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4.5 Influência dos determinantes na interpretação

Defendemos atrás que os determinantes têm influência na graduabilidade de certos adjetivos temporais. Mas esta classe de palavras não interfere apenas neste domínio. Também a interpretação global da frase pode ser alterada conforme se trate de uma expressão nominal definida ou indefinida. Seguem-se exemplos que podem esclarecer esta questão.

(172) a. O Fernando é um padre (muito) atual. b. ? O Fernando é um padre atual da diocese. c. ? O Fernando é um atual padre da diocese. d. O Fernando é um dos atuais padres da diocese. e. O Fernando é o atual padre da paróquia. f. O Fernando é o padre atual da paróquia.

g. O atual padre da paróquia é um homem ainda novo. h. *Um atual padre da paróquia é um homem ainda novo.

A primeira leitura (172 a.) mostra, uma vez mais, que, em posposição ao nome e precedido o sintagma de indefinido, o adjetivo atual se classifica como qualificativo, pois contribui para a denotação de um indivíduo que possui propriedades entre as quais se pode incluir a de “ser moderno”, por exemplo. Como qualquer outro nome relacional, o nome “padre” pode selecionar um complemento e com ele, a frase perde essa leitura e essa classificação (cf. (172) b.). Numa expressão indefinida, anteposto ao nome (cf. (172) c.), a frase é de gramaticalidade duvidosa e com indefinido, só exprime temporalidade com uma leitura partitiva (cf. 172 d.). A interpretação temporal é também obtida em (172 e., f.) com expressões definidas, quer o adjetivo esteja anteposto quer posposto. Os exemplos (172 g., h.) mostram que, em posição de sujeito, só a expressão definida é permitida.

Em conclusão, podemos afirmar que, em certos contextos, como no caso do adjetivo atual, as expressões indefinidas asseguram uma interpretação de atribuição de propriedades ao indivíduo denotado pelo nome e as expressões partitivas e definidas contribuem para a determinação da localização temporal das situações.

Aplicámos o exercício feito a partir do exemplo (172) aos outros adjetivos temporais analisados neste trabalho e chegámos às seguintes conclusões:

 Em posição de sujeito, os adjetivos com interpretação temporal e com função dêitica apresentam um comportamento muito semelhante: aceitação dos definidos e rejeição dos indefinidos, a não ser se for em construção partitiva, o que acarreta leitura específica (cf. (172 h.), “um dos atuais padres”). No entanto, torna-se necessário fazer algumas observações devido a exceções que ocorrem. Os exemplos ilustram-nas:

(173) Um recente estudo revelou o aumento do desemprego em Portugal. (174) Uma minha antiga casa foi comprada por um dos meus amigos.

Os exemplos mostram que o adjetivo recente, também nesta matéria, é diferente dos outros, pois admite o indefinido em contextos que outros adjetivos não o permitem. Antigo, como muitos outros, permite o indefinido em posição de sujeito desde que haja algo na construção que a torne específica, quer através do determinante (possessivo, neste caso) quer através de modificadores.

 Na mesma posição de sujeito, adjetivos temporais com função anafórica apresentam um comportamento idêntico, pois admitem definidos, sendo mais restritivos com os indefinidos. Observem-se os exemplos seguintes:

(175) A/?Uma época antecedente foi gloriosa para o Real Madrid. (176) O/?Um discurso precedente/seguinte foi demolidor.

Em função anafórica, os adjetivos introduzem nas frases um elemento de comparação que, implícita ou explicitamente, funcionam como um ponto de perspetiva temporal. Se não houver esse elemento (cf. (175) e (176)), há mais dificuldade na aceitabilidade dos indefinidos. Vejamos os seguintes exemplos onde se mostra que, com esse ponto, as frases são aceitáveis com definidos e indefinidos em posição de sujeito.

(177) A/Uma época antecedente à de 2010 foi gloriosa para o Real Madrid. (178) O/Um discurso precedente ao do presidente foi demolidor para a direção.

 Em posição de complemento direto, os adjetivos temporais são compatíveis com quase todos os determinantes. No entanto, ainda apresentam algumas divergências entre si. Nos seguintes exemplos, em que o nome é “escola”, pode observar-se diferenças entre adjetivos e o uso de definido/indefinido:

(179) A Ana visitou a/* 66uma atual escola do filho. (180) A Ana visitou a/? uma futura escola do filho. (181) A Ana visitou a/uma anterior escola do filho. (182) A Ana visitou a/uma antiga escola do filho.

Com a função de objeto direto, o sintagma nominal modificado com estes adjetivos aceita os definidos sem restrições, mas os indefinidos só são permitidos por anterior e antiga (adjetivos que exprimem anterioridade relativamente ao momento de enunciação). Na frase do exemplo (179), partindo de uma interpretação na qual o indivíduo frequenta mais do que uma escola, a frase será gramatical se utilizarmos uma expressão partitiva (“uma das”) em substituição do indefinido, convertendo a expressão nominal em específica.

Em (180), com indefinido, o adjetivo apenas poderá ter uma leitura modal, podendo ser substituído por possível, por exemplo.

Na função de complemento oblíquo, mantêm-se estas mesmas condições:

(183) A Ana passou pela/*por uma escola atual do filho. (184) A Ana passou pela/? por uma futura escola do filho. (185) A Ana passou pela/por uma anterior escola do filho. (186) A Ana passou pela/por uma antiga escola do filho.

66 Consideramos que a frase é agramatical devido à combinatória “escola” (porque o conhecimento do

mundo nos diz que é uma escola única) com atual e com um indefinido. Em “A Ana visitou uma atual amiga”, a frase já é gramatical.

4.6. Tipos de nomes modificados

Se a posição, a graduabilidade e a função predicativa podem interferir na interpretação dos adjetivos e, por consequência, na interpretação das frases, também os nomes modificados podem ter alguma influência nesse domínio.

Há nomes aos quais não se aplicam adjetivos temporais. Segundo Demonte (1999), os adjetivos temporais aplicam-se a nomes de “objetos o procesos en cuanto entidades que tienen lugar, y porque tienen lugar acontecen en el tiempo, en el espacio y de una cierta manera” (p. 205). Tipicamente, os adjetivos temporais modificam nomes que referem intervalos de tempo (dia, século, época, temporada,…), nomes de parentesco (pai, filho, noiva, marido, …) e de cargos associados a entidades humanas (presidente, diretor, …), nomes de evento (guerra,…) ou de agente (jogador, professor, …) e nominalizações de evento (construção, destruição, …) e de resultado (encomenda, análise, …). Giry-Schneider (1997) procura responder à questão que frequentemente se coloca sobre a ocorrência de nomes, como, por exemplo, “casa” em “a minha casa atual” ou “disco” em “um disco recente”, em combinação com adjetivos temporais, dado que estes nomes não possuem estrutura de evento. Esta autora, que defende uma relação muito estreita entre adjetivo e advérbio, propõe que essa possibilidade é real dado que “a minha casa atual” é “a casa que possuo atualmente” e que em “um disco recente” se trata de “um disco saído recentemente”.

Analisámos os nomes que ocorrem com os adjetivos apresentados e chegámos às seguintes conclusões:

 Os adjetivos temporais que incluem o momento de enunciação são mais restritivos relativamente à sua associação a nomes relacionados com períodos de tempo.

O adjetivo iminente, que, em função dêitica, projeta as situações para o futuro do momento de enunciação, também não permite a sua aplicação a este tipo de nomes, contrariamente aos outros adjetivos que, como este, localizam as situações em posterioridade com o momento de enunciação. Também em oposição a estes, parece não ter duração. Provavelmente é por isso que é incompatível com nomes que denotam porções de tempo.

 Os nomes de parentesco e de cargos que selecionámos foram “pai”, “filho”, “marido” e “presidente” para um universo de dezanove adjetivos temporais. Foi-nos dado observar que:

dez dos adjetivos analisados - recuado, distante, longínquo, passado, contemporâneo, corrente, moderno, iminente, vindouro e imediato – não se associam a esses nomes; quando o fazem (distante, moderno), apresentam outra leitura;

recente e futuro associam-se a todos os nomes; presente só se associa a nomes de cargos;

tendo em conta a informação lexical contida nos nomes “pai” e “filho” não se lhes aplica antigo nem atual;

por igual motivo, não se aplicam ao nome “pai” os adjetivos que podem ser elementos ordenados de uma lista como último, anterior, antecedente, precedente, novo, seguinte, próximo, posterior;

alguns adjetivos temporais que se associam aos nomes que referem cargos também se aplicam aos nomes de agente, como “professor” ou “ladrão”;

 Com nomes formados por derivação regressiva e com estrutura eventiva, verifica-se um comportamento sistemático relativamente aos adjetivos que se lhes associam. Os nomes selecionados foram: “ataque”, “resgate”, “compra”, “censura”, “corte”, “luta”.

Dos adjetivos dêiticos exprimindo anterioridade relativamente ao momento de enunciação, apenas recente e último são aplicados a estes nomes. Também a associação com o adjetivo antigo é pouco natural como prova o exemplo a seguir:

(187) a. ? A luta antiga contra a pobreza mobilizou muitas pessoas em todo o mundo.

b. ? A antiga luta contra a pobreza mobilizou muitas pessoas em todo o mundo.

Mesmo sendo possível antepor antigo67 a qualquer um deles (“antigos ataques”), o adjetivo não parece exprimir temporalidade, mas atribuir uma propriedade. Observámos que os adjetivos que não são permitidos por estes nomes são aqueles que têm também outras interpretações.

Os adjetivos anafóricos que exprimem anterioridade em relação ao momento de enunciação combinam-se com estes nomes.

O adjetivo atual é o único que pode permitir, quer no singular quer no plural, uma leitura iterativa. O adjetivo contemporâneo que, muitas vezes, substitui atual não é aplicável a este tipo de nomes. No entanto, ocorre com o nome “dança” (“a dança contemporânea”), mas, no plural, (“as danças contemporâneas”) não apresenta essa leitura iterativa.

Devido à sua natureza não contável, “caça” não permite atual no plural (* “as caças atuais”).

Os adjetivos, dêiticos e anafóricos, que projetam as situações para o futuro são todos permitidos com estes nomes. Refira-se, porém, que o nome “dança/danças” não se adequa a futuro. Com a interpretação “que vem a seguir”, utiliza-se preferencialmente próxima (“a próxima dança”) e, em oposição a contemporânea, utiliza-se “a dança do futuro”.

 Analisámos ainda nominalizações eventivas/resultativas. Observem-se alguns exemplos com esse tipo de nomes.

67 É possível fazer anteceder “censura” de antigo com sentido verdadeiramente temporal sem

ambiguidade (“antiga censura”). Trata-se, nesse caso, de uma leitura de indivíduo com a interpretação de “a censura que existiu e já não existe”. Com essa mesma leitura, é possível “a censura contemporânea”.

(188) A última/recente/anterior/próxima remoção do lixo tóxico

(189) *A última/recente/*anterior/*próxima construção do edifício da Junta (190) *A última/recente/*anterior/*próxima implosão do Bairro do Aleixo (191) O último/recente/anterior/próximo bombardeamento na Síria

(192) A última/recente/anterior/próxima lavagem do carro

(193) # A última/recente/anterior/ próxima transferência do Fábio para o Real Madrid

Os exemplos mostram que as nominalizações aceitam os adjetivos selecionados. Registam-se exceções, porém. Tal como aparecem nos exemplos (189) e (190), as nominalizações “construção” e “implosão” só admitem recente, dado que, segundo o conhecimento do mundo, a construção do mesmo edifício público só acontece uma vez e um bairro também só pode implodir uma vez. No entanto, na mesma posição de sujeito, expressões nominais definidas com nomes que denotem situações que podem ser repetidas, já é possível a presença dos outros adjetivos:

(194) As últimas/as anteriores/as próximas construções de edifícios de Junta

(195) As últimas/as anteriores/as próximas implosões de bairros

Relativamente ao exemplo (193), a interpretação da expressão nominal com última não é a relevante na medida em que sugere que já não seria a primeira transferência que o indivíduo teria feito, não se manifestando, deste modo, a temporalidade que este adjetivo exibia nos outros exemplos.

A análise efetuada permite-nos, pois, concluir que a preferência na junção nome/adjetivo é muito problemática porque ou depende do tipo de nome, do tipo do adjetivo, do significado lexical de ambos ou da pluralização.