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Adaptação de clássicos literários: leituras no universo escolar

Alberto Manguel (2001)

4.3 Clássicos literários adaptados: prática de leitura no Brasil desde fins do século

4.3.1 Adaptação de clássicos literários: leituras no universo escolar

Seja pelo viés da ação jesuítica, cuja finalidade na Colônia era a catequese e, para tanto, adaptavam-se as leituras aos propósitos doutrinários da Igreja – seja pelo viés da laicização do ensino, já no século XIX, por meio dos preceptores, mestres franceses, ingleses, alemães e norte-americanos, as obras estrangeiras se integram à história da educação escolar no Brasil, haja vista sua prática e circulação pedagógica ter- se utilizado da influência de outras culturas e de textos literários, especialmente europeus, para incluir

no cardápio de leitura de nossas crianças e jovens. Nessa trajetória, reconhece-se a contribuição cultural estrangeira para o crescimento do setor educacional brasileiro na diversificada literatura escolar do século XIX, quando ainda não era possível separar, a rigor, livros de puro entretenimento e de outros considerados como leitura útil para aquisição de conhecimentos na escola106. Pouco tempo depois, no entanto, quer em função do

objetivo didático em prol do aprendizado da história, das ciências naturais, da gramática e da retórica, quer fixada em preocupações estéticas, os chamados livros de “leitura escolar”, oriundos da Europa, não mais continuaram entusiasmando nossos leitores, conforme comprova o depoimento do estudioso da literatura brasileira José Veríssimo:

Os meus estudos feitos em 1867 e 1876 foram sempre em livros estrangeiros. Eram portugueses e absolutamente alheios ao Brasil os primeiros livros que li. O Manual Enciclopédico, de Monteverde, a Vida de

D. João Castro, de Jacinto Freire (!), Os Lusíadas, de Camões, e mais

tarde, no Colégio Pedro II, o primeiro estabelecimento de instrução secundária no país, as seletas portuguesas de Aulete, os Ornamentos da

Memória, de Roquete – foram os livros que recebi a primeira instrução. E

assim foi sem dúvida para toda a minha geração (VERÍSSIMO, 1985, p. 54- 55).

José Veríssimo e muitos outros estudiosos e educadores de sua geração iniciaram a luta a favor da necessidade da reforma do livro de leitura, que “cumpre que ele seja brasileiro, não só feito por brasileiro, que não é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo espírito, pelos autores trasladados107, pelos poetas reproduzidos e pelo

sentimento nacional que o anime.” Com o sentimento nacionalista típico do momento político nas primeiras décadas republicanas, “a literatura escolar somou grande número de obras, não só de autores estrangeiros, devidamente traduzidos e adaptados muitas vezes, a certas condições peculiares ao meio social, geográfico e histórico do país, como sobretudo de autores nacionais” (ARROYO, 1990, p. 98). Na inventariação do acervo coletado por Arroyo das edições escolares camoniana, observa-se uma, em especial, com um estudo sobre Camões e Os Lusíadas, de José Veríssimo, publicada pelo livreiro-editor H. Garnier, no ano de 1904108, mostrando que o historiador, em sua campanha a favor da educação

nacional, tentava promover a reforma do livro pelo caminho, também, da trasladação, de forma a diminuir as distâncias linguísticas entre leitores e os textos disponíveis naquele momento.

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Durante século XIX, segundo anuncia Arroyo (1990), “nem sempre será possível estabelecer-se uma separação nítida entre os livros de entretenimento puro e o de leitura para aquisição de conhecimentos e estudos nas escolas.” Os Lusíadas, por exemplo, já foi adotado como livro de texto para o estudo da língua.

107 Cabe esclarecer que o termo “trasladado”, concebido dentro da proposta de reivindicação de livros brasileiros

para crianças brasileiras apresentada pelo crítico, assume essa acepção nas obras estrangeiras vertidas para a nossa língua, às quais caberia o procedimento da adaptação.

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Trata-se de Os Lusíadas – Poema Épico de Luis de Camões. Edição para as Escolas, com uma Notícia sobre a Vida e Obras do autor pelo Cônego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro. Com um estudo sobre Camões e Os

Embora Arroyo nomeie especificamente “Tradução e ficção”, em capítulo de seu famoso ensaio que se refere às reflexões sobre A Literatura Escolar, a adaptação aparece entremeada nos textos destinados à escola, claramente exemplificado quando relaciona o acervo das edições escolares de Os Lusíadas, de Camões, encontrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Nesse inventário, cujas edições variam entre 1856 a 1930, aparecem outros títulos que indicam a adaptação do referido texto com as seguintes nomenclaturas: “para uso das escolas brasileiras, na qual se acham surpresas todas as estâncias que não devem ser lidas pelos meninos”; “anotada para a leitura da infância e do povo”; “edição para escolas, revista, prefaciada e anotada”; “anotada para leitura popular”109;

“anotada para uso das escolas”; e, por último, os versos de Camões, “contados às crianças e lembradas ao povo. Adaptação em prosa”. As especificações da obra lusitana, demonstrando as mudanças pelas quais passaram o texto, constituem-se em fortes indicadores de que a tradução não era o único aparato didático para fazer conhecer o maior poema épico da língua portuguesa nas escolas brasileiras. Tal fato nos leva a concluir que a informação de Arroyo, e de muitos outros pesquisadores da área, sobre o intenso volume de traduções de clássicos literários para leitores na idade escolar desde o século XIX, e, de forma mais intensa, a partir da segunda metade do século XX, se aplica igualmente ao volume de adaptações. No procedimento de reelaboração textual, há uma linha de limite muito sutil entre o que se denomina tradução e o que se denomina adaptação, a começar pelas definições das nomenclaturas, que foram discutidas, de forma mais específica, no capítulo que trata de Modos de dizer a adaptação.

O mercado editorial brasileiro atualmente lança, juntamente com as traduções, um vasto volume de adaptação de clássicos literários destinados a leitores das fases iniciais escolares. Isto não significa, contudo, que a adaptação seja uma forma textual recente. Como já foi mostrado sob uma perspectiva histórica da leitura, há traços de texto adaptado desde o século I d.C, na Roma Antiga, mas talvez o que vem ocorrendo modernamente seja sua intensa disponibilização no mercado. Sendo os clássicos adaptados os que nos interessa particularmente – e como essas obras trazem fortes marcas de leitura escolar –, cabe justificar sua aproximação com a instituição educacional. No Brasil, as adaptações nascem sob a guarida da escola, que se manifesta desde as primeiras atividades de leitura desenvolvidas pelos “padres-professores”, no início da colonização, e, nos séculos seguintes, quando se utilizavam dos clássicos para cultuar os bons modos de escrita e da eloqüência; ou ainda, quando autores-professores do Colégio Pedro II, por exemplo, produziam obras adaptadas para seus alunos. Segundo Arroyo (1990, p. 121),

109 Arroyo adverte sobre a dificuldade de distinguir a edição escolar da popular, uma vez que ambas trazem o

os professores do fim do século XIX e começos do século XX perceberam, as mais vezes, que a leitura dos clássicos de várias línguas era consideravelmente pesada para as crianças. Se não foi essa a razão, pode- se apontar o próprio desenvolvimento pedagógico como causa do aparecimento dos livros de leituras para as escolas, substituindo propriamente uma literatura infantil de que raras sensibilidades no Brasil então cogitavam. Esta nova orientação pedagógica seria logo bem entendida por professores e professoras nacionais.

Dessa época até então, verifica-se a vinculação entre a adaptação e essa instituição educacional, por meio da enorme quantidade desse tipo de produção didático-literária dirigida em particular ao público discente, conforme apontam os catálogos de editoras aqui estudados.

Depois que a casa editora oficial do Reino deixa de ser a única responsável pela produção do conhecimento dos clássicos europeus ou da permissão pela entrada desses livros no Brasil, os livreiro-editores passam a ter domínio do largo patrimônio literário das importações de obras estrangeiras. Embora o comércio livreiro, em fins de século XIX e início do XX, estivesse profundamente envolvido com toda a retórica nacionalista de uma produção cultural local, não abriu mão de traduzir e adaptar a literatura de outros países. Concomitantemente com obras escritas em língua oficial de outros países, sobretudo francesa e inglesa, as narrativas estrangeiras traduzidas e adaptadas corriam à solta no país, produzidas pelos livreiros do Rio de Janeiro e de outras províncias na tentativa de tentarem satisfazer aos tipos diversos de leitores que começavam a se expandir naquele período. Colaborando na transmissão da cultura literária da época, contava-se ainda com o auxílio dos jornais como um importante veículo divulgador das traduções e adaptações de clássicos estrangeiros, mostrando a vinculação do jornalismo à literatura. Na produção desses bens bem como no investimento na escolarização do livro para séries iniciais, se sobressaem livreiros e casas editoriais de destaque no mercado nos séculos XIX e XX, como Garnier, Laemmert e Quaresma, formadores da trindade dos fornecedores de livros no Rio de Janeiro, a Melhoramentos, A Companhia Editora Nacional110, a livraria Editora

Brasiliense, entre outras. Merecem destaques nesse mercado dois projetos editoriais: o primeiro é o da Livraria Quaresma, que, inaugurando a Biblioteca Infantil Quaresma, editou os clássicos de Perrault, Andersen e Grimm nos Contos da Carochinha, que tinha como subtítulo Livro para crianças contendo escolhida coleção de contos populares morais e

proveitosos, de vários países, traduzidos e recolhidos diretamente da tradição oral por Figueiredo Pimentel, Histórias da Avozinha e Histórias da Baratinha, assinadas, em fins do

século XIX, pelo cronista do jornal Gazeta de Notícias, Figueiredo Pimentel. Embora apareça

110 O logotipo “Monteiro Lobato” tornou-se marca distintiva na venda de livros. A Editora Monteiro Lobato e

Companhia, que sucedeu a Revista do Brasil em 1919, e sua sucessora a Companhia Editora Nacional ocuparam o primeiro lugar entre as firmas brasileiras dedicadas exclusivamente à edição de livros, desde 1921 até princípios da década de 70, sem interrupção (HALLEWELL, 1985, p. 254).

no subtítulo a expressão “traduzidos”, no prefácio consta a justificativa de que os contos passaram por processos de adaptação.

A presente edição é a décima-nona. A primeira, trazendo a data de 14 de abril de 1894, esgotou-se totalmente, em menos de um mês. Era uma pequena brochura de 200 páginas, contendo quarenta histórias. Todas as outras que se têm seguido hão sido muitíssimo aumentadas, revistas, melhoradas e reformadas: gravuras e vinhetas foram intercaladas no texto, para mais entretenimento e diversão dos meninos (PIMENTEL, 1945, p. 03, grifos nossos).

Idênticas informações de que os contos passaram por processo de reescrituras ao longo das edições continuam constando nas demais edições, conforme pode ser comprovada no prefácio da 25ª edição (PIMENTEL, 1958). Antes das edições posteriores à primeira, é sabido que a intenção de Pedro Quaresma, quando fez o convite para Pimentel reescrever tais contos, segundo referências de estudiosos aqui mencionados, era oferecer aos leitores o abrasileiramento desses textos, recurso, pois, que passa pela adaptação. Ademais, sabe-se das dificuldades em algumas obras em estabelecer procedimentos numa e noutra categoria.

Em relação aos Contos da Carochinha, conforme assinala Lourenço Filho – no artigo “Como aperfeiçoar a literatura infantil”, produzido para ser proferido como palestra, a convite dos membros da Academia Brasileira de Letras, em 1943111 –, na época da primeira

impressão, Artur Azevedo confessa que, “embora o livro se destine às crianças, agrada também aos adultos” (LAJOLO e ZILBERMAN, 1988, p. 322).

O segundo projeto trata do produzido pela Editora Melhoramentos, que dispôs no mercado um vasto volumes de traduções e adaptações. Do resultado mais contundente dessas reescrituras de clássicos literários temos, como exemplo, a partir de 1915, a constituição da Biblioteca Infantil Melhoramentos, coordenada, primeiro, por Arnaldo de Oliveira Barreto, depois, pelo Prof. Lourenço Filho, ambos ligados ao metiê escolar. A coleção é formada por 100 obras – conforme apresentam os títulos na contracapa do volume 96 (figura 6) –, entre as quais destacamos contos de fadas, fábulas, Viagens Maravilhosas

de Gulliver (vol. 42), D. Quixote de La Mancha (vol. 44), Aventuras de Robinson Crusoe (vol.

45), obras que se verificam ainda hoje no mercado livreiro escolar como bastante recorrentes no que se refere ao trabalho de adaptações. É interessante assinalar que, algumas dessas obras, vêm nomeadas com os termos “tradução e adaptação de...”, acrescida da marca linguística “Orientação do Prof. Lourenço Filho”, uma figura respeitadíssima no cenário educacional brasileiro da época, atestando, talvez, o zelo com

111

O artigo foi publicado na Revista Brasileira (Rio de Janeiro), ainda no ano de 1943, e no Boletim Informativo (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/RJ), números 30 e 31, de 1975.

que essas obras eram adaptadas112. Discursando sobre o êxito da Biblioteca Infantil muito

antes de ter sido organizador da coleção, Lourenço Filho, no artigo “Como aperfeiçoar a literatura infantil”, afirma que

essa coleção de pequeninos livros de 40 a 60 páginas, cuidadosamente ilustrados, contendo traduções ou visível adaptação de textos traduzidos em Portugal, logra grande êxito e se constitui de mais de cinqüenta volumes. A ela se deve, nessa fase, sem dúvida alguma, a expansão da literatura infantil no país, pois demonstrou, com os seus dois milhões de exemplares já editados, a pais e mestres, que um tipo especial de leitura deveria ser considerado para crianças (LAJOLO e ZILBERMAN, 1988, p. 323).

Na ocasião do discurso de Lourenço Filho, a coleção ainda contava com apenas a metade do que formaria anos posteriores com a sua colaboração. A fala mostra que os textos adaptados para leitores iniciantes já constituíam grande público nos anos 40 do século passado. Sobre publicações relativas à tradução e adaptação dirigidas especificamente para esses leitores anteriores aos projetos da Livraria Quaresma e da Editora Melhoramentos, constatam Lajolo e Zilberman (1985, p. 31):

Sem querer cancelar a primogenitura de Figueiredo Pimentel em nossas letras infantis, cumpre não esquecer que, antes dele, outros autores se voltaram à tradução e à adaptação de histórias para crianças. Tratava-se, no entanto, de publicações esporádicas e de circulação precária na medida em que, antes da fase republicana, o Brasil não parecia comportar uma linha regular de publicações para jovens, sustentada por uma prática editorial moderna, como ocorreu com as séries confiadas a Figueiredo Pimentel e Arnaldo de Oliveira Barreto.

Nesse aspecto, Leonardo Arroyo, embora confesse as dificuldades de encontrar os nomes de quem verteu as obras para o português, acaba registrando algumas das obras para a infância, colhidas em pesquisas através de catálogos, anteriores a Figueiredo Pimentel.

Raimundo Câmara Bittencourt traduzia a série de contos subordinados ao título de O Alforge do Contador, considerada uma biblioteca moral para a infância, rica de estampas coloridas. José da Fonseca traduziu as Aventuras de Telêmaco, onde o filho de Ulisses contava com a companhia de Aristono e seu pai. José Severiano Nunes de Resende traduziu vários contos do Cônego Schimid113, bem como Bráulio Jaime Muniz Cordeiro; o primeiro, O Canário, e o segundo, A Cestinha de Flores, ambos com identificação, aparecidos por volta de 1900 ornados com “finíssimas gravuras”. Eram livros de muita aceitação, conforme se comprova em tiragens sucessivas (ARROYO, 1990, p. 105).

112

Sobre o trabalho desenvolvido por Lourenço Filho no cenário cultural brasileiro, Cf. (LOURENÇO FILHO; MONARCHA, 2001).

113

As histórias morais do Cônego, traduzidas para quase todas as línguas, fazem parte da lista de livros que aqui começaram a circular no século XIX para leitores de 5 a 14 anos. Conforme esclarece Cecília Meireles (1984, p. 99-100), “nossos avós recebiam seu livrinho de presente, no fim do ano, por ocasião do encerramento das aulas. E com ele reafirmavam suas convicções de não mentir, não desobedecer, amar ao próximo, banir de seus corações todos os vícios.”

Conforme já esclarecido, Arroyo, não raro, nomeia como tradução obras vertidas para nossa língua, inclusive aquelas nas quais aparecem indicadores de adaptação, como exemplo os contos O Alforge do Contador, de Raimundo Câmara Bittencourt, obra indicada para o público infantil, acrescida ainda da riqueza de estampas coloridas, confirmando a que categoria de público se destina. O fato mais uma vez comprova que, muitas vezes, o que se julga e denomina tradução pode ser simplesmente uma adaptação.

Figura 6: Coleção Biblioteca Infantil, extraída do volume 96 – ESOPO, o contador de histórias – sob orientação do Prof. Lourenço Filho.

Ao retratar a história das editoras comerciais do Brasil, Hallewell (1985) afirma que no século XIX, como ainda hoje, as traduções – acrescentaríamos também as adaptações – constituíam parte considerável do catálogo de uma editora brasileira. Considerando a importância da ciência e da cultura francesas na época, somado a um público disponível, era inevitável que Garnier e Laemmert se interessassem em produzir uma proporção significativa de obras traduzidas de sua própria língua. Carlos Jansen Müller, professor

alemão do Colégio Pedro II, muito contribuiu para Laemmert, tendo traduzido e adaptado clássicos para jovens leitores, como: Contos seletos de mil e uma noites (1882?), As viagens

de Gulliver a terras desconhecidas (1888), Aventuras pasmosas do celebérrimo barão de Münchhausen (1891), Contos para filhos e netos (1894) e Dom Quixote (1901). Contribuindo

para Laemmert se firmar como uma das editoras pioneiras na produção de obras da literatura infantil no Brasil, Jansen produziu em 1885 uma versão de Robinson Crusoé, mas, segundo Hallewell, foi frustrado pela tradução anônima publicada em 1868 por Garnier “do original inglês, com vinte e quatro lindas gravuras”. O pesquisador do livro no Brasil ainda acrescenta que da obra inglesa de Daniel Defoe tinha havido também uma tradução indireta, a partir de uma versão francesa feita por um oficial do exercito português, Henrique de Sousa Mascarenhas, editada em Lisboa em 1785-86 e reimpressa em 1817. Essas informações nos fazem refletir, primeiramente, sobre as variadas versões de uma mesma obra que circulavam no mesmo período, ou seja, uma mesma obra é traduzida do “original inglês”, acrescida de gravuras, outra é denominada “tradução indireta” a partir de uma versão francesa. As variações impressas nas versões podem ser confundidas com marcas de adaptação, concepção segundo a qual se pode confirmar que o trabalho de reescritura do tradutor se confunde, muitas vezes, com o do adaptador.

No que se refere ao campo da literatura, Carlos Jansen Müller e muitos outros professores que acumulavam o papel de autor-professor do Colégio Pedro II se encarregavam de sua produção didática, pois traduziam e adaptavam obras literárias estrangeiras destinadas aos alunos daquele estabelecimento. Este, o primeiro de instrução secundária no Brasil, fundado em 1837 num período pós-Independência, foi considerado, até meados do século XX, modelo de referência de ensino no país. Nesse Colégio, em virtude do escasso material didático114, era comum seus professores, profissionais de

deferência intelectual e profissional na história das belas-letras do Brasil, como escritores e críticos literários atuantes, produzirem parte de seu próprio material. Voltados para a atividade escolar, inúmeros trabalhos de tradução e adaptação foram feitos para editoras na época, indicando uma integração entre tais reescrituras de obras literárias e a escola. A utilização desses livros-texto no currículo escolar possibilitou o surgimento de uma “literatura escolar”, constituída de livros traduzidos e adaptados mas também produzidos por autores brasileiros, vinculados ao uso na escola, de onde se origina a literatura infantil brasileira. Por força de dispositivos legais, a escola era responsável, enfim, por habilitar a criança para o exercício da leitura.

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Hallewell (1985, p. 144) comenta que “em 1850, Kidder e Fletcher se queixavam da falta de livros escolares produzidos no Brasil e adaptados às condições locais, o que era, para eles, um fator que impedia o progresso da educação nacional”.

Nas primeiras décadas do século XX, um grupo de intelectuais brasileiros, inspirados nas ideias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito à educação, cria um movimento que ganhou impulso na década de 30, denominado Escola Nova, em que se defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita. Seu mentor, Anísio Teixeira, reconhecendo que a sociedade precisava se desvencilhar do modelo estático de escola tradicional em vigor até as primeiras décadas do século passado, justifica a nova finalidade da escola, “quando reflectirmos que ella deve hoje preparar cada homem para ser um