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3.4 Entre a medição da duração e a contagem de situações – o caso dos adjetivos denominais que referem períodos de tempo

Na literatura, estes adjetivos encontram-se dispersos entre os adjetivos adverbiais temporais e os adjetivos adverbiais aspetuais. Neste trabalho, integrámos alguns no grupo dos adjetivos de duração contínua delimitada, embora tivéssemos já referido que são suscetíveis de outras interpretações que pretendemos demonstrar a seguir.

Borillo (2001) associa-os ao domínio temporal, identificando aqueles que referem intervalos de tempo medíveis (cf. un tarif horaire, un salaire mensuel, un bail annuel, p. 38), geralmente utilizados como unidades de contagem. Esta unidade de contagem pode ser utilizada de forma iterativa ou cíclica, sendo exemplos destes usos une publication trimestrielle, un banquet annuel, une visite quotidienne (p. 38).

Como já referimos anteriormente, Balogh (2006) integra estes adjetivos no grupo dos adjetivos adverbiais temporais que designam uma duração que se pode delimitar e que é contável em anos, meses, dias, etc., salientando, no entanto, que adjetivos como journalier e quotidien não são temporais, mas aspetuais, porque, embora não indiquem duração92, exprimem a iteratividade ou têm então um sentido distributivo. Mais uma vez recordamos que este autor adverte que “la limite entre les adjectifs aspectuels duratifs et les adjectifs temporels qui expriment une durée de type “long” (qu’on ne peut pas délimiter) est extrêmement mince. En fait, cela dépend de la nature du substantif auquel l’adjectif réfère” (p. 215).

Schäfer (2007), por sua vez, analisa apenas as formas adjetivais que exprimem frequência relacionando as leituras permitidas por estes adjetivos (cf. Stump, 1981)93 com o tipo de nomes aos quais se associam. Assim, com nominais de evento, como “encontro” ou “passeio”, a leitura genérica, no dizer de Schäfer (2007), será exclusiva, e

92 Esta proposta de Balogh (2007) parece-nos um pouco estranha na medida em que um adjetivo aspetual

indica sempre duração, mesmo que seja muito curta como acontece com aqueles adjetivos que concetualmente são considerados sem duração; porém, não é o caso de quotidien.

93 Relembramos as três leituras atribuídas aos adjetivos de frequência por Stump (1981. Os exemplos

pertencem a Schäfer (2007, pp. 2-3):

a. leitura interna – o adjetivo informa sobre a frequência com que o agente desempenha a ação denotada pela nominalização. Exemplo: A frequent liar told Agent Cooper a story.

b. leitura genérica – relaciona o evento com a frequência, tendo o adjetivo a função de quantificar

temporalmente sobre N-eventos. Exemplo: A daily walk is good for your health. ≠ Daily, a walk is good

for your health.

c. leitura adverbial – o adjetivo pode ser parafraseado por um adverbial. Exemplo: An ocasional

com nominalizações agentivas, como “leitor”, predominará a leitura interna, conforme mostram, respetivamente, estes exemplos do português:

(67) Um encontro diário com a namorada põe o Rui feliz. (68) O Rui é um leitor diário de jornais desportivos.

Estes adjetivos, como se compreenderá, são, segundo Schäfer (2007), de frequência absoluta e permitem todas as leituras. No entanto, este autor apresenta o adjetivo diário (He is a daily runner), (p. 4), com leitura interna, como sendo de frequência absoluta e de frequência relativa, explicando, tal como já fizemos para os adjetivos aspetuais de duração contínua delimitável, que essa situação é possível porque os adjetivos de frequência relativa são sensíveis ao contexto assim como aos parâmetros nominal e verbal da frase.

Invocaremos mais uma vez Borillo (2001) com a sua proposta de adjetivos de referência temporal que referem intervalos de tempo medíveis e funcionando como unidades de contagem, como em “tarifa horária”, em “salário mensal” ou em “contrato anual”. Compreendemos que a autora referida os considere temporais dado que, embora a duração seja uma característica típica do aspeto, o tempo é concebido como uma sucessão de intervalos e, por consequência, é natural que também esta categoria possua alguma duração. Borillo (2001) interpreta estes adjetivos como unidades de contagem, utilizando a paráfrase vaut pour exatamente para mostrar a sua natureza contável. Porém, na nossa perspetiva, a interpretação dos exemplos apresentados não é idêntica nos três casos.

Considere-se o caso de “tarifa horária”. De facto, e utilizando a paráfrase de Borillo (2001), a tarifa é válida (no máximo) para uma hora, e, embora aplicando-se a uma duração de uma hora, não significa, porém, que dure uma hora. Neste caso, o adjetivo não mede a duração da tarifa, isto é, não delimita a situação; a sua função é de medição da duração da entidade denotada pelo nome do qual o adjetivo deriva (“hora”).

Relativamente a “salário mensal”, defendemos que o adjetivo mensal se aplica a um intervalo de tempo de um mês, mas, contrariamente a horária, não se poderá afirmar, embora persistam algumas dúvidas na nossa interpretação, que o salário seja válido no máximo para um mês nem que dure um mês. Trata-se antes de um adjetivo aspetual de

frequência94, de que é exemplo a frase seguinte cuja interpretação é a de que em todos os meses do ano o salário sofreu um corte:

(69) O salário mensal do Rui sofreu um corte (durante o ano de 2012).

No que se refere a “contrato anual”, a situação também é diferente das anteriores já que se pode afirmar que o contrato é válido para um ano (cf. (70)) e, de acordo com o conhecimento do mundo, pode inferir-se ainda que o contrato pode renovar-se, isto é, pode repetir-se, e a situação passar a ser de frequência, sobretudo se a expressão nominal for pluralizada (cf. (71)):

(70) A Rita assinou um contrato anual como caixa do supermercado. (71) O António faz contratos anuais com a FLUP.

Apresentámos atrás a nossa proposta de adjetivos aspetuais de duração contínua delimitada, tal como aparecem em expressões como “cadeira semestral”, “bilhete diário” ou “passe mensal”. Estes adjetivos, embora refiram períodos de tempo, têm como função principal a medição da duração de uma situação. Assim, uma “cadeira semestral” é uma cadeira que tem a duração de um semestre e um “bilhete diário” não é um bilhete que se paga ao fim de um dia, mas que pode ter a duração de um dia, isto é, é válido no máximo para um dia. A mesma interpretação se poderá fazer de “passe mensal”. Um dia e um mês indicam, respetivamente, em “bilhete diário” e em “passe mensal”, que as entidades denotadas pelos nomes têm validade nesses intervalos, tal como em “tarifa horária”, mas, simultaneamente, referem também a sua duração, que é delimitada, não exprimindo, no entanto, a frequência. Contudo, em “cadeira semestral”, a situação é ainda diferente de todas as já mencionadas, pois a sua interpretação é de que se trata de uma cadeira que tem a duração de seis meses, mas não é válida no máximo para um semestre. A este grupo acrescente-se ainda aqueles adjetivos denominais que exprimem apenas a frequência, como, por exemplo, em “publicação mensal” ou “comprimido diário”. Propomos, portanto, que estes adjetivos derivados de nomes que referem intervalos de tempo podem ser agrupados da forma que se encontram no quadro abaixo. As subdivisões dos adjetivos que exprimem duração e

94 A atribuição da propriedade da frequência a “salário mensal”, assim como a “uma visita semanal” e a

frequência significam que, dentro do mesmo grupo, poderão subsistir ainda diferenças entre eles.

Tabela 1: Funções dos adjetivos aspetuais denominais

Medição Frequência Medição e Frequência

tarifa horária passe mensal (validade/duração) cadeira semestral (duração) publicação mensal (frequência) salário mensal (frequência) contrato anual (validade/duração/frequência)

Como se pode observar através da tabela acima, com exceção de horária em “tarifa horária”, é o nome ao qual o adjetivo se aplica que determina a função do adjetivo. Observe-se que expressões nominais com o adjetivo horário com função aspetual são difíceis de encontrar, mas com o adjetivo semestral já é possível encontrarmos situações com outros tipos de modificação aspetual, como, por exemplo, em “propina semestral”, em “feira semestral” ou em “consulta semestral”, que exprimem repetição de situações. Referimos que Balogh (2006) defende que journalier, com tradução inexistente no português, e quotidien são adjetivos verdadeiramente aspetuais por causa do seu sentido distributivo ou iterativo. Também Borillo (2001) se refere a este último adjetivo, salientando o facto de quotidiano, como em “visita quotidiana”, pertencer a um grupo cuja unidade de medida pode aplicar-se apenas ciclicamente, o que se nos afigura um pouco estranho, porque parece não haver nenhum ciclo concreto designado. Na nossa opinião, este adjetivo dá conta de uma repetição de situação sem designar os intervalos em que ela se localiza temporalmente e só poderia ser cíclico se significasse literalmente uma vez por dia.

A propósito do sentido distributivo dos adjetivos, Bosque (2010) propõe que os adjetivos denominais que referem divisões temporais recebem uma interpretação distributiva e que podem incidir sobre nomes eventivos (“o meu passeio diário”, “as minhas férias anuais”), mas também sobre os que designam indivíduos95

(“Atiende a diez pacientes diários”, (p. 957)), não discriminando os tipos de adjetivos que possuem

95 Verifica-se que a proposta de Stump (1981) e de Schäfer (2007) segundo a qual os adjetivos de

frequência se aplicam não só a nomes eventivos, mas também a nomes não eventivos, é partilhada por Bosque (2010).

esta propriedade. No entanto, verifica-se, pelos exemplos que utiliza, que ela é inerente apenas aos adjetivos de frequência, mesmo em todas as leituras propostas por Schäfer (2007). Na nossa perspetiva, existem situações modificadas por estes adjetivos, os quais, embora apresentem a mesma forma, não podem ser considerados adjetivos de frequência. É o caso dos adjetivos de duração delimitada (cf. “cadeira semestral”), que, por esta razão, não são distributivos como Bosque (2010) propõe.

4. ADJETIVOS ADVERBIAIS ASPETUAIS QUE NÃO