades não encontrava nelas o apoio produtivo que permitia aproveitar devidamente o excesso da força de trabalho. Sem possibilidade de integração no setor moderno, esta força de trabalho excedente que se direcionava, então, para o setor de serviços (de caráter tradicional e de baixa produtividade), o que é, na opinião do autor, “uma forma social de dissimular o desemprego” (Idem, ibidem, p. 51)

O objetivo do autor é tornar claro que a parcialidade da repartição do progresso técnico, nos três níveis considerados, se repercute internamente por meio de uma elevada concentração de renda, tendência esta que é, em grande medida, alheia aos ganhos de produtividade real (isto é, a um maior rendimento material devido às inovações produtivas). A atuação do Estado, sobretudo a forma como os recursos públicos foram distribuídos neste processo, intensificou a produtividade monetária de certos grupos sociais, setores econômicos e regiões intranacionais, o que contribuiu para a persistência da concentração de renda. Este ponto é investigado por três eixos: o das finanças públicas, da política econômica e da política social.

Começando pelas finanças públicas, Pinto menciona que os recursos direcionados às

empresas estatais e o crédito subsidiado redundavam em um nível de produtividade e de

renda mais elevado somente para executivos e trabalhadores dos setores mais favorecidos. Os investimentos sociais, antes de se distribuírem em razão inversa da renda atuavam no sentido de concentrar a renda preferencialmente nas áreas desenvolvidas. Lembra-nos que os investimentos em educação no Brasil (gasto médio por habitante) eram de 586 cruzeiros no Nordeste, enquanto que em São Paulo era de 4.211 e para o Rio Grande do Sul, de 2.769 cruzeiros. (Ibid. p. 65)

A Política Econômica também contribui de modo a favorecer a concentração da renda nas áreas avançadas. Neste sentido, a política cambial foi o maior instrumento utilizado para fortalecer a posição do setor capitalista, retirando do setor exportador suas vantagens de maior produtividade a fim de transferir para atividades industriais. O sistema tributário, altamente

regressivo, também reforçava as tendências em favor da concentração da renda nas áreas mais avançadas. O setor produtor de bens de consumo duráveis, que era central na política desenvolvimentista e atendia a demanda dos grupos de mais alta renda, impunha dificuldades a qualquer política que pudesse potencialmente restringir seus mercados – cuja resposta poderia causar reação combinada dos agentes (empresários, trabalhadores e representantes políticos) envolvidos no setor. (Idem, ibidem, pp. 67-68). Por estes motivos, e também porque se tratava de um setor altamente dinâmico do ponto de vista econômico, a política econômica buscou estimular seu mercado através da expansão do crédito, o que, novamente, fortalecia a renda real das áreas mais adiantadas.

Por fim, cabe destacar a política social, que se circunscreve à política salarial e da previdência. Em primeiro lugar, os salários mínimos, ainda que em tese tenha validade universal, na prática não tiveram vigência efetiva para grande parte dos trabalhadores, sobretudo os ocupados nas faixas subdesenvolvidas de cada setor, cujo exemplo clássico é a marginalidade aos direitos trabalhistas da população rural. Em segundo lugar, em relação à política da previdência, o autor ressalta que os mais fortes tinham sistemas mais generosos, que não eram pagos com a poupança dos mais favorecidos ou com os benefícios empresariais, mas sim via elevação de preços para a massa trabalhadora, o que significa que os mais pobres financiam os mais ricos.

Desta forma, Pinto conclui que os aumentos da renda nas economias latino-americanas provêm muito mais de produtividade monetária (determinada, como vimos, por fatores sociais, políticos e institucionais) do que de variações da produtividade real da capacidade produtiva.

Parece obvio que los desniveles en materia de rentas personales que derivan de estas y otras influencias similares nada tienen que ver con las productividades relativas, que se suponen determinantes en los libros de texto importados. En lo fundamental, como se ha visto, provienen de factores sociales, políticos e institucionales independientes de las mutaciones en el modo de producción y en la organización de los factores, esto es, de las variaciones "endógenas" de la productividad real. (Idem, ibidem, p. 69)

Este traço da periferia é bastante peculiar, visto que nos centros a importância de fatores sociais para determinação da produtividade foi bastante reduzida.

...parece incuestionable que en esos países han tenido una significación muchísimo menor las influencias sociales para el aumento aparente o monetario de la productividad y, a la inversa, han sido decisivos los elementos "endógenos" o reales, esto es, las transformaciones internas en el modo y en la organización del proceso productivo. En estas circunstancias, la elevación de los ingresos de la fuerza de trabajo y los

propietarios-empresarios ha correspondido aproximadamente a los incrementos materiales de la productividad. (Idem, ibidem, p. 80)

Dadas as condições sobre as quais o setor industrial se desenvolveu na América Latina, era inevitável, na opinião do autor, alguma concentração da renda, pelo menos inicialmente. Dentre tais ressalta-se i) a necessidade de acumular recursos para inversão em atividades produtivas e de infraestrutura; ii) concentração de recursos para fazer funding aos investimentos; iii) necessidade de uma remuneração desproporcional para atrair trabalhadores e empresários, dada a escassez de recursos (capital e mão-de-obra de qualidade e especializada); e, por fim, iv) o nível de concentração de renda que se estabeleceu durante a fase primário-exportador definiu a orientação da industrialização para bens de segunda necessidade.

En cierto modo, esa cavilación se halla contestada en el cotejo que se hizo anteriormente de las experiencias de esas economías y del viraje "hacia adentro" en la América Latina. Ahora sólo queremos agregar que ella olvida varios aspectos básicos del asunto: por una parte, que ese inicio "por el techo" es el reflejo obvio de la estructura de la demanda existente o, si se quiere, del nivel y concentración del ingreso que había establecido la fase primario-exportadora. (Idem, ibidem, p. 84)

As economias capitalistas, de um modo geral, dependem do consumo de massas, isto é, da existência e ampliação do mercado para as indústrias dinâmicas, porém na América Latina “não há massas”, ou melhor, o mercado de suas indústrias dinâmicas se circunscrevia a apenas uma fração de sua população (5%), de modo tal que o mercado dependia da forma como a renda se concentra nesta fração da população. Portanto, o drama da América Latina foi que a concentração de renda passou a ser, estruturalmente, um motor de dinamismo econômico. Assim, apesar de Aníbal Pinto dar sequências às teses de Furtado sobre a persistência do subdesenvolvimento (presentes em “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”), o autor não compartilha sua visão estagnacionista, contribuindo de forma decisiva para os rumos do pensamento econômico latino-americano, especialmente o de Conceição Tavares no início dos anos 1970.

A transformação industrial começou pelo teto, e não pelas bases, o que limitava gritantemente a incorporação de população ao processo de desenvolvimento (pelas razões exaustivamente trabalhadas no interior da Cepal). Este processo foi bem diferente do ocorrido nos países centrais, onde as indústrias dinâmicas de consumo só adquiriram importância estratégica após a Segunda Guerra Mundial, isto é, em uma etapa de desenvolvimento avançada e quando a maioria da população tinha renda suficiente para satisfazer suas

necessidades primárias: “...o que na Europa ou nos Estados Unidos é consumo de massas, aqui se torna consumo de luxo” (Coutinho, 1979)

1.4.3. Os limites do enfoque da industrialização substitutiva e a noção de “estilos de