• Nenhum resultado encontrado

Parte I – Influências teóricas no âmbito do pensamento econômico latino-americano

Capitulo 1 – O estruturalismo Latino-americano

1.3 Celso Furtado e o subdesenvolvimento latino-americano

1.3.4. As teses em torno da estagnação econômica

A obra Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina, datada em 1966, é escrita por Furtado em um momento muito conturbado de sua vida e também da vida política brasileira. É escrita nos anos iniciais do exílio político, após uma difícil experiência como ministro de planejamento do governo de João Goulart e do golpe militar sofrido em 1964, que enterrara suas aspirações de ver uma sociedade mais justa no Brasil. Além da derrota política, o próprio ajuste econômico restritivo implementado durante os anos iniciais do regime militar marca uma fase muito pessimista de seu pensamento. O livro Subdesenvolvimento e

estagnação tem por objetivo identificar as forças que pressionavam negativamente a taxa de

crescimento econômico da periferia, especialmente nos países que alcançaram uma diversificação maior de suas estruturais econômicas (que foram os que sofreram uma “redução particularmente notória” do produto). Neste sentido, apesar do tom mais pessimista e do contexto político que a circunscreve, esta obra em muitos aspectos teóricos, como veremos adiante, e pode ser considerada uma continuação da obra Desenvolvimento e

Subdesenvolvimento, dada a preocupação de se entender os efeitos dinâmicos do processo de

industrialização em curso – tendo como referência tanto a inserção externa como as peculiaridades das estruturas socioeconômicas dos países latino-americanos.

A crise de 1929 e a depressão que a seguiu encerraram uma etapa na periferia, marcada pela tradicional integração num sistema de divisão internacional do trabalho. Como

vimos, a industrialização foi uma alternativa posta pela situação. Em alguns casos, o impulso por ela dado à economia nacional permitiu que esta alcançasse taxas de crescimento bastante expressivas. O problema que põe Furtado é o de identificar a natureza e o alcance deste processo de industrialização, tendo como referência a pergunta básica: constitui ele caminho

seguro para alcançar e manter uma elevada taxa de crescimento da região?

Para responder esta pergunta, Furtado faz o uso do método histórico-estrutural presente abundantemente em seu Formação Economica do Brasil, isto é, busca compreender a formação do sistema socioeconômico durante o período colonial, o qual “apresentava certas características que devem ser tidas em conta se pretendemos explicar as fases subsequentes de crescimento” (Furtado, 1966, p. 55)

A organização social que se formou na América Latina beneficiou-se de uma oferta ilimitada de terras, que eram automaticamente transformadas em propriedade privada de uma pequena minoria43, o que, por sua vez, engendrava um sistema de distribuição de renda pelo qual uma fração substancial dessa renda concentrou-se, historicamente, nas mãos de uma minoria que dificilmente alcançara 5% da população44. Neste sentido, torna-se importante para a exposição do autor levar em consideração as características que prevaleciam na região para compreender porque a economia de exportação teve que se organizar à margem da estrutura economia tradicional.

O autor trabalha com um modelo teórico para compreender o processo de formação de capital que deu origem e sustentação ao crescimento econômico em dois momentos distintos do desenvolvimento latino-americano, a fase de “crescimento para fora” (isto é, a economia agroexportadora) e a fase em que o “crescimento para dentro” (isto é, o modelo de substituição de importações). Vale notar que o autor subdivide esta última fase em mais outras duas: a etapa de substituições fáceis e uma segunda etapa de substituições difíceis.

Uma contribuição de Furtado neste ensaio está na análise da expansão do capital, expansão esta que se dá por meio de dois “tipos” de investimentos: os que necessitam dos

recursos gerados no período anterior (isto é, que dependem de “poupança prévia”, ou lucros

retidos) e os que não dependem da poupança prévia e que, portanto, não requeriam desvio de investimentos de outros setores. Sobre esta última definição, o autor se refere ao “trabalho incorporado”, isto é, aquele que permite a expansão das culturas com o “trabalho pago com

43

Furtado, 1966, p. 57 44

parte da produção agrícola obtida da mesma durante o período de gestação da cultura permanente”45

O autor admite a seguinte definição: Ḵ = 𝐾 + 𝑘, onde Ḵ é o estoque de capital, K é a parcela de Ḵ que requer poupança prévia (se refere, geralmente, à abertura de estradas de acesso, à compra de equipamentos utilizados pelos agricultores e aos adiantamentos requeridos pela mão-de-obra não escrava) enquanto k é a parcela da formação de Ḵ que se refere ao trabalho incorporado por meio de formação de novas plantações (o que corresponde ao valor da renda da terra durante o período de gestação da colheita). Furtado admite que 90% do capital investido diretamente na cultura de exportação constitui trabalho acumulado e que, portanto, apenas uma pequena parte do investimento requer poupança prévia. Estas desagregações são extremamente úteis no argumento do autor.

Para facilitar a exposição, o autor divide a atividade agrícola em três setores: P1, para

se referir à agricultura pré-capitalista, isto é, de subsistência, P2, para se referir à agricultura

de exportação, e P3, para se referir ao setor formado pelas atividades responsáveis pela

expansão da capacidade de P2, isto é, o setor responsável por 𝑘.

Antes de avançarmos é importante fazermos uma ressalva. Como a orientação de Furtado na discussão sobre estagnação econômica está apoiada em sua preocupação sobre a “sustentação do crescimento”, vale a pena explicitarmos que o autor se apóia largamente nos modelos de crescimento econômico dos anos 1940 e 1950, especialmente nos de Harrod- Domar, que, apesar de apresentaram limites, trouxeram algumas contribuições importantes ao pensamento keynesiano.

De acordo com Furtado, enquanto Keynes limitou-se a observar as inversões como um fator gerador de renda, os autores ligados à escola de Cambridge as analisaram “simultaneamente como um fator gerador de renda e criador de capacidade produtiva”46

. Trata-se de um esforço de aperfeiçoamento do pensamento keynesiano de acordo com o qual as “condições de equilíbrio” teriam que ser necessariamente dinâmicas, isto é, com

45

Furtado, 1966, p. 59. Por cultura permanente, evidentemente, o autor se refere ao café. Logo Furtado está abordando a economia cafeeira de um modo distinto daquele observado no Formação Economica do Brasil (que fora via fluxo de renda). É notória neste ponto a aplicação dos conceitos utilizados pelos economistas ligados à escola de Cambridge, com destaque para Harrod-Domar.

46

crescimento do nível da renda e da capacidade produtiva, e não mais apenas entre elevação de um nível de emprego e expansão de inversões líquidas.

O modelo Harrod-Domar pensa o crescimento em termos da relação produto-capital, isto é, em termos de um parâmetro que liga o estoque de capital e a renda global. Em outras palavras, esta relação não expressa mais do que o rendimento agregado do capital (c).

Partindo de um modelo de economia fechada de tipo keynesiano, define-se a renda como soma do consumo e do investimento:

𝑌 = 𝐶 + 𝐼 (1),

sendo que I=S (2) e que o consumo é uma função linear da renda, temos: C = bY (3), onde b é a propensão marginal a consumir, e S = (1-b)Y (4), onde (1-b) é a propensão marginal a poupar. Assim podemos reescrever (1) da seguinte forma

𝑌 = 𝑐𝐾 (5)

Onde a relação produto-capital (c) nada mais é que uma relação técnica entre o estoque de capital, enquanto indicador da capacidade de produção, e a renda global. O investimento também pode ser expresso em termos de acréscimo da capacidade produtiva, isto é 𝐼′ = 𝛥𝐾 (6), que dará origem a uma variação da renda, ou 𝛥𝑌′ = 𝛥𝑐𝐾 (7).

À luz de (2) e (4), a equação (7) pode ser expressa da seguinte maneira: 𝛥𝑌 = 𝑐(1 − 𝑏)𝑌′(8) e, finalmente, 𝛥𝑌′

𝑌′ = 𝑐(1 − 𝑏) (9)

A equação (9) nos mostra que o produto real estará crescendo a uma taxa idêntica à expansão da capacidade produtiva, ou, se preferirmos, da relação produto-capital (c) – desde que toda a poupança seja absorvida, isto é, numa situação de pleno emprego. Portanto, apesar de todos os limites e críticas sofridas, inclusive por Furtado – mas também por outros autores ligados à escola de Cambridge –, o modelo de Harrod permite-nos compreender a importância da relação produto-capital para o crescimento da economia. É isso que devemos reter para melhor compreender o debate em torno das teses da estagnação na América Latina47.

Ao tratar a agricultura multissetorialmente (isto é, P1, P2 e P3), Furtado dá um passo

em direção à melhor caracterização dinâmica do crescimento. A relação produto-capital do

47

A exposição completa dos modelos de Harrod, Domar e Kaldor, bem como suas críticas, pode ser encontrada em Furtado (1967, pp. 69-91). Ainda que Conceição Tavares trave um debate velado com esse keynesianismo dos anos 40 e 50, uma atenção maior a este debate extrapolaria muito os limites propostos deste trabalho.

setor agrícola tomado como um todo é baixa comparativamente à indústria. No entanto, considerando apenas k (ou P3) este coeficiente é extremamente elevado48.

O autor inicia seu modelo de crescimento da economia agroexportadora “tomando como base uma economia agrícola de exportação do tipo da brasileira em sua fase áurea de expansão...” (Furtado, 1966, p. 64). O que, em termos práticos, quer dizer que o modelo considera a existência de grande ociosidade (de terra e de população), que, sem estímulos, tendem a ficar à margem da economia agroexportadora capitalista.

Economias como a brasileira, isto é, com excedente de mão-de-obra, tem a possibilidade de crescer transferindo população de setores de baixa eficiência e salário (P1)

para outros que elevariam sua produtividade e, portanto, seus salários (P2 e P3). “Cabe admitir

que a produtividade de mão-de-obra é substancialmente maior em P2, e P3 do que em P1, bem

como a remuneração do trabalhador” (Idem, ibidem, p. 66)

Apesar do grande diferencial de produtividade em P1, P2, e P3, é notório que para

Furtado os salários não acompanham linearmente a elevação de produtividade, pois os salários ainda são determinados pelo grande excedente de mão-de-obra subutilizado no setor de subsistência, P1, sendo este um dos principais “limites à elevação dos salários”49. Ao

mesmo tempo que ocorre uma migração da população ocupada para setores mais produtivos, aumenta a produtividade média da economia, mas a massa de salários tende a crescer abaixo da massa de lucros, o que implica numa maior concentração da renda.

Desta forma, se considerarmos o conjunto da agricultura, na fase de expansão das exportações, comprovamos que a elevação de produtividade do trabalho e a elevação da remuneração média do trabalhador ocorrem paralelamente com uma redução da participação do trabalho na renda global gerada na agricultura, ou seja, com uma maior concentração da renda nas mãos da classe proprietária-capitalista. (Furtado, 1966, p. 66)

Ao ocorrer uma expansão da demanda internacional pela cultura produzida, ocorrerá uma pressão no sentido de expansão da capacidade produtiva de P2, o que, segundo o modelo

do autor, pressupõe um aumento prévio da atividade em P3, setor este que sempre vem a

reboque de P2, ou, nas palavras do autor, sempre está “submetido a um mecanismo de

48

Para Maurício Coutinho (2012, p. 8) esta é a maior novidade teórica trazida por Furtado no livro “Subdesenvolvimento e Estagnação...”.

49

Neste sentido o autor se mantém fiel aos ensaios anteriores, isto é, Formação Econômica do Brasil e Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, onde é possível identificar uma clara influência das teses de Lewis (1969) em torno da tese de desenvolvimento com oferta ilimitada de mão-de-obra.

aceleração toda vez que se expande a demanda dos bens produzidos com os referidos equipamentos” (Ibid., p. 66)

Considerando apenas a agricultura capitalista, isto é, P2 e P3 conjuntamente, infere-se

que quanto mais elevada for a taxa de crescimento desta agricultura, maior será a relação produto-capital agregada do setor. Lembrando da igualdade ex-post entre poupança e investimento, e que P3 representa os investimentos nesta agricultura, deduz-se que um

aumento da participação de P3 na produção total implica uma elevação da taxa de poupança. O

mérito de Furtado foi o de mostrar que os lucros de P2, longe de inteiramente “consumidos ou

exportados”, são necessariamente incorporados ao aumento da capacidade produtiva (P3) – de

modo que seu maior crescimento relativo significa um aumento da taxa de poupança da economia.

Ainda que o crescimento desta agricultura incorra numa maior concentração de renda, “a virtude do modelo agroexportador é que parte destes lucros fica necessariamente represada para acumulação. A compatibilização entre oferta e demanda gera um círculo virtuoso: a manutenção da taxa de crescimento requer uma poupança em níveis elevados, algo que está automaticamente assegurado pela própria composição da demanda” (Coutinho, 2012, pp. 7- 8). Ou ainda,

“Se o crescimento relativo de P3 traz consigo uma elevação da taxa de poupança, conclui-se que esta é função da orientação na aplicação dos recursos. Destarte, não apenas o nível da demanda constitui fator básico na determinação da taxa de poupança e do ritmo de crescimento. Se o comportamento da demanda induz transferir gente de P1 para P3, ocorre não somente uma elevação da produtividade do fator trabalho, mas também uma elevação da taxa de poupança o que permite uma aceleração do crescimento com mínima pressão inflacionária” (Furtado, 1966, p. 68)

Conforme são crescentes as exportações, é evidente que os empresários-agricultores tem o grande incentivo de reconverterem a maior parte de seus lucros em expansão da capacidade produtiva, tendo em vista as expectativas de lucro altamente positivas. Portanto, enquanto as exportações crescem, o crescimento da economia não incorre em desequilíbrios externos, tampouco inflacionários – ao passo que a produtividade média da economia se eleva, pelo fato de certo volume de mão-de-obra estar se transferindo de P1 para P2.

Se as exportações se contraem por tempo prolongado, a partir de um determinado instante é inevitável que o setor P3 se encolha, afinal os agricultores já não estão mais

interessados em expandir a capacidade produtiva de P2, o que dá início a uma contração da

desemprego em P3 e uma baixa incorporação de novos contingentes em P2, isto é, um retorno

de mão-de-obra para P1, o que marca o início do declínio da produtividade média do fator

trabalho na economia50, queda dos lucros, da relação produto-capital e, portanto, da taxa de crescimento.

Observando o sistema econômico em seu conjunto, vemos que, a partir do momento em que se contrai a demanda externa, o setor P3, responsável pelo aumento da capacidade produtiva na agricultura, entra em rápido colapso, o que acarreta declínio na relação produto-capital e queda da taxa de lucro na agricultura capitalista (P2 + P3), mesmo que se evite redução do nível de atividade em P2, mediante compra de excedentes pelo governo. (Idem, ibidem, p. 75)

É neste contexto que surgem forças que põem em marcha uma industrialização espontânea, que passa a ser a locomotiva da economia em termos de geração de renda. O setor industrial passa a oferecer uma relação produto-capital maior, o que atrai recursos financeiros de outros setores (inclusive o agrícola) por apresentar uma taxa de lucro superior. A origem destes lucros, lembra Furtado, está na intensa alteração dos preços relativos dos artigos manufaturados, por conta da desvalorização cambial imposta pelo colapso de P2, tornando

altamente rentável a produção interna destes bens. O autor chama esse novo setor produtor de manufaturas mais simples de P4. O processo de formação de capital neste setor reserva

algumas diferenças em relação à agricultura – e é isso que exploraremos na sequência.

Considerando no agregado os investimentos da agricultura (isto é, K + k), não é difícil defender que a relação produto-capital é bem inferior à da indústria (um pouco menos da metade, segundo hipóteses do modelo furtadiano). Entretanto, o autor chama a atenção para o fato de que enquanto na agricultura a formação de capital é pouco dependente da poupança, isto se inverte na indústria – agora eles são integralmente dependentes de poupança prévia. “Cumpre ter em conta, entretanto, que do investimento no setor agrícola apenas uma parcela não superior a 20 por centro, deve ser coberta direta ou indiretamente por poupança gerada no período anterior, ao passo que no setor industrial a totalidade do investimento consiste em K” (Idem, ibidem, p. 76).

50

Em algumas economias a dimensão de P1 é bastante reduzida (como na Argentina e Uruguai). Porém, limitar-nos- emos no modelo cujas características se aproxima às do Brasil, que é o grande destaque de Furtado e sobre o qual se direcionaram as críticas de Maria da Conceição Tavares. Apesar destas nuances, como o próprio Furtado disse “...constitui fato de significação iniludível que, não obstante essa elevada integração num sistema de divisão internacional do trabalho (...) o setor pré-capitalista conservava uma importância relativa muito grande em quase todos os países da área” (p. 71).

Logo, comparando apenas a parcela da formação de capital dependente de poupança na agricultura (isto é, K3) com os investimentos globais da indústria (Ḵ4), o autor chama

atenção para o fato de a relação produto-capital na agricultura de exportação ser bem superior à da indústria. Isto significa que, dada uma certa taxa de poupança, a taxa de crescimento que se obtém na indústria é bem menor que a obtida na agricultura de exportação. Aqui aparece com todo o vigor a importância da análise multissetorial de Furtado, com diferenciais da relação produto-capital: conforme a economia sai de um modelo agroexportador para um substitutivo de importações, a necessidade de poupança torna-se cada vez maior para se obter a mesma taxa de crescimento. Em outras palavras, é como se a acumulação tivesse rendimentos decrescentes, e tanto mais quanto mais se afastasse da agricultura em direção à indústria. Como se a variação da relação produto capital não dependesse do ciclo econômico, mas fosse estrutural.

No entanto, vale ressaltar que, se por um lado, aumenta-se a exigência de poupança conforme o crescimento da economia passa a depender mais da indústria do que da agricultura de exportação (isto é, conforme ocorre uma redução da relação produto-capital) – o que já implica numa taxa de crescimento global da economia –, por outro lado, é bem verdade que o setor industrial, sobretudo na primeira fase de substituição de importações, tende a operar com uma taxa de lucro muito superior à da agricultura de exportação, o que repercute favoravelmente na taxa de poupança. Assim, “Em fase da elevação substancial da taxa de lucros..., é perfeitamente possível que ocorra o referido aumento da taxa de poupança” (Ibid. p. 77). Porém, como bem ressalta Mauricio Coutinho (2012), diferentemente da agricultura, nada garante que os lucros na indústria sejam reconvertidos ao processo de acumulação de capital na indústria.

Além da questão da poupança requerida, o contraste nos processos de formação de capital entre agricultura e indústria permite-nos compreender as pressões que o crescimento em ambos os modelos exerceu sobre o Balanço de Pagamentos.

Como é intuitivo diante do exposto, o coeficiente de importações por unidade de capital adicional é consideravelmente maior no setor industrial do que na agricultura de exportação. Tal como a questão da poupança, esta “dinâmica” representa um limite maior às taxas de crescimento da economia – afinal, conforme se elevam os lucros, tende a se impulsionar a demanda de bens com elevada elasticidade-renda (como bens de consumo

duráveis e de máquinas e equipamentos, que eram integralmente importados nas fases iniciais do processo de industrialização). No entanto, naquela mesma fase da industrialização este impulso era mais facilmente contornado pelo próprio encarecimento do preço de tais produtos (especialmente os bens de consumo duráveis), por força da desvalorização cambial.

...cabe admitir que, na primeira fase do processo de industrialização substitutiva, essa tendência seja anulada pelo efeito-preço, em razão da forte elevação dos preços relativos de tais produtos. Se classificarmos as importações em três grupos – equipamentos e produtos intermediários, bens duráveis de consumo e bens não duráveis de consumo – é de supor que o efeito sobre a demanda da elevação dos preços relativos (decorrentes das desvalorizações) seja mínimo com respeito ao primeiro grupo e, máximo, ao terceiro. (Idem, ibidem, p. 77).

No entanto, o próprio encarecimento dos equipamentos tende a corroer a rentabilidade dos investimentos, a tal ponto que chegam a estimular sua própria substituição de importações, o que representa a etapa mais difícil do processo de industrialização. Surge, assim, um novo setor produtivo (P5), caracterizado por elevadíssima relação produto-capital.

Furtado admite que os investimentos requeridos para empregar uma pessoa neste setor são em média quatro vezes superiores aos requeridos para empregar uma pessoa em P4.

Aqui o autor defende explicitamente duas hipóteses centrais em seu modelo: 1) que a taxa de lucro tende a ser igual tanto em P4 como em P5; e 2) que a taxa de salário também é a

mesma em ambas as indústrias. Admitindo tais hipóteses, o autor consegue provar, teoricamente, que P5 opera necessariamente com uma menor relação produto-capital ou que, com o mesmo efeito, “a relação produto-capital tenda a ser tanto mais baixa quanto mais elevado for o coeficiente de capital por trabalhador” (Idem, ibidem, p. 79).

Se lembramos da definição dada por Tavares e Serra (1971, p. 165) sobre a relação produto-capital (𝛼), sendo esta “o quociente da produtividade de trabalho e da intensidade do capital por unidade de trabalho” (isto é, 𝛼 = 𝑃⁄𝛿

𝐾 𝛿

⁄ )51 torna-se mais fácil perceber que P5

implica numa elevação do denominador muito maior que a do numerador, provocando desta forma uma queda na relação produto-capital da economia.