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3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.6 Ser mulher ativa atualmente

Qual seria o ideal de corpo ou o objetivo com o esporte/prática corporal das mulheres atualmente? Seriam elas influenciadas por padrões da mídia?

Inicio esta seção com tal questionamento, pois precisamos considerar as mídias e isso inclui televisão, revistas, internet, etc., como influentes nos comportamentos de algumas mulheres, ligados à adesão de dietas, de exercícios, enfim, de práticas padronizadas difundidas nos meios de comunicação.

[...] com a ruptura ou declínio da domesticidade feminina, o padrão da fragilidade começa a ceder terreno a um novo ideal, mais

adequado à noção da “mulher ativa” que começa a construir-se, nas primeiras décadas do século XX. Por outro lado, a cultura de beleza feminina da nossa sociedade – que se vale do atual poder das imagens, de uma forma sem precedentes históricos – atualizou-se a partir da incorporação dessa noção da “mulher ativa”, elaborando novos padrões que desembocam na atual ênfase no fitness. O corpo feminino “ideal” é magro e firme, embora não “musculoso demais” – e requer muitas horas de trabalho, de investimentos em tempo e dinheiro que, com certeza, não estão à disposição de uma boa parcela da população feminina (ADELMAN, 2003,p. 448).

A busca da feminilidade é considerada um caminho de sucesso e aceitação das mulheres em nossa cultura (BORDO, 1997 apud ADELMAN, 2003). Essa feminilidade pode ser entendida como estética da limitação, a qual, não sendo aceita pelas mulheres, é compreendida como resistência (ADELMAN, 2003). Existe nesta questão dois paradoxos: de um lado a entrega à atividade, mesmo que essa transgrida normas relativas à feminilidade, no sentido de postura, movimento, atitudes “agressivas” ou “competitivas”, etc.; “por outro lado, a possibilidade de a atividade esportiva feminina se adaptar à feminilidade normativa e à atual cultura do corpo, que subordina a capacidade à aparência e a autodeterminação à reprodução de padrões socialmente prezados” (ADELMAN, 2003, p. 451).

Deste modo, a partir das falas buscaremos identificar se há influência ou não nas atitudes das mulheres pesquisadas em relação as suas práticas.

Retomando um pouco do que já foi exposto anteriormente, ser mulher ativa atualmente exige alguns esforços. É abdicar de algumas coisas (inclusive ter filhos) e adaptar a sua rotina em função do exercício:

É bem complicado porque, assim, tu não tem, hoje a gente diz assim que não tem domingo, porque domingo, durante a semana, trabalha, estuda e no domingo se você quer praticar tu tem que ir nos treinos, então é decorrente disso. Mas tu leva; um final de semana tu treina, outro final de semana tu vê a família, tu separa, tem que fazer separado (JOANA, 24 anos).

Eu acho que é essa coisa de buscar alternativas e se adaptar. Então eu não consegui mais frequentar a academia com horário fixo, nem me matricular. Então às vezes nas férias eu me matriculava em aulas de dança, aulas de alguma coisa assim, mas durante o ano a rotina de trabalho ela dificulta bastante isso; então por isso que a gente

tem que ter uma motivação maior e querer aquele bem-estar do exercício, então tem que se adaptar, então às vezes eu acordo as 6

horas da manhã pra correr meus 20 minutos, moldar a rotina de trabalho, então eu tenho agora moldado pra diminuir a carga horária

de trabalho pra poder contemplar as horas de atividade física, então tenho priorizado isso, mas é uma adaptação. Na maioria das vezes

a força é contrária né, de tu ter que trabalhar a semana inteira não

ter tempo de fazer atividade física, mas eu tenho tentado fazer isso diferente, não é muito simples, mas existe bastante recursos hoje; acho que a gente tem que buscar isso (ANA CLARA, 41 anos, grifos

meus).

Exige também esforço físico, disciplina, cuidado com o corpo, alimentação, atenção às lesões, adaptação, motivação, controle psicológico.

Por outro lado, a prática é importante:

É uma forma de tu esquecer às vezes os problemas, porque tu vai lá joga o futebol, foca naquilo; então tu esquece um pouco do cotidiano assim, uma forma assim prazerosa de tu querer se divertir, dar risada, correr, suar, então é um coisa assim, é ótimo assim, eu adoro, adoro. Então eu não me vejo sem fazer uma atividade ou alguma coisa (JOANA, 24 anos).

Eu falo muito a questão da saúde, mas não, eu deixo a estética

muito presente. Eu vejo assim partindo do que eu trabalho, partindo

dos meus alunos de personal o quanto isso é importante na questão do envelhecimento humano. Eu me vejo com 49 anos e com condições de trabalhar, tipo eu ergo peso na academia, eu não tenho dor em relação a algumas pessoas mais jovens; então eu atribuo que é pelo trabalho que venho fazendo de musculação que me dá esse

suporte pra conseguir estar trabalhando e pensar num

envelhecimento mais saudável. Mas, eu vejo assim a questão do estresse; me ajuda principalmente o trabalho aeróbico, que é uma coisa que eu noto que fisiologicamente me deixa superbem. A questão de manter o peso é outro fator; a questão da estética que eu falei anteriormente. Então eu vejo o quanto de força muscular eu tenho, o quanto de resistência cardiorrespiratória; então assim o meu trabalho é a base, eu não me vejo sem e eu digo assim que o

exercício físico tem um papel importante para o envelhecimento humano, agora que isso vai me garantir que eu vou ter um

envelhecimento saudável até quando eu não sei; eu tenho feito todo o cuidado pra chegar num envelhecimento saudável (PAULA, 49

anos, grifos meus).

Se por um lado é desgastante, por outro é muito gratificante. Podemos perceber na fala das duas entrevistadas a diferenciação no objetivo com a prática: para Joana, é esquecer dos problemas, é bem-estar, mesmo que isso custe não ver a família; já para Paula, envolve a questão da estética, da saúde e a preocupação com um envelhecimento com saúde e qualidade de vida.

Diante das muitas atividades que as mulheres realizam, o exercício pode ser destacado como prioridade, quando ela consegue perceber os benefícios que ele proporciona, praticando-o regularmente:

Bom, pra mim assim ela tá nas prioridades da minha vida, a prática de atividade física; então hoje assim hoje o meu bem-estar físico vai me levar a um bem-estar mental, psicológico, emocional através do exercício físico. Então não vejo minha vida sem atividade física

mais; então ela tá nas prioridades mesmo e além da gente poder a

partir da atividade física ter assim uma vida social também é bem legal, bem bacana. Qual é tua rotina de exercício físico? Eu to fazendo agora o acompanhamento; tem uma rotina de treino assim com treino de peso com musculação, duas a três vezes na semana e as atividades aeróbicas daí que variam. Então eu, no fim de semana, geralmente eu faço pedalada. Agora no verão eu to fazendo hidroginástica no clube, o tênis às vezes fica no final de semana e a corrida é diária, então tento intercalar (ANA CLARA, 41 anos, grifos

meus).

Não consegui identificar nas falas das entrevistadas a resposta para a pergunta feita no início desta seção. Pude perceber que se mantêm ativas, que os seus objetivos com as práticas são mais de ordem individual, subjetiva de cada uma. Saúde é algo que todas buscam, juntamente com o bem-estar, a qualidade de vida, a estética, o envelhecimento saudável. Os meios de comunicação, nesse caso, tiveram uma influência positiva.

[...] buscava aulas na televisão. Na época eu lembro que eu acordava cedo pra fazer o Vida Ativa antes da aula. Eu sempre precisava fazer uma atividade física. Então meio como autodidata assim, eu fui fazendo porque às vezes era difícil conciliar o tempo do estudo, da faculdade, das atividades de trabalho com a minha, com uma atividade assim fixa; então eu fazia por conta, e aí busquei também a parte de alguns exercícios de ioga, de alongamento, que eu faço até hoje assim, independente, faço em casa (ANA CLARA,

41 anos, grifos meus).

Tenho agora estudado mais sobre isso; a parte fisiológica mesmo do corpo que responde à atividade física (ANA CLARA, 41 anos).

Não conseguir conciliar estudo, trabalho e uma prática fixa, fez Ana Clara realizar atividades de forma independente muitas vezes.

E agora daí eu tô fazendo trabalho com uma personal trainer pra poder adaptar a minha rotina de trabalho que não assim muito fixa,

pra eu poder fazer exercícios aonde eu estiver. Tanto exercício de

musculação quanto exercício aeróbico.

E o preconceito, passado algum tempo depois de determinadas restrições, ainda existe?

Infelizmente o preconceito ainda se faz presente e vem por meio de um viés cultural e não necessariamente da instituição esportiva a que as mulheres pertencem. Ele aparece quando há proibição dos pais, ou quando estes pedem para pegar “mais leve” com as mulheres para não as machucar, e ainda quando a família considera a atividade como um hobby e não como profissional. Ocorre quando não se dá o devido valor às práticas realizadas pelas mulheres, quando elas ainda são consideradas fracas em relação aos homens. Acontece quando o salário das mulheres atletas é muito inferior ao dos homens.

Nas palavras de uma das entrevistadas:

Ainda há preconceito, não como antes, mas ainda tem. No próximo

ano terá um campeonato em Ijuí e os atletas homens disseram que

as mulheres ajudam na cozinha fazendo a comida. Então eu disse: “mas eu sei fazer outras coisas além de comida, posso ajudar na organização dos jogos”.

Antes só tinha uma quadra de tênis na AABB e só os homens

jogavam. Eles não diziam “vocês querem jogar”. Hoje com a outra

quadra eles sentam assistir os nossos jogos.

Na rústica que teve em Porto Alegre foram 6 mulheres e 10 homens, a participação delas ainda é menor. Algumas colegas abrem mão do exercício para cuidar dos filhos ou fazer outra coisa (ANA CLARA, 41

anos, grifos, meus).

Ana Clara ainda destaca que é preciso estar sempre buscando, provando que podem fazer outras coisas além de ficar na cozinha. “As grandes dificuldades, o desejo de competir em igualdade de condições, a capacidade e, sobretudo o vigor das mulheres, conquistam espaço e são fatores que tipificam o estilo de cada uma delas” (SIMÕES, 2004, p. 39). Há diversas possibilidades de ser atleta e de ser mulher, pois o mundo das práticas corporais e esportivas é muito amplo, e além disso elas têm uma grande capacidade de adaptação a novos desafios.

Ana Clara, além de praticante de exercício físico regular, é uma grande incentivadora. Nos cursos que ministra destina um tempo para fazer com as mulheres uma caminhada ou uma corrida em torno de 30 minutos.

Anos atrás havia bastante preconceito sim, pois não tinha tanta divulgação como tem hoje, agora já passa na TV os jogos, a jogadora Marta escolhida a melhor do mundo, também minhas

companheiras casadas até brigavam com os maridos para sair jogar, hoje está mais fácil, eles até acompanham. Os preconceitos eram que futebol era esporte para homem, mulher de perna roxa, tem aquelas que se vestem como menino, cabelo curto, agora com a mídia e as mulheres dominando o mundo (risos), não há mais tanto comentários. Já temos bastante incentivos e

muita gente querendo patrocinar o futebol feminino (JOANA, 24 anos, grifos meus).

Volto a afirmar que existe uma luta individual das mulheres, mais do que movimentos feministas e resistência. Corroboro com Jorge Knijnik, que cita um documentário denominado “Esporte substantivo feminino”:

Os movimentos feministas não levaram em consideração a área do esporte, ninguém pensou que o esporte poderia ser um campo de ampliação de direitos. A mulher foi construindo o seu caminho no esporte até certo ponto de forma apolitizada, se acontece algo não havia pra onde correr, historicamente as mulheres foram conquistando espaço sobretudo por luta individual (2010, grifos meus).

Em todos os segmentos sociais e esportivos as mulheres buscam consolidar- se por seus méritos, pelas suas capacidades e pelos seus valores, procurando, muitas vezes, aliar as tarefas domésticas e o trabalho fora com as práticas socioesportivas e esportivas competitivas (SIMÕES, 2004). As dificuldades, os preconceitos e estigmas e os próprios desafios do universo esportivo, principalmente de alto rendimento, levam a mulher, por meio de suas lutas, a querer conquistar um espaço que também é seu por direito e que, infelizmente, não depende somente dela para conquistá-lo (SIMÕES, 2004).

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