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As mulheres têm uma trajetória diferente da dos homens nos esportes, nas práticas corporais assim como no âmbito social. Diferenças baseadas em concepções sexistas conferem ao biológico as diversidades entre homens e mulheres. Faz-se necessário, no entanto, considerar a categoria gênero, como uma construção histórica, social e cultural.

Ao longo da História muitos foram os significados atribuídos à palavra gênero, passando pelo individual, político, histórico até chegar ao que temos hoje. Nesta seção, buscamos um pouco destes significados, relacionando com a temática em questão que envolve as mulheres e o estilo de vida ativo, seja nas práticas corporais e/ou esportivas.

Parte-se da premissa de que o ser humano nasce macho e fêmea, ou seja, apresenta um sexo biológico. Na medida em que estes se desenvolvem e, por

influência cultural e histórica, adquirem a identidade feminina ou masculina, a eles e a elas foram e ainda são designadas atividades consideradas específicas. “A distinção básica é a associação do sexo com as dimensões biológicas e do gênero com aquelas sociais e culturais” (DEVIDE, 2005, p. 32). Segundo o mesmo autor, no entanto, “sexo e gênero estão relacionados e não devem ser interpretados separadamente ou enquanto significando a mesma coisa” (p. 32).

“As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise só apareceram no final do século XX” (SCOTT, 1995, p. 89). A autora destaca que “o termo gênero faz parte das tentativas levadas pelas feministas contemporâneas para reivindicar certo campo de definição, para insistir sobre o caráter inadequado das teorias existentes em explicar desigualdades persistentes entre mulheres e homens” (p. 19). Na escola, esta categoria de análise surge quando as aulas de Educação Física passam a ser mistas e se percebe nitidamente diferenças de habilidades, gostos e interesses e os conflitos iniciam.

O gênero deve ser perspectivado como uma construção histórica das relações de poder entre homens e mulheres, e deve contemplar definições plurais de masculinidade e feminilidade (CONNELL, 1990 apud SILVA, 2005, p. 31).

Assim como construção social o gênero varia ao longo do tempo e de cultura para cultura. Acima de tudo, gênero refere-se às relações sociais nas quais indivíduos e grupos atuam (CONNELL, 2002 apud SILVA, 2005, p. 32).

Ainda, o conceito de gênero nos permite pensar que se pode ir além da polaridade binária masculino/feminino, possibilitando-se lidar como gênero no entrecruzamento de outros indicadores, tais como raça, etnia, classe social, orientação sexual (SILVA, 2005).

O gênero é uma produção humana, tal como a linguagem, o parentesco, a religião e a tecnologia; tal como estas o gênero organiza a vida humana em sociedade por padrões culturais. O gênero parece organizar as relações sociais em quase todos os aspectos da vida, do dia-a-dia, bem como nas macro estruturas sociais como, por exemplo, as classes sociais. Estas estruturas generificadas reforçam-se e reproduzem-se (SILVA, 2005, p. 39).

O gênero pode ser considerado um processo que vai se desenvolvendo ao longo da vida e sendo apropriado pelos indivíduos em uma sociedade. Deste modo, estes desenvolvem identidades de gênero e apresentam imagens generificadas, (PFISTER, 2002 apud SILVA, 2005, p. 39) bem como estereótipos e atitudes discriminatórias principalmente em relação às mulheres.

Hoje é praticamente impossível não perceber que homens e mulheres são diferentes; isto pelas vivências culturais que lhe são apresentadas socialmente, que por vezes acabam sendo vistas como algo natural, passando a se tornar um processo de construção de desigualdades entre os sexos (SILVA; GOMES; QUEIRÓZ, 2006).

Por muito tempo, as diferenças entre homens e mulheres baseavam-se em concepções biológicas. Ao longo dos anos, no entanto, além da biologia, incorporou- se concepções culturais que, de certa forma, impõem determinados comportamentos considerados específicos a cada gênero.

Como uma categoria analítica “gênero”, permite refletir sobre o caráter relacional dos sexos, evidenciando, sobretudo, que não é apenas o sexo biológico que estabelece diferenças entre homens e mulheres mas, também, aspectos sociais, históricos e culturais. Desestabiliza, portanto, a noção da existência de um determinismo biológico cuja noção primeira afirma que homens e mulheres constroem-se masculinos e femininos pelas diferenças corporais e que essas diferenças justificam determinadas desigualdades, atribuem funções sociais, determinam papéis a serem desempenhados por um ou outro sexo (GOELLNER; FIGUEIRA, 2004, p. 13).

Não se trata aqui de excluir o fator biológico no momento de considerar as diferenças, porém refletir que existem outros fatores influentes. O gênero engloba ainda,

[...] as formas de construção social, cultural e lingüística que estão implicadas nos processos de diferenciação entre mulheres e homens, levando em consideração, portanto, que as instituições, as leis, as políticas, as normas, enfim, os processos simbólicos de cada cultura, ao mesmo tempo que são constituídas por representações de masculinidade e feminilidade, produzem essas representações

ou, ainda, as ressignificam (MEYER, 2000 apud GOELLNER; FIGUEIRA, 2004, p. 14).

Desta forma, são construídos corpos masculinos e femininos e neles marcas estão inscritas, pois, o corpo “é provisório, mutável, e mutante, suscetível a inúmeras intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura” [...] (GOELLNER; FIGUEIRA, 2004, p. 14).

Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele se exibem, a educação de seus gestos... enfim, é um sem limite de possibilidades sempre reinventadas, sempre à descoberta e a serem descobertas. O corpo é o que dele se diz, isto é, o corpo é construído, também, pela linguagem. Ou seja, a linguagem não apenas reflete o que existe. Ela própria cria o existente e, com relação ao corpo, a linguagem tem o poder de nomeá-lo, classificá-lo, definir-lhe normalidades e anormalidades, instituir, por exemplo, o que é considerado um corpo belo, feminino, jovem e saudável. Representações estas que não são universais nem mesmo fixas. São sempre temporárias, efêmeras, inconstantes e variam conforme o lugar/tempo onde este corpo circula, vive, se expressa, se produz e é produzido. E também onde se educa, porque diferentes marcas se incorporam ao corpo a partir de distintos processos educativos presentes na escola, mas não apenas nela, visto que há sempre várias pedagogias em circulação. Filmes, músicas, revistas e livros, imagens, propagandas são também locais pedagógicos que estão, o tempo todo, a dizer de nós, seja pelo que exibem ou pelo que ocultam. Dizem também de nosso corpo e de nossa identidade de gêneros, por vezes, de forma tão sutil que nem mesmo percebemos o quanto somos capturadas/os e produzidas/os pelo que lá se diz (GOELLNER; FIGUEIRA, 2004, p. 14).

O gênero refere-se também às práticas sociais construídas no cotidiano que tendem a sofrer transformações constantes (DEVIDE, 2005). “Quanto ao homem e à mulher, o gênero se relaciona aos comportamentos, atitudes e discursos esperados de ambos os sexos, nas múltiplas esferas sociais em que homens e mulheres estão inseridos” (p. 29). “Os corpos fazem-se femininos e masculinos na cultura e essas representações, apesar de serem sempre transitórias, marcam nossa pele, nossos

gestos, nossos músculos, nossa sensibilidade e nossa movimentação” (GOELLNER, 2007, p. 3).

No campo do esporte,

[...] Os gestos, as musculaturas, as roupas, os acessórios, os suplementos alimentares, carregam consigo significados que, na nossa sociedade e no nosso tempo, estão associados ao feminino e ao masculino. Essas marcas produzem efeitos e, não raras vezes, são reclamadas para justificar a inserção, adesão e permanência de homens e mulheres em diferentes práticas corporais e esportivas (GOELLNER, 2007, p. 3).

Faz-se presente a ideia de que estas características estão associadas ao que é chamado determinismo biológico, que são as “normas comportamentais compartilhadas bem como as diferenças sociais e econômicas existentes entre os grupos humanos – principalmente de raça, classe e sexo – que derivam de distinções herdadas e inatas” (GOULD, 1999, p. 4). Nesse ínterim,

Biologia e cultura se hibridizam e constituem o corpo humano e, nenhum desses pólos, é único, fixo e determinante. O corpo não está fora da cultura e da história. Como objeto de conhecimento é uma categoria construída por um discurso particular que, ao enfatizar as diferenciações biológicas, o trata como dado e natural. O discurso biológico que legitima a diferenciação entre homem e mulheres no esporte não passa, portanto, de uma construção discursiva (GOELLNER, 2007, p. 6).

“Poderemos, então, aceitar que o esporte é um local de produção de corpos generificados, não porque são generificados em sua essência, mas porque são assim construídos no interior das práticas, saberes e discursos que o integram e que estão no seu entorno” (GOELLNER, 2007, p. 6). O esporte dispõe do corpo humano, que é alvo de estereótipo de gênero, é por isso que o esporte pode ser considerado uma instituição generificada, sendo também influente em comportamentos e atitudes, generificador.

Os esportes organizados são uma “instituição generificada” – uma instituição constituída por relações de gênero. Enquanto tal, sua estrutura e valores (regras, organização formal, composição sexual, etc.) espelha concepções dominantes de masculinidade e feminilidade. Os esportes organizados são também um “fenômeno generificador” – um fenômeno que ajuda a construir a ordem de gênero vigente (MESSNER, 1992 apud KNIJNIK, 2004, p. 65).

Relações de poder no esporte apontam para a discriminação da mulher baseada no sexo e considerada incapaz de praticar certas modalidades. Em muitos esportes esta é a única distinção biológica levada em consideração, como se a estatura, peso, gordura, entre outras não pudessem ser relevantes também aos homens.

É inquestionável a visibilidade que o esporte, nas suas mais diferentes dimensões, tem na cultura contemporânea. Tornou-se um território de exposição de corpos femininos e masculinos que, ao exibirem-se e serem exibidos, educam outros corpos. Educam a consumir produtos e serviços, idéias e representações (de saúde, sensualidade, beleza, sucesso, etc), a desfilar marcas, a padronizar gestos, a comercializarem-se, a fabricar imagens heróicas, a expressar emoções, a superar limites, a criar necessidades e também a vender o próprio corpo como um dos produtos de uma sociedade que valoriza o espetáculo, o consumo, a estética, a juventude e a produtividade. Educam, também, masculinidades e feminilidades (GOELLNER, 2007, p. 6-7).

Scott (1995) traz ainda uma definição de gênero que tem duas partes e várias subpartes: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (p. 21).

Como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, o gênero implica quatro elementos relacionados entre si: primeiro – símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações múltiplas (freqüentemente contraditórias) – Eva e Maria, como símbolo da mulher, por exemplo, na tradição cristã do Ocidente, mas também mitos da luz e da escuridão, da purificação e da poluição, da inocência e da corrupção. (...) Segundo – conceitos normativos que colocam em evidência interpretações do sentido dos símbolos que tentam limitar e conter as suas possibilidades metafóricas. Esses conceitos são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas e tipicamente tomam a forma de uma oposição binária que afirma de forma categórica e sem equívoco o sentido do masculino e do feminino (SCOTT, 1995, p. 91).

(...) O objetivo da nova pesquisa histórica é explodir a noção de fixidade, descobrir a natureza do debate ou da repressão que leva a aparência de uma permanência eterna na representação binária dos gêneros. Esse tipo de análise tem que incluir uma noção do político,

tanto quanto uma referência às instituições e organizações sociais. Esse é o terceiro aspecto das relações de gênero (SCOTT, 1995, p. 92).

“O quarto aspecto do gênero é a identidade subjetiva. Conferências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial aos recursos materiais e simbólicos, o gênero torna-se implicado na concepção e na construção do poder em si” (SCOTT, 1995, p. 92-93).

Apresentamos maiores exemplos sobre o esporte, pois é um território no qual surgem atitudes discriminatórias e questões relacionadas ao gênero, bem mais do que em outras práticas corporais. “As representações polarizadas de gênero sempre encontraram no esporte um vasto campo para se manifestarem” (KNIJNIK; SOUZA, 2004, p. 194).

“Neste campo a hegemonia masculina talvez seja mais resistente à mudança do que em outras áreas da cultura, não representando somente a desigualdade de gênero, mas também a sua manutenção em contextos que transcendem a prática do esporte” (THÉBERGE, 1994 apud DEVIDE, 2005, p. 39). Esta afirmação se ilustra na luta das mulheres por igualdade de participação em algumas competições e por espaços também na administração esportiva e cargos de liderança.

2 METODOLOGIA

Os relatos orais, tomados por si só, pouco nos acrescentam, pois seria simplesmente o “relato ordenado da vida e das experiências dos outros”, mas, se devidamente historicizados e contextualizados, podem abrir baús do tempo, trazer muitos “não ditos”, revelar experiências “não vistas”, porém pulsantes, cujas vivências caem facilmente na frágua do esquecimento se não colhidas a tempo (FAVERI, 2001 apud ZEFERINO, 2010, p. 22).

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