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Manifestações de leituras e leitores em terras brasileiras

Dizem que nós, leitores de hoje, estamos ameaçados de extinção, mas ainda temos de aprender o que é a leitura Nosso futuro – o futuro da história de nossa leitura –

2.3 Percursos de textos adaptados

2.3.1 Manifestações de leituras e leitores em terras brasileiras

Os fatores econômicos e culturais no Brasil colonial exerceram influência sobre as leituras e leitores numa época em que a população se constituía, sobretudo, de uma maioria rural agrícola com total ausência da indústria tipográfica. Araújo (IBID) descreve o perfil do leitor brasileiro a partir da descrição dos livros encontrados nos inventários de bens entre o século XVI e meados do XIX. Nessa empreitada, recorreu a fontes primárias em documentos arquivados em museus, bibliotecas, institutos históricos, anais e sociedades de pesquisa das principais capitais e centros históricos do país. Em função desse estudo, podemos afirmar que, durante a primeira metade dos anos Quinhentos, se verifica, no que diz respeito à escrita, uma ausência cultural, justificada pela inércia administrativa do governo português. Apenas com a chegada na Bahia da base administrativa na nova Colônia, em 1549, percebe-se um efetivo processo colonizador, aliado à presença da Igreja, representada pela Companhia de Jesus, instituição responsável pela instrução pública dada aos colonizadores. Considerando a ordem pertencente desses “padres-professores”, é possível perceber que as primeiras leituras no Brasil estavam ligadas à base moralizadora eclesiástica porque, embora não se tenha registro direto sobre os títulos que veiculavam

naquele período, nem em cartas jesuíticas nem tampouco nas poucas correspondências oficiais, podem-se averiguar, através de algumas correspondências dos padres (LEITE, 1954), as matérias integradas aos postulados jesuíticos para fins de doutrina e catequese. Os jesuítas, os beneditinos, os franciscanos e os carmelitas reconheciam a ausência de livros e, como forma de minimizar essa deficiência cultural, na nova terra, faziam pedidos sucessivos a Portugal para a instrução dos nativos.

As dificuldades naturais da vinda de livros não era a única questão impeditiva de circulação de livros entre nós, visto que a produção escrita se submetia ao crivo censório dos jesuítas, o que significava que nem todas as produções eram permitidas pelo Index inquisitorial. A restrição censória se justificava pelo zelo e segurança em nome de um Estado monárquico-católico que pregava a Contra-reforma e a moral. Assim, em nome desses princípios,

nossos primeiros leitores foram, em consequência, europeus viciados em mecanismo de leitura comprometida. Fora deles e avançando pelos séculos seguintes, os filhos de colonos e os nativos cooptados, em suas leituras de colégio religioso, foram escalando a trilha livresca de cartilhas, livros de devoção, prática dos sermonários e catecismos teológicos, muitas vezes utilizando volumes copiados de um original batido, caso dos clássicos, de leitura obrigatória para fins docentes do ensino do latim em sua acepção retórica. Clássicos, aliás, expurgados, desde o Ratio Studiorium, de trechos considerados inconvenientes pela Inquisição ou pelo moralismo doutrinário da catequese e do redil teocêntrico. Daí, resulta, entretanto, um perfil de leituras ainda pouco claro (ARAÚJO, 1999, p. 35).

O Ratio Studiorium, código de educação jesuítico elaborado na Contra-Reforma, também se utilizava de leituras de autores clássicos latinos através de versões e comentários acerca dos referidos textos, a fim de orientar seus pupilos no conhecimento da linguagem erudita e dos preceitos da retórica. Embora o latim e o grego fossem disciplinas dominantes, dando ênfase ao primor da forma linguística e à eloquência, o Ratio recomenda para o ensino da língua materna que o professor de humanidades poderá, no fim da explicação do autor, dar uma tradução do trecho estudado, feita com todo primor (FRANCA, 1952). Dependendo da graduação da classe do aluno, a escolha de trechos seletos de Ovídio, Cícero e outros autores latinos, eram dados aos alunos para o exercício da expressão rica e poderosa. Percebe-se, portanto, que a tradução não era o único recurso utilizado para se fazer conhecer na colônia portuguesa a cultura antiga latina. A versão de uma obra “expurgada de toda a obscenidade” já apresentava marcas de recorte típicas da adaptação tanto nos pedidos dos livros para o Brasil quanto na metodologia do Ratio.

Embora o pesquisador das leituras coloniais não possa descrever com precisão o perfil de leituras do século XVI, é certo que, além da prática de leituras devocionárias e de manuais de retórica, aliás modelos preferidos também dos europeus, os clássicos

representavam leitura obrigatória com fim claramente definido – o uso escolar em seu ensino da língua latina. Como esses textos apresentavam fins pedagógicos, compreende-se a necessidade de expurgar o que feria a Igreja, a Monarquia e a Moral. Assim, textos de Virgílio, Cícero, Horácio, Ovídio, Sêneca foram adaptados para se adequarem às estruturas curriculares obrigatórias no ensino jesuítico em fins de Quinhentos, bem como no Seiscentos e no Setecentos, com a adoção da política pombalina. Nesse período, ainda merecem destaque outros exemplos clássicos de textos expurgados, cujo objetivo era ensinar regras do bem escrever e do cultivo à retórica, como Aristóteles e Platão, relidos – adaptados –, respectivamente, por Thomás de Aquino e Santo Agostinho.

Araújo, em seu mapeamento cultural e literário, ainda acrescenta que nos falta informação segura a respeito das leituras desses retóricos nos fins do Quinhentismo, mas afirma constar, nos volumes expurgados dos seminários do século XVII, em Pe. Vieira, citações de Homero, Platão, Aristóteles, Quintiliano, Sêneca, Cícero, Virgílio, Horácio, Ovídio e Epicuro. Dessa forma, durante dois séculos, até 1785, com Pombal, não se percebem mudanças significativas na cultura literária brasileira. A leitura se confundia com instrução à medida que daquela se utilizava para sedimentar a moral e o dogma católicos, uma vez que os jesuítas eram os responsáveis por toda formação educativa e cultural da Colônia, mantendo sob seu domínio exclusivo o ensino e a cultura no Brasil.

Os jesuítas são, de fato, e até sua expulsão, os educadores de mais significativa presença e influência no espírito cultural brasileiro. Eram práticos em incipientes ensaios botânicos, curiosos na apreensão de aspectos históricos e geográficos, retóricos no estudo do latim clássico, colonialistas no estimulo lingüístico de troca em gramáticas portuguesa e tupi. Teriam, em suas estantes, pequenas obras de orientação religiosa e catequética. Além da Bahia, outras bibliotecas jesuíticas foram-se formando e notabilizando, como as do Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. Em dois séculos de ocupação pedagógica colonial, sua ação excedeu poderosa influência no comportamento do leitor brasileiro, significativa presença quando sabemos que sua biblioteca, ao tempo da debandada em 1757, era da ordem de 15 mil volumes (ARAÚJO, 1999, p. 34).

No século XVIII, com a dessacralização do ciclo jesuítico na educação promovida pela reforma de Pombal, a formação educacional deixa de ser de responsabilidade da Igreja e passa aos cuidados do Estado. Embora os textos de devoção continuassem em circulação, novas tendências e comportamentos de leituras surgem no Brasil. Os clássicos latinos, as gramáticas, os dicionários unem-se a obras portuguesas, hispânicas e francesas para compor a mudança no novo sistema educacional, mantido desde 1772. O Verdadeiro

método de estudar, de Luis Antonio Verney (1991), uma das obras mais indicada nos

desmistifica o modelo pedagógico implantado nos séculos anteriores, aliando-se à reforma que se processará no regime pombalino.

Decerto que, nos anos setecentistas, o clero era o segmento da sociedade que mais conservava objetos impressos no Brasil. Antes da chegada da Família Real no Brasil, a Igreja era a instituição responsável pela instrução escolar. Logo, pode-se inferir que as leituras que chegavam às mãos dos jovens leitores eram submetidas às regras da leitura religiosa ou escolar, ou seja, os impressos passavam pela mediação das autoridades religiosas que controlavam todo e qualquer tipo de escrito.

Durante o período colonial, as obras de diversas nacionalidades aportavam em nossa terra sob o jugo da censura da coroa portuguesa que controlava a saída dos objetos impressos de Portugal com destino à Colônia. A princípio, tal controle era feito através da Igreja e do Poder Régio, mas, com a extinção do Santo Ofício em Portugal, em 1821, a Secretaria do Desembargo do Paço de Lisboa se encarregava dessa atribuição. O objetivo dos censores régios era controlar a movimentação livresca entre as cidades portuguesas e as colônias d’além mar, de forma a evitar a difusão de ideias perigosas que ameaçassem o bom funcionamento do Reino, embora nem sempre a Real Mesa Censória e, mais tarde, a sua sucessora, a Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros tenham sido bem sucedidas em evitar a entrada no país dos livros interditados pela Igreja e pelo Estado, tais como edições de Rousseau, Montesquieu, Voltaire, D’Argens, Raynal, Diderot, Helvécio.

Outros estudiosos, além de Jorge Araújo, preocuparam-se em pesquisar sobre os leitores e leituras no país29. Nesse aspecto, merece atenção o trabalho de Abreu (2003b)

que rastreou os caminhos dos livros entre a Europa e o Brasil durante o período de 1769 e 1807, quando ainda não havia permissão para se instalarem tipografias no país. Segundo a pesquisadora, os leitores que viviam aqui nessa época deixaram poucas pistas tanto de suas práticas de leitura como de sua própria existência física. Mesmo confessando a dificuldade de assinalar tais gestos, a autora registrou a existência de livros “importados com regularidade e em quantidades relativamente grandes” nos inventários postmortem de moradores do Rio de Janeiro em data anterior à independência, conservados pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Entre os bens inventariados encontram-se alguns dos livros de Belas-Letras mais solicitados e enviados ao Rio de Janeiro entre 1769 e 1822, período em que se registra a presença da Corte Real Portuguesa, e, por conseguinte, a instalação da Impressão Régia em nosso país. São eles: Aventuras de Telêmaco, de Fénelon, Selecta latina30, de Pierre

29

Sobre os usos dados aos livros e aos leitores na sociedade colonial, notadamente entre os séculos XVI e XIX, conferir Villalta (2000, p. 183-212).

30

As Selectas latinas, escritas por Pierre Chompré, diretor de uma escola parisiense e autor do Diccionario

Chompré; História do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França31, anônimo; As

mil e uma noites, Galland (trad); Horácio ad usum delphini; Ovidius ad usum delphini; Fábulas, Esopo; além de Thesouro de meninas32, Obras, de Camões; e D. Quixote de la

Mancha, de Cervantes.

Em meio a essa lista, considerada como a dos livros mais lidos em função de terem sidos os mais solicitados, nota-se a circulação de obras que em nada atendem à noção de “original”, conforme é atestado nos próprios títulos. Chompré, por exemplo, selecionou extratos de obras clássicas latinas para compor a sua Selecta; os textos latinos de Horácio e Ovídio, embora a língua por meio da qual se fizesse contato fosse a portuguesa, também eram pedidos em versões moldadas ad usum Delphini, expressão latina que significava “para uso do Delfin”, indicação de um livro expurgado, apropriado para a educação do filho mais velho de Luís XIV. A versão simplificada, expurgada, se ajustava à tradição de livro de leitura na qual se apresentavam preceitos da educação de príncipes, cujas lições tratavam da virtude, moral e civilidade33. Segundo Abreu (2003b, p. 113), as obras clássicas em

versões ad usum Delphini, representantes de grande sucesso na Europa durante os séculos XVIII e XIX, eram organizadas segundo princípios próximos aos que estruturavam a Selecta

Latina, quais sejam: resumo, seleção de trechos, apresentação de notas explicativas e

adaptações com vistas à supressão de passagens licenciosas ou consideradas de difícil compreensão.

As Cartas de Ovídio, as Fábulas de Fedro, as Orações de Cícero, as Odes de Horácio, obras ad usum de Ovídio, Horácio e Virgílio, não eram as únicas na preferência dos leitores. Os leitores do Rio de Janeiro, por exemplo, em comparação com os leitores do Porto, davam primazia à leitura de romances, entre os quais as Aventuras de Telêmaco34, de

Fénelon, solicitado em sua maioria em edições lisboetas e em distintas traduções35, alémde

31

História de Carlos Magno e os doze pares da França, um dos livros cuja leitura no Nordeste se espalhou

através da literatura de cordel. Sobre o processo de adaptação da literatura de cordel, ver Abreu (2008). Essa obra também encontrou lugar de adaptação e recriação no Romance d’A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna (BARBOSA, 2006).

32

A primeira edição data de 1774, traduzida para o português por Joaquim Ignácio de Frias, e a segunda, denominada Thesouros de meninos, de 1813, compilada e ordenada por Pedro Blanchard e traduzida por Matheus José da Costa em 6 tomos, além da participação do Doutor Felix de Avellar Brotero, a quem ficou a tarefa das incorreções. É curioso notar que, no Tomo III, o papel do tradutor se confunde com o do adaptador: “Traduzida do Francez, com muitas correções e artigos novos. Offerecida, a sua alteza o Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves; Duqye de Bragança, o Senhor D. Pedro de Alcantara por Matheus José da Costa”. (ABREU, 2003b).

33

Sena (2008) mostra que é histórica a fixação do conteúdo da civilidade nos livros de leitura franceses que circularam no Brasil imperial, a exemplo de Tesouro de Meninas (1757), de Madame Leprince Beaumont,

Tesouro de Meninos (s/d), de Pierre Blanchard, e História de Simão de Nantua (1818), de Laurent Pierre Jussieu,

tendo relações explícitas e implícitas dos livros renascentistas.

34

Aventuras de Telêmaco, lançadas em Paris em 1699, manteve-se no topo da lista dos livros preferidos por mais

de 100 anos em muitos países, inclusive o Brasil, conforme aponta a pesquisa realizada por Márcia Abreu (2003) sobre os títulos de belas-letras mais solicitados em requisições submetidas à censura portuguesa (durante o Brasil colônia) entre meados do século XVIII e início do século XIX.

35

outro romance de grande sucesso na época, Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes (ABREU, 2003b).

Os jornais brasileiros tiveram grande contribuição na disseminação desse gênero haja vista a sua veiculação nesse suporte. Na verdade, o romance publicado em folhetim foi considerado o carro-chefe dos periódicos do Dezenove, conforme demonstram os estudos realizados por Marlyse Meyer (1996), que deram início à utilização dos jornais como fontes primárias de pesquisa da história da literatura. Nesse sentido, outros estudos também foram empreendidos, entre os quais o de Barbosa (2007a)36, que desenvolveu pesquisa a partir de

alguns periódicos do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Essa investigação reitera o posicionamento acerca da relação estreita entre a literatura e a imprensa dessa época no Brasil. Para a pesquisadora,

poetas e escritores, anônimos e consagrados usaram e abusaram do jornal para fazer circular não apenas o texto literário, mas as contendas, as declarações de amor, a crônica social, também em forma de literatura. Mesmo que questionemos a qualidade desses escritos, não podemos perder de vista esse uso prático dos gêneros literários pelos escritores da época. Da mesma forma, não podemos deixar de reconhecer o espaço plural, heterogêneo e fundamental na constituição de uma cultura letrada brasileira (BARBOSA, 2007a, p. 97).

Evidentemente, a concepção que temos hoje de literatura não é a mesma atribuída antes do Dezenove, quando todo conhecimento, literário ou não, era compreendido como pertencente às letras, belas-letras ou boas letras (EAGLETON, 2003; ABREU, 2003a). Como um gênero literário que caía nas graças do leitor entre o Dezessete e Dezoito, as narrativas romanescas eram publicadas na imprensa brasileira no Dezenove traduzidas e adaptadas a um público leitor ávido pelos novos capítulos publicados no Folhetim dos jornais, constituindo fonte literária, que circulava pelas províncias não apenas no suporte livro, como faz crer a história da literatura.

Dos diversos possíveis usos do escrito, as adaptações constroem maneiras de ler no país desde a época em que a cultura ainda era amplamente oral. Mesmo quando a escolarização no Brasil se disseminou37 de forma mais alargada, a adaptação ainda garante

espaço. Remontando a uma tradição de textos eruditos, a adaptação, através de seus

36

A partir de um anúncio retirado do jornal paraibano A Renegação, de 1862, Barbosa confirma que a relação de livros apresentada por Márcia Abreu, no Rio de Janeiro, é extensiva a outras partes do Império, como na província da Paraíba. Sobre as relações existentes entre o jornal, a obra e os leitores, numa tentativa de reconstituir práticas de leitura, produção e circulação de textos, bem como as mais diversas práticas literárias, notadamente na Paraíba, consultar outras referências da pesquisadora no projeto “Jornais e folhetins literários da Paraíba no século XIX”, disponível no site http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/estudos.html; Alva e Ideia: duas revistas e um passado para a vida literária paraibana do século XIX. Disponível em http://www.revistafenix.pro.br/. Acesso: 20/05/2008.

37Embora se reconheçam hoje as políticas educacionais a fim de minimizar as taxas de analfabetismo no Brasil, a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2006, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informa que a taxa de analfabetismo no Brasil é de 10,2% da população com 15 anos ou mais. Disponível em http://www.ibge.gov.br/. Acesso em 02/04/2008.

artesãos, cria as condições de legibilidade aos novos leitores que não se sentem à vontade, por razões várias, com o texto primeiro.

Quando o método pedagógico dos jesuítas determinava o modelo de ler e escrever no Brasil, o Ratio Studiorium determinava expressamente “trechos seletos” de Catulo, Tibulo, Propércio, Plutarco etc., e ainda recomendava para o uso da língua vernácula as traduções e versões que deveriam ser utilizadas pelo professor de humanidades, em particular, na organização dos currículos para os cursos superiores e secundários, conforme podemos observar a seguir:

O Ratio recomenda mais de uma vez a diligência no uso da língua materna. Traduções, versões, ditados, exposição do argumento obrigam a um estilo ocasional, mas nem por isso menos eficiente do vernáculo. Ao professor de humanidades em particular lembra que poderá, não só usar a língua nacional, quando nisto houver vantagens, senão que também poderá no fim da explicação do autor dar do trecho estudado uma tradução, feita com todo o primor (FRANCA, 1952, p. 52).

Assim, embora na época haja o predomínio de leitores condicionados ao rigor axiomático da religião católica, o leitor foge ao dogma e ao ensimesmamento místico à medida que outros livros, outros temas, pertencentes aos escritores romanos e gregos clássicos, são dados também como modelo de leitura. Nesse contexto, os clássicos expurgados, determinados pelo Ratio, desenvolveram um caráter de irradiação cultural desde a colonização portuguesa, apresentando novos autores, novos textos, novas formar de ler e compreender, e, através da educação jesuítica, novos leitores.

Verifica-se, então, que o ensino da Literatura no Brasil está intrinsecamente ligado a uma história que se inicia com os jesuítas e com o método Ratio Studiorium, pensado para uniformizar o ensino dos discentes dos colégios da Ordem Jesuítica em qualquer lugar do mundo, em cuja preleção havia a advertência de que somente os autores antigos fossem explicados, em oposição aos modernos, que não o seriam de modo algum (FONTES, 1999, p. 45). Isso pressupunha, no âmbito de Literatura,38 um ensino construído a partir de uma

base imóvel, um ensino fundamentado, portanto, em verdades solidificadas. A esse propósito, a pesquisadora Barbosa tece seguintes considerações:

O ensino do que hoje concebemos como literatura dizia respeito ao universo da Retórica e da Poética, cujas disciplinas incluíam a oratória, o estilo e a erudição e exigia que os discípulos tivessem contato com os textos clássicos como modelos do bem escrever. O problema era que esse contato não poderia se fazer de forma “integral”, razão por que foram introduzidas as adaptações dos textos clássicos, de onde eram expurgadas as matérias