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3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.5 Adesão à prática de esportes/práticas corporais

Os dados que surgiram nas entrevistas entraram um pouco em contraponto com a literatura já apresentada e com a que será exposta a seguir.

As mulheres iniciam sua trajetória nos esportes como torcedoras, pois esta é uma oportunidade de vida pública, de saírem do recanto doméstico. Um tempo depois é que começam a praticar algumas modalidades: natação, tênis, equitação, consideradas delicadas, pois outras práticas poderiam machucar e prejudicar a mulher (ALTMANN, 2012).

Em meados do século 20 as mulheres foram, aos poucos, conquistando espaço no “mundo público” como trabalhadoras em movimentos sociais, enfim, na vida fora de casa (ADELMAN, 2003). Ao mesmo tempo, concepções normatizadas sobre a feminilidade contribuíram para a limitação da prática esportiva das mulheres (ADELMAN, 2003).

Carla Bassanezi, em sua análise de revistas femininas do período 1945-1964, até o início dos anos 70, as formas hegemônicas de representação da “Mulher” enfatizavam ainda “papéis tradicionais”, quer dizer, a identificação das mulheres com a família, o casamento

e a domesticidade, indo inclusive contra a corrente da paulatina abertura do espaço público (principalmente por meio do trabalho assalariado) para um crescente contingente de mulheres que precisava de ou desejava acesso maior ao mesmo (BASSANEZI, 1996 apud ADELMAN, 2003, p. 447).

Normatizados conceitos de feminilidade e a chamada estética da limitação, são as grandes dificuldades que as mulheres tiveram, no século 20, na luta por um lugar no mundo esportivo (ADELMAN, 2003).

Na atualidade, o mundo esportivo tem, em parte, incorporado a luta das mulheres para se apropriarem de espaços existentes e/ou para criar novos. [...] Por exemplo, os esportes continuam sendo avaliados em termos de gênero, incluindo tanto os que se tornaram “unissex”, quanto os que são vistos como potencialmente “masculinizantes” para as mulheres (ADELMAN, 2003, p. 448).

Atualmente, a justificativa dada para que os esportes femininos5 sejam menos divulgados é a falta de interesse e audiência. Como exemplo, houve o campeonato denominado Paulistana no ano de 2001, no qual as mulheres escolhidas precisavam ser bonitas, loiras, de olhos claros, roupas curtas, pois assim garantiriam audiência. A condição da atleta, no entanto, é que deveria estar em jogo e não a sua beleza. A mídia, de certa forma, acaba erotizando corpos de homens e mulheres, mas delas de forma mais intensa e explícita (ALTMANN, 2012).

Ainda há bastante desigualdade de gênero nos esportes e falta de visibilidade para as mulheres. A audiência pode ser produzida pelos meios de comunicação e também pela escola, na medida em que as aulas de Educação Física deem oportunidades iguais a meninos e meninas, mostrando que elas podem ser tão boas quanto eles e não é o seu “sexo” ou “gênero” que irá determinar isso (ALTMANN, 2012).

O futebol no Brasil foi e ainda é o esporte de mais ascensão e visibilidade. Isso refere-se, no entanto, ao futebol masculino, pois as mulheres sofreram e ainda sofrem preconceito e falta de incentivo.6 Ideias já discutidas anteriormente reforçam essa situação: desmerecimento da capacidade esportiva/física delas para o esporte,

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Neste exemplo falamos sobre os esportes de alto rendimento, que têm maior visibilidade, que são divulgados pela mídia e, dessa forma, sofrem com estigmas baseados em concepções preconceituosas em relação às mulheres, construídos de forma cultural.

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Essa realidade acontece no esporte de alto rendimento, o qual as mulheres utilizam para o seu sustento.

questionamentos sobre sua sexualidade e feminilidade, cultivo do belo, do discurso da beleza.

Partidas masculinas são mais transmitidas. Os homens têm maior patrocínio e maiores salários. É maior a presença masculina em programas de televisão e rádio, como árbitros e/ou técnicos.

A inserção da mulher em alguns espaços sociais, como os esportes considerados de domínio dos homens, deu-se devido à sua constante luta transplantando barreiras e preconceitos. No caso do futebol nacional, ainda considerado como uma reserva masculina, ideia reforçada pela medicina e pela biologia que consideravam sua prática imprópria para mulheres, uma das estratégias forjadas com base nas convenções sociais foi definir a mulher praticante de futebol como lésbica, ou seja, fora dos padrões da normalidade sexual, como forma pejorativa de identificá-la, estigmatizando e rotulando historicamente essas jogadoras (MORAES, 2012, grifos meus).

O esporte de alto rendimento tem como objetivo principal a produtividade. Assim “a ideia estigmatizada de que os homens atletas são mais fortes e competitivos em comparação às mulheres atletas, não só pelos fatores biológicos, mas também pelos sociais e psicológicos, tem sido construída ao longo do tempo” (SIMÕES, 2004, p. 37). Nesse sentido, “é que existe toda uma manifestação sobre a moralidade da „masculinização‟ da mulher no mundo dos esportes individuais e coletivos” (SIMÕES, 2004, p. 37). A competição e o sucesso das mulheres é o que as fazem superar e vencer os valores predominantes da sociedade (SIMÕES, 2004). Essa ideia de “masculinização” da mulher seria uma estratégia para a manutenção do domínio dos homens no esporte.

As mulheres atletas sempre tiveram de encarar o preconceito social de dois tipos: primeiro, que suas „diferenças físicas‟ as faziam muito menos competentes para o esporte do que os homens, e, segundo, que a prática esportiva as masculinizava, tornando-as mulheres „anormais‟ e/ou lésbicas (MARY JO FESTLE apud ADELMAN, 2003, p. 448).

Por isso, as mulheres atletas, neste caso as profissionais, acabam tomando cuidado para que sua prática não comprometa a sua feminilidade.

A suspeita de homossexualidade das mulheres jogadoras de futebol/futsal7 é uma concepção socialmente construída. “Trata-se de uma prática discursiva no sentido de exercer controle sobre as mulheres, seja no que se refere à experiência esportiva, seja ao gênero e à sexualidade” (ALTMANN; REIS, 2013, p. 223). Quando mulheres efetuam boas jogadas, independente das modalidades praticadas, são elogiadas. Quando erram são criticadas e mandadas “para trás do fogão”. “O bom desempenho no esporte é condição indispensável não apenas para a atuação dentro de campo, mas também para sua aceitação social” (ALTMANN; REIS, 2013, p. 224).

Hoje, os filmes, como artefatos culturais, fazem um maior investimento e dão mais visibilidade a determinadas práticas realizadas pelas mulheres, demonstrando o preconceito, as restrições e limitações que ainda existem, e as barreiras que algumas realidades apresentam quando se trata das mulheres.

Fazendo menção ao cinema, o filme “Ela é o cara” traduz um pouco da realidade feminina no mundo e também no Brasil. A atriz principal se faz passar pelo irmão para jogar em um time masculino de sua escola após o time feminino ter sido extinto pelo técnico e ela ser proibida de jogar com os meninos, mesmo sendo boa atleta. No final ela acaba sendo aceita no grupo. Não estariam, então, algumas de nossas atletas se escondendo para serem aceitas? E nossas aulas de Educação Física não estariam dando tratamento diferenciado a meninos e meninas?

Remetendo-nos ao espaço das aulas de Educação Física, a exclusão no esporte (citando como exemplo, nesse caso, o futebol) não ocorre apenas na ordem de gênero, e sim de habilidades. A boa habilidade futebolística garante às meninas a inclusão/participação nos jogos com os meninos, que também excluem outros meninos da prática caso não sejam habilidosos.

Apesar, no entanto, de todos os problemas em relação ao esporte de alto rendimento, na modalidade do futsal

as jogadoras brasileiras são as únicas que recebem remuneração para jogar neste momento da carreira, embora não sejam registradas como atletas profissionais. Elas recebem bolsas de seus clubes e do governo brasileiro para jogar, além de bolsa de estudo em cursos universitários (ALTMANN; REIS, 2013, p. 213).

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Cito esses esportes porque são exemplos de grande preconceito em relação à sexualidade das mulheres.

Esse apoio, entretanto, não ocorre na iniciação, mas somente após a construção de certo nível de habilidade futebolística por parte das mulheres. O mesmo acontece com a torcida, que demonstra interesse após comprovar que “vale a pena” assistir o espetáculo esportivo.

A iniciação esportiva das meninas geralmente ocorre na companhia de homens, tais como pais, primos, irmãos. Ela se dá de forma informal, entre pares, em espaços como a rua ou o pátio de casa. “Elas partilham dessa experiência futebolística com meninos, sem a companhia de outras meninas, e sem a intervenção de algum profissional do ramo” (ALTMANN; REIS, 2013, p. 214).

O futebol entrou na tua vida através da escola? Não, veio desde

pequena mesmo. E quem te influenciou a jogar? Irmão, primo, sempre chegava a tardinha a gente se reunia atrás de casa e jogava. Foi antes de entrar na escola (JOANA, 24 anos).

Alguns estudos se propuseram a pesquisar a iniciação esportiva das meninas.

Eriberto Moura (2003), em pesquisa com seis ex-jogadoras de futebol de campo da equipe do Guarani Futebol Clube de Campinas (1983-1984), constata que duas iniciaram sua prática de futebol com 10 anos de idade, uma com menos de dez anos, uma com cinco anos, uma com onze anos e outra com 15 anos. Dentre elas, apenas uma teve sua iniciação em uma escola e com participação apenas de meninas. Em todos os outros casos a iniciação deu-se em espaços de lazer em grupos mistos e de idades variadas, incluindo, em alguns casos, homens adultos (MOURA, 2003 apud ALTMANN; REIS, 2013, p. 215, grifos meus).

Muitas vezes a iniciação das meninas em determinadas modalidades é baseada em suas características físicas/biológicas, como a altura, por exemplo, que de certa forma é um elemento a mais de inserção em modalidades como o voleibol ou basquetebol, mais determinantes em alguns casos do que a paixão pelo esporte. Isto tem também o seu lado positivo no sentido de que em determinada idade as meninas sentem-se incomodadas com a sua altura, o que gera até mesmo apelidos pejorativos (podemos citar aqui girafa), e assim essa “anomalia da feminilidade”, como destacado por Adelman (2003), se concilia a partir da prática esportiva, despertando, em minha opinião, um sentimento de pertença.

Por outro lado, “para elas se reproduz um fenômeno comum do cenário esportivo brasileiro: o esporte se torna uma grande oportunidade de ascensão

social, mas o jogador ou a jogadora insere-se nele como „mais uma peça‟ nesse complexo esportivo nacional e internacional” (ADELMAN, 2003, p. 461).

Outro clássico do cinema – “Menina de ouro” – traz algumas das lutas sociais e esportivas enfrentadas por mulheres do Brasil e do mundo. Maggie Fitzgerald é uma mulher de 31 anos que trabalha como garçonete desde os 13 e seu maior sonho é ser lutadora de boxe. Há três anos ela treina sozinha, buscando um treinador e uma chance de mostrar o que quer e gosta de fazer.

Frankie Dunn é um calejado treinador de boxe que sofre com a dolorosa separação da filha. Juntamente com Eddie Scrap, um veterano lutador, ele administra uma decadente academia de boxe. Frankie reluta em treinar Maggie, dizendo que ela está muito velha e que não treina mulheres. Após a insistência dela, sua determinação, sua história, ele cede e inicia os treinos. “Você não vai chorar né”, insiste Frankie (MENINA DE OURO, 2004). Após um ano e meio ela se transforma em uma grande lutadora; viaja o mundo derrotando as adversárias e se transformando na paixão dos torcedores.

Maggie, entretanto, não estava satisfeita e queria uma grande luta: o campeonato mundial. Para isso precisava enfrentar uma exímia lutadora e também desleal. A luta foi acirrada. Maggie apanhou muito, e quando estava perto de vencer a luta, no intervalo de um dos rounds a adversária lhe dá um golpe e ela cai desacordada sobre um banco, quebrando algumas vértebras e lesionando gravemente a medula, não tendo chance de voltar a andar, passando a respirar 24 horas com a ajuda de aparelhos. Mais tarde os médicos amputam uma de suas pernas e ela pede a Frankie para morrer, pois não conseguirá viver daquela forma. Ela diz a ele que ganhou tudo o que queria, e então ele acata o pedido dela e ela morre.

“Eu sabia que não devia treinar ela, por ser mulher” (MENINA DE OURO, 2004). Mesmo diante de tais circunstâncias, sabendo que este episódio poderia acontecer com qualquer um, ele ainda insiste que ela era uma mulher.

E quando o preconceito vem de pessoas próximas, da própria família? Após ganhar algumas lutas, Maggie compra uma casa para a mãe que vivia em condições precárias ganhando pensão e remédios do governo. “Arruma um homem pra você e faça o que tem que fazer. As pessoas sabem o que você faz. Me dói dizer isso, mas elas riem de você” (MENINA DE OURO, 2004).

Os primeiros que deveriam incentivar são os que, muitas vezes, criticam, porque se preocupam com “o que os outros vão dizer”. O preconceito está mais presente na cultura do que nas instituições esportivas, pois tem grande influência na adesão e/ou permanência das mulheres em determinadas práticas. As famílias podem sim ser grandes desmotivadoras quando incorporam em seus discursos as desigualdades de gênero, ou grandes alicerces das meninas e mulheres quando as apoiam e as acompanham. Joana sempre recebeu apoio da família, mesmo praticando um esporte que antigamente fora proibido às mulheres por considerarem- no violento.

Recebo apoio da família; namorado também acompanha nos jogos; ele acompanha, incentiva, então ele ajuda mesmo (JOANA, 24

anos).

Assim como o boxe, a vida das mulheres esportistas é uma luta. Tem que se superar, vencer e se chorar são fracas. “Você não vai chorar né?” (MENINA DE OURO, 2004) – Frankie dizia sempre a Maggie. São reconhecidas quando ganham e mesmo assim são criticadas. Diferente do boxe, as lutas da vida não são vencidas no primeiro round, com um só nocaute.

Na realidade esportiva o boxe feminino demorou a ser aceito. Nos jogos Olímpicos, evento de âmbito mundial, competições femininas apenas surgiram em 2012.

Preconceito, perseguições, falta de recursos, alegria, emoção, conquista, esperança, glória – eis alguns dos ingredientes do filme “Mulheres Olímpicas”, de Laís Bodanzky. O filme lembra quão recente é a história da participação de mulheres brasileiras em Olimpíadas. A primeira participação foi em 1932, em Los Angeles, e a primeira medalha veio mais de 60 anos depois, em Atlanta. Só na mais recente edição dos Jogos, em Londres-2012, que todos os países participantes tiveram representantes mulheres e pela primeira vez foi incluído o boxe feminino, fazendo com que pela primeira vez na história as mulheres participem de todos os esportes olímpicos (JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, 2013).

Estereótipos construídos socialmente e associações com a prática de atividades físicas foram temas discutidos também nas academias. “A construção de corpos masculino-feminino, tratada como espaços de manifestações culturais centradas no corpo, com características associadas à performance, velocidade,

força, agilidade, produtividade, preconizando práticas diferenciadas para homens e mulheres” (MELO, 1998 apud DEVIDE, 2005, p. 34).

Nas academias, Melo (1998) “encontrou a polaridade ginástica e musculação, a primeira visando um trabalho mais leve e aeróbico e a segunda a hipertrofia e força musculares, praticadas, em sua maioria, respectivamente por mulheres e homens” (MELO, 1998 apud DEVIDE, 2005, p. 34).

A musculação naquele período não era uma prática vivenciada pelo público feminino. E a academia que eu praticava não tinha

musculação. Então não era uma prática que se falava nesse período; eu não saberia te dizer o ano; teria que fazer a conta, assim, mas não se falava em musculação. Então, tinha principalmente o público

feminino no caso era a ginástica, então a localizada que era uma

modalidade muito vivenciada, muito procurada, aquele período era ginástica aeróbica e começou depois as aulas de step (PAULA, 49

anos, grifos meus).

Aí teve um período do ano que quando eu me formei, eu comecei a trabalhar em academia. Aí eu trabalhava 30 horas semanais com prática, então eu continuava a prática porque eu dava aula; aí que eu comecei aos poucos inserir a musculação e continuei a corrida. Então depois de uns 4 anos eu comecei a musculação e nunca mais parei com a musculação, não faço mais ginástica localizada, hoje praticamente a ginástica localizada é uma modalidade que está meio extinta, mas a corrida permanece e a musculação (PAULA, 49 anos).

Parece que todas as práticas corporais que envolvem as mulheres apresentam um diferencial em relação aos homens. Esta é uma realidade que percorre os anos e ainda existe, porém em menor proporção.

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