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1. INTRODUÇÃO

No capítulo 1, observámos que Demonte (1999) acrescenta às classes tradicionais de adjetivos, os qualificativos e os relacionais, uma terceira classe de adjetivos designados adverbiais. Essa classe é subdividida em adjetivos modificadores do significado ou intensão dos nomes e adjetivos eventivos, estando ainda estes grupos subdivididos. A classificação destes adjetivos é relativamente recente e não está ainda amplamente divulgada devido, talvez, ao facto de possuírem, muitas vezes, formas homónimas42 e assumirem, nesses casos, outras funções.

Como neste trabalho nos vamos ocupar da subclasse dos adjetivos eventivos, que compreende os circunstanciais (de tempo43, locativos e de modo) e os aspetuais, convém precisar a designação utilizada pela autora: “determinada por las propiedades eventivas de los nombres cuyo significado y función son similares a los de los adverbios que modifican a los predicados verbales en las oraciones plenas.” (Demonte, 1999, p. 141) e “Por su semejanza con los adverbios y sintagmas preposicionales adjuntos al sintagma verbal los denominaremos “adjetivos adverbiales eventivos circunstanciales”” (Demonte, 1999, p. 141).

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Este aspeto é muito discutido na literatura. Alguns autores defendem que se trata de formas homófonas dos adjetivos, mas com lugar fixo (cf. Milner, 1967), embora a tradição gramatical francesa continue a considerá-los polissémicos, mudando de significado em anteposição. Abordaremos esta questão mais adiante.

Comecemos por apresentar alguns exemplos de adjetivos destes tipos e observar algumas das suas particularidades:

(1) a. A próxima estação é Esmoriz. b. A próxima estação é o verão. (2) a. Hoje está um dia ameno.

b. A Rita e o Rui tiveram uma conversa amena. (3) a. O carro da Rita é um modelo antigo da Renault. b. O carro da Rita é um antigo modelo da Renault.

Em (1), ambas as versões incluem adjetivos do tipo adverbial. (1 a.) apresenta um adjetivo adverbial locativo e (1 b.) um adjetivo adverbial temporal. A estrutura frásica é idêntica, mas os nomes denotam entidades diferentes: no primeiro caso, trata-se de um nome que refere um local e no segundo, é um nome que exprime temporalidade. Em (2 a.), existe um adjetivo qualificativo que denota uma propriedade física do nome “dia” e em (2 b.), o adjetivo não denota uma propriedade física do nome eventivo “conversa”; por isso, não se trata de um adjetivo qualificativo, mas de um adjetivo adverbial de modo. O adjetivo presente em (3 a.) é um adjetivo qualificativo de idade e em (3 b.), um adjetivo adverbial temporal, tendo a mudança na classificação, neste último caso, sido processada não pela alteração no significado ou no tipo de nome, mas pela troca de posição do adjetivo. Note-se que o adjetivo “antigo”, tal como muitos outros, tem a particularidade de, mudando a posição relativamente ao nome, poder mudar também o seu significado. No entanto, anteposto ao nome e modificado por um advérbio de grau pode perder o seu caráter temporal ou, pelo menos, oferecer uma leitura ambígua como na frase “O carro da Rita é o mais antigo modelo da Renault”. Nos exemplos (1) e (2), a posição do adjetivo mantém-se, mas, devido aos nomes modificados, o significado e a classificação alteram-se. No primeiro caso, é “Esmoriz” e “verão” que influenciam a interpretação, dado tratar-se de nomes que referem um local e uma estação do ano, respetivamente; logo, embora os adjetivos sejam localizadores, situam as entidades em domínios diferentes: o primeiro é um localizador espacial e o segundo é um localizador temporal. No segundo caso, o adjetivo qualificativo ameno aplicado a “dia” atribui-lhe uma qualidade, mas, modificando o nome eventivo “conversa”, já não lhe atribui nenhuma qualidade ou propriedade, descreve o modo como a conversa decorreu. Desta

forma, determinados pelas propriedades eventivas dos nomes, muitos adjetivos qualificativos convertem-se em circunstanciais adverbiais. (cf. Demonte, 1999).

De seguida, vamos verificar em que medida a designação atribuída a estes adjetivos por Demonte (1999) é adequada.

a. Propriedades eventivas dos nomes

Observamos, pelos exemplos apresentados, que, embora os adjetivos adverbiais modifiquem nomes com estrutura de evento, o que se constata é que alguns, como “modelo” (cf. (3)), não pertencem a esse tipo de nomes. Demonte (1999, p. 205) defende então que as entidades ou situações, “que, no siendo literalmente acontecimentos, se sitúan en el espacio y en el tiempo bien porque son cosas que “ocurren”, que “tienen lugar” (son objetos-evento en la terminología de Dowty (1979)”, são modificadas temporal ou espacialmente por este tipo de adjetivos. Nomes associados a cargos ou a parentesco são também considerados eventivos, porque se podem constituir como predicados de indivíduo com uma determinada estrutura temporal, pelo menos durante um certo intervalo de tempo.

b. Função de adjunção

Outra característica apontada por Demonte (1999) relaciona-se com o facto de estes adjetivos desempenharem a função de adjuntos. Embora a maioria exerça efetivamente a função de modificador sintático, certos adjetivos constituem-se como verdadeiros complementos. Veja-se apenas um exemplo:

(4) a. Choveu muito no mês passado. b. *Choveu muito no mês.

A frase (4 b.) torna-se agramatical porque “no mês” não permite fazer a localização temporal. Note-se que se, em lugar de “no mês”, colocássemos “este mês”, já haveria, devido à presença do demonstrativo, um enquadramento temporal que nos permitiria interpretar a frase.

c. Relação adjetivo/advérbio

Ainda na definição de adjetivo adverbial, Demonte (1999) explica a utilização da designação “adverbiais” dado que “todas ellas [formas adjetivas] estarían representadas por el adverbio correspondiente en -mente si la expressión en que aparecen fuese oracional en vez de nominal:

(5) Mirada fría. – Miró friamente. / Viaje largo. – Viajó largamente. / Presumible ataque. – Atacarán, presumiblemente.”

(Demonte, 1999, p. 205)

Utilizando esta mesma transformação nos exemplos (1)-(3), renumerados abaixo, verificamos que apenas o exemplo (6) permite essa conversão:

(6) Conversa amena/Conversar amenamente. (7) Próxima estação/# Estacionar proximamente. (8) Antigo modelo/ # Modelar antigamente.

Por aquilo que os exemplos mostram, os adjetivos qualificativos recategorizados como adverbiais (cf. (6)) permitem sem reservas a sua substituição por advérbios sem que se altere o significado. Veja-se a esse propósito a diferença entre “um olhar frio”/”olhou friamente” e “água fria”/ *aguou friamente. Admite-se então que só com nomes eventivos será possível a transformação do adjetivo adverbial em advérbio e que, com nomes não eventivos modificados por adjetivos qualificativos já não será permitida a substituição do adjetivo por um advérbio.

Demonte (1999) refere que os adjetivos adverbiais modais e os marcadores de referência (dois grupos da subclasse dos intensionais) se relacionam com os advérbios que têm escopo sobre toda a frase – advérbios de frase - e que os adjetivos adverbiais circunstanciais têm ligação com os advérbios que modificam o verbo – advérbios de predicado. A sua observação condiz com o exemplo que apresenta “Atacarán, presumiblemente” (p. 205) no qual o advérbio é, de facto, um advérbio de frase que substitui um adjetivo modal.

Giry-Schneider (1997) avança com uma explicação que pode ser pertinente para a compreensão deste problema. Esta autora sugere que numa frase como a de (22) do Capítulo 1, renumerada no exemplo abaixo (cf. (9)), “habitualmente” (cf. 9 b.) é um

advérbio que tem escopo sobre toda a frase e não é equivalente, de facto, ao adjetivo habitual aplicado a “jornal”, propondo então a resolução do problema que consiste em fazer uma paráfrase na qual se insere uma relativa cujo verbo seja a repetição do verbo da frase matriz. Nessa circunstância, o advérbio terá a função de advérbio de predicado. O exemplo (9 c.) dará conta dessa transformação.

(9) a. Compro o meu jornal habitual na livraria S. Jorge.

b. ↔ Habitualmente compro o meu jornal na livraria S. Jorge.

c. ↔ Compro o (meu) jornal que compro habitualmente na livraria S.Jorge Como vemos, a paráfrase feita ainda não é satisfatória porque não é uma implicação da frase original; então, para obviar situações como esta, Giry-Schneider (1997) adianta que, em nomes como “jornal”, o verbo deve ser apropriado ao nome, que, neste caso, é o verbo “ler”. Assim, (9) d. ilustraria essa possibilidade.

d. Compro o (meu) jornal que habitualmente leio na livraria S. Jorge.

2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS ADJETIVOS