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Clássicos literários adaptados na atualidade para o público infanto-juvenil escolar

A indestrutibilidade do texto, supondo que seja atingida, não significa que devam ser destruídos os suportes particulares, historicamente sucessivos, através dos

5.2 Das obras nos catálogos

5.2.1 Clássicos literários adaptados na atualidade para o público infanto-juvenil escolar

Os catálogos editoriais fornecem importantes informações no que diz respeito aos livros que estão sendo publicados e, certamente, lidos no ambiente escolar, considerando que estes representam a vitrine de oferta de produtos educacionais. A partir desse suporte, o professor tem acesso a dados sobre os livros, acompanhados, muitas vezes, de orientações e indicações dos autores, por meio de breves relatos histórico-contextuais, bem como dos tradutores, adaptadores e ilustradores, dando-lhe, portanto, uma visão panorâmica do que está sendo produzido na indústria livresca.

139 Incluso na categoria literatura para o jovem adulto, a tragédia grega Édipo Rei, escrita por Sófocles por volta

As editoras que nos serviram de fonte de apoio para esta pesquisa apresentam sua produção livresca em catálogos divididos, geralmente, em Literatura Infantil e Literatura Juvenil ou Literatura Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II/Ensino Médio, de forma que a disposição das obras fornece aos seus consultores uma clara ideia do ciclo da vida escolar em que podem ser lidas. Dentro de cada destinação específica de público, outros critérios foram estabelecidos a fim de facilitar a consulta de professores ou de outros mediadores, quais sejam: classificação das obras em leitura literária e informativa, indicação dos títulos de acordo com a faixa etária dos leitores, ilustrada com cores que as diferenciam, e, por fim, índice geral, no qual se estabelece um quadro com os títulos, autores, indicação de assuntos, temas transversais e interdisciplinaridade. Algumas editoras, ainda, acrescentam informações extras sobre a existência de projetos pedagógicos veiculados pela internet, permitindo a consulta ao material complementar para o desenvolvimento do trabalho com as coletâneas disponíveis.

Sabemos que todas as vinhetas indicativas de série escolar atendem a critérios didáticos que favorecem a consulta dos professores, mas não podemos ignorar que a típica sistematização da indústria editorial, que pode se enquadrar perfeitamente em outros campos do conhecimento, se estende também ao âmbito dos livros literários. Oferecer os mesmos textos para os mesmos leitores, ainda que pertencentes à mesma faixa etária e com semelhante conhecimento cognitivo, pode resultar numa sugestão infrutífera de leitura, se não atentarmos para a maturidade, inclusive cognitiva, de alguns, haja vista a tentativa de homogeneização do público leitor, pressuposto que não se encaixa quando se trata de leitura, que é – conforme assinala Roger Chartier (1999) – “por definição, rebelde e vadia”. No artigo “A formação e a conquista do público infantil”, Fernando Azevedo (LAJOLO e ZILBERMAN, 1988) discute a aparente homogenia desse público. Segundo ele,

aparentemente homogêneo, por ser constituído de grupos de idade, é, de fato, um público muito mais complexo, biopsicológica e socialmente, do que podia aparecer à primeira vista. Pois ele se compõe de crianças de um e outro sexo, de idades diversas, que vão desde as retardadas até as superdotadas, com escala pelas do tipo normal, provenientes de todas as classes sociais [...] Sendo diferentes as necessidades desse novo público ou grupo social, são e tinham de ser forçosamente dos mais diversos tipos e graus os livros de crianças que se destinam aos diferentes setores em que se repete o público da infância e da primeira adolescência (LAJOLO e ZILBERMAN, 1988, p. 335).

Azevedo não encerra suas reflexões na atribuição aparente da homogeneidade do público leitor jovem, ao contrário estende-as à de público “flutuante”. Dada a duração efêmera, correspondente ao tempo de crescimento de cada categoria de idade do leitor, os textos têm de refletir o seu desenvolvimento desde a idade limiar de aprendizagem até a aptidão para a leitura. Refletindo sobre a perspectiva de público heterogêneo e que se

renova a curtos intervalos, abordada pelo crítico literário, não seriam as adaptações literárias leituras que se ajustariam a esse tipo de leitor? Os livros oferecidos pelos catálogos, de certa forma, já sugerem algo semelhante, quando trazem o mesmo clássico ora adaptado, ora traduzido e integral, atendendo a comunidades de leitores com idades diferenciadas.

Na configuração física dos catálogos, além do agrupamento dos livros em subdivisão das séries escolares a que se aplicam, aparecem os temas transversais, atendendo aos preceitos educacionais indicados nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Há alguns catálogos, ainda, que indicam leituras de acordo com o calendário de datas comemorativas. Em ambos os casos, temos de atentar para a concepção da atividade de leitura de textos literários em função apenas das condições externas ao texto, o que pode configurar o uso do texto como pretexto somente para o ensino de conteúdos escolares, ou seja, de tratamento meramente utilitário.

A fim de apresentarmos uma estruturação mais didática do que foi e continua sendo publicado nos últimos anos de adaptação de clássicos literários com destinação escolar, mostraremos os livros por ordenação de fase escolar exibidos em catálogos das editoras Ática, Scipione, FTD e Escala Educacional, a partir dos quais podemos notar, desde as fases iniciais da formação escolar, que os clássicos fazem parte da lista apresentada aos pequenos leitores, desde cedo, sob a forma de adaptação.

5.2.1.1 Clássicos literários adaptados para alunos do Ensino Fundamental I

A adaptação para os jovens leitores não é uma modalidade nova na história da leitura, pois, conforme já vimos, surgiu muito antes do desenvolvimento da literatura infantil, quando não havia leituras exclusivas para essa categoria, mas práticas adotadas por esse público de leitor que revelava sua especificidade. Dentre tais práticas, encontram-se as histórias folclóricas de origem camponesa, denominadas pelos românticos do século XIX de “conto de fadas”, que foram reformulados de várias formas, para se enquadrarem nos padrões de cada época. Além dos contos maravilhosos, há outros gêneros que, ao longo da História, foram reescritos e apropriados, como as fábulas e outras narrativas, as quais até hoje servem aos nossos leitores iniciantes, publicadas em materialidades diversas pelas editoras.

Editora Ática

O catálogo da Editora Ática Literatura infantil 2008/2009, por exemplo, produz inúmeras Séries e Coleções para os denominados clássicos literários. A série Clara Luz apresenta a partir de 8/9 anos, fase em que as crianças cursam o 4º ou 5º ano do Ensino Fundamental, uma seleção de obras estrangeiras intituladas Clássicos de Todos os Tempos, na qual se encontram tanto versões traduzidas quanto adaptadas por autores brasileiros. Dentro de nossa proposta de discutir tão-somente os textos sob a inscrição adaptados, encontram-se Romeu e Julieta, Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas;

Peter Pan, de James Matthew Barrie.

Diferentemente dos demais livros da coleção, a história de Romeu e Julieta é a única cuja autoria não é informada; no entanto, verificamos que, no catálogo da editora de 2006

Lançamentos e datas comemorativas, é registrada a informação de que o texto é de autoria

de Luigi Porto, autor da versão que inspirou Shakespeare.

O drama Romeu e Julieta, de Shakespeare, foi tirado de novelas italianas e particularmente de um romance de Luigi Porto, escrito primitivamente em 1592. E, como dizia o velho J. M. Pereira da Silva, em um livro publicado ainda no século passado: “É o assunto de Otelo extraído igualmente de uma novela italiana escrita por Cíntio”. Sobre Macbeth pode-se dizer que “pertence o assunto a uma legenda descrita na crônica de Hollinshede, e verificada na Escócia no correr do séc. 11”. E, finalmente, que “extraiu Shakespeare da crônica Hollinshede e de um velho drama inglês de 1594 de autor desconhecido, o assunto de Rei Lear140 (SANT’ANNA, 2008, p.84-

5).

No século XVI, ainda era comum os escritores copiarem uns aos outros, já que a imitação era sinônimo de glória e de bom gosto literário. Segundo o crítico, há uma constatável relação entre antiguidade e imitação. Para tanto, apresenta alguns exemplos clássicos sobre o que ele chama de “imitação parafrásica como técnica pedagógica” ao longo da História. Camões no século XVI imitouo famosopoeta italiano Petrarca do século XIV. Em Agudeza e arte e ingenio, do famoso conceptista barroco do século XVII, Baltazar Grácian registra o seguinte conselho sobre a arte da imitação: “o celebrado Camões imita, e não rouba, o grande Virgílio em seu Os lusíadas, descrevendo a morte de Dona Inês de Castro. A destreza está em transfigurar os pensamentos, em transpor os assuntos”. Na década de 50 do século XX, em Invenção de Orfeu, Jorge de Lima utiliza versos de Os

Lusíadas, nos Cantos II e IX; da Divina Comédia, de Dante, nos Cantos IV e XIX; da Eneida, de Virgílio, nos Cantos VI e VIII. Para Sant’Anna (Idem, p.55), Jorge de Lima, assim

como os demais, “realmente se apodera dos textos clássicos como se fossem seus, falando através deles. Ele segue e dilata o sentido original sem traí-lo”, classificando esta técnica

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como imitação pela paráfrase. Embora o preceito de valorizar a imitação só tenha vigorado predominantemente, no mundo ocidental, até o século XVIII, o último exemplo mostra que a imitação na literatura ainda é legítima.

A função do autor, segundo assinala Foucault (2002, p. 48), em seu questionamento no ensaio O que é um autor, não se exerce de forma universal e constante sobre todos os discursos, haja vista que, em nossa civilização, nem sempre foram os mesmos textos a pedir uma atribuição autoral.

Houve um tempo em que textos que hoje chamaríamos “literários” (narrativas, contos, epopeias, tragédias, comédias) eram recebidos, postos em circulação e valorizados sem que se pusesse a questão da autoria; o seu anonimato não levantava dificuldades, a sua antiguidade, verdadeira ou suposta, era uma garantia suficiente (FOUCAULT, 2002, p. 48).

Nessa questão, vale dizer de Barthes (1988), no ensaio sobre A Morte do Autor, que, ao apresentar a concepção de autor como sujeito social e historicamente constituído, o vê como um produto do ato de escrever, enfatizando a questão da não existência do autor fora ou anterior à linguagem. Segundo Barthes, um escritor sempre será o imitador de um gesto ou de uma palavra anteriores a ele, mas nunca original, visto que seu único poder é mesclar escritas, portanto, retira a ênfase de um sujeito que tudo sabe, unificado, intencionado como o "lugar" de produção da linguagem, esperando, dessa forma, libertar a escrita do despotismo da obra – o livro. De certa forma, num sentido bartheniano, poder-se-ia afirmar que, libertando o texto da “tirania do autor”, abrem-se possibilidades de cada leitor adicionar, alterar ou simplesmente recriar um outro texto, quebrando a ideia da "écriture" como originária de uma só fonte.

Ao apresentar a vida e obra de Perrault, em Contos de Perrault, Stahl (1999b) discute algumas questões relativas ao costume de atribuir a paternidade de alguns de seus textos a outros autores, a exemplo do que se fez como conto Pele de Asno, cuja autoria é atribuída à autora de tragédias da época, Mademoiselle Bernard. O biógrafo justifica tal costume no fato de se achar o conto inserido num romance intitulado Inês de Castro, publicado em 1696, por essa dama, de quem era amiga de Perrault.

Nada era mais comum do que colocar o nome de um escritor numa obra que deveria ter sido assinada por outro. Essas confusões tanto significavam plágio como apropriação amigável. O fato é que o estilo da segunda versão de Pele-de-Asno se ajusta tão perfeitamente à maneira de Perrault escrever que, na nossa opinião, ela deve ser atribuída a ele. Depois de ter composto o conto em verso, Perrault – achamos nós – reescreveu-o ele próprio em prosa, ou pelo menos retocou com grande benevolência o apêndice inserido no romance de Inês (STAHL, 1999, p.212-3).

Desde a publicação de sua coletânea, surgiram inúmeras imitações de Perrault: os