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A ADOÇÃO DE UMA CLÁUSULA SOCIAL NOS TRATADOS DA OMC

INTERNACIONAL A DENOMINAÇÃO E A CLASSIFICAÇÃO A expressão "tratado" é termo genérico que expressa qualquer acordo de vontade entre

3.9 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO COMO PARCEIRA DA OIT NO COMBATE O TRABALHO DEGRADANTE.

3.9.2 A ADOÇÃO DE UMA CLÁUSULA SOCIAL NOS TRATADOS DA OMC

Uma das formas de imposição para cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho é através da adoção de cláusulas sociais nos acordos de comércio internacional. O conteúdo desta cláusula pode consistir dos direitos reconhecidos pela Organização Internacional do Trabalho, através da Declaração de 1998 (MATTIOLI, 2003).

A inclusão de cláusula social no âmbito da OMC, como forma de eliminar condições de trabalho degradantes nos países em desenvolvimento, é tema que vem sendo exaustivamente discutido dentro das relações internacionais do comércio. Os países desenvolvidos acusam os países em desenvolvimento de "dumping social" e propugnam por restrições no comércio internacional aos países que não consagram um padrão mínimo de exigências para a classe trabalhadora (QUEIROZ, 2007).

A liberdade, sem dúvida, é um direito e não uma prerrogativa que acompanha o homem pela sua natureza de homem. A liberdade é um direito porque o homem tem o dever de desenvolver sua atividade tão plenamente quanto possível, uma vez que a sua atividade individual é fator essencial da solidariedade por divisão de trabalho. Enfim, o homem desfruta o direito de desenvolver sua atividade com liberdade, mas, ao mesmo tempo só possui esse direito enquanto consagra seu exercício à realização da solidariedade social (DUGUIT apud SILVA, 1988, p. 2)

Há uma grande preocupação, nos países menos desenvolvidos, que uma medida como esta poderia implicar em protecionismo em relação aos países desenvolvidos.

Os países em desenvolvimento acusam os países desenvolvidos de se utilizarem desse discurso apenas como forma de proteger seus mercados internos. Fala-se em "dumping social" quando os preços baixos dos bens resultam do fato das empresas produtoras estarem instaladas em países onde não são cumpridos os direitos humanos mais elementares, assim como direitos dos trabalhadores internacionalmente reconhecidos, e com isso os custos sociais

da mão-de-obra são extremamente baixos permitindo consequentemente uma descida artificial dos preços produzidos em condições laborais ilegítimas e que vão contra a dignidade humana (KAWAY; VIDAL, 2010).

Os argumentos de ambos são plausíveis, por isso, é necessário encontrar um termo médio, que inter-relacione OIT e OMC no sentido de se proteger os trabalhadores envolvidos no processo de produção para o mercado internacional, ao mesmo tempo, que impeça os países desenvolvidos de se aproveitarem da cláusula social para imporem barreiras protecionistas, prejudicando os países em desenvolvimento (KAWAY; VIDAL, 2010).

Em declaração ministerial, fica clara a posição da OMC quanto à adoção da cláusula social, afirmando que a questão deve ser tratada pelo organismo internacional para isso criado: a OIT.

Renovamos nossos compromissos de respeitar as normas fundamentais do trabalho, internacionalmente reconhecidas. A OIT - Organização Internacional do Trabalho - é o órgão competente para estabelecer essas normas e ocupar-se delas, e afirmando nosso apoio a sua atividade de promoção das mesmas. Consideramos que o crescimento e o desenvolvimento econômico, impulsionados pelo incremento do comércio e pela maior liberalização comercial contribuíram para a promoção dessas normas. Rechaçamos a utilização das normas de trabalho com fins de protecionismo e concordamos que não se deve em absoluto a vantagem comparativa dos países, em particular, dos países em desenvolvimento e seus baixos salários. A esse respeito tomamos nota de que as secretarias da OMC e da OIT prosseguirão com suas atuais colaborações. (OMC, 1996 apud KAWAY; VIDAL, 2010, p. 6).

Com relação à cláusula social, esta reflete o quanto o fenômeno da globalização e comércio internacional modificou o mundo de hoje. Ainda enfrentando diversas discussões, na OMC, a cláusula social "é uma tentativa de abrandar os efeitos advindos da alta competitividade do sistema capitalista, impondo o respeito a direitos e condições básicas do trabalhador. Seu conteúdo se refere apenas às condições de trabalho e não aos salários" (KAWAY; VIDAL, 2010, p. 5).

Em outras palavras, trata-se de uma

[...] imposição de normas em tratados internacionais de comércio internacional que objetivam assegurar a proteção ao trabalhador, estabelecendo padrões mínimos a serem observados pelas normas que regulam o contrato de trabalho nos processos de produção de bens destinados à exportação (ROCHA, 2001, p. 326).

A inclusão da cláusula social, como medida antidumping, muito ainda é discutida. A pressão para a sua utilização vem por parte dos países desenvolvidos, ao passo que há a

controvérsia dos países em desenvolvimento que afirmam que tal medida prejudicaria o livre comércio (THORSTENSEN, 2001; BRASIL, 1995).

No direito comercial internacional, contra a prática de dumping, a Organização Mundial do Comércio autoriza a aplicação de medidas antidumping desde que seja demonstrada a ocorrência da venda de produtos abaixo do preço praticado no mercado do país exportador, seja comprovada a existência do dano ou ameaça de dano à indústria doméstica e o nexo causal de ambos, entretanto, por tratar-se do campo do direito do trabalho internacional, a OMC está relutante em regulamentar o tema, tendo em vista que matéria trabalhista é de competência da OIT (KAWAY; VIDAL, 2010; BRASIL, 1995).

A cláusula social pode apresentar uma forma negativa e outra positiva.

A forma negativa se dá na proibição de importação de produtos, na medida em que prevê a aplicação de sanções ao país exportador de produtos que não obedece as condições mínimas de trabalho estabelecidas. A forma positiva, por sua vez, ocorre na possibilidade de condições mais favoráveis no comércio internacional aos países que obedecem os padrões trabalhistas estabelecidos (KAWAY; VIDAL, 2010).

A cláusula social, seus limites e implicações nas relações entre os atores globais não estão objetivamente delineados. É, com base nessa conexão que foros internacionais, tradicionalmente conhecidos por sua estrita dedicação a questões econômicas e financeiras, vêm sendo confrontados com a delicada e complexa problemática em torno da necessidade de implementação e efetividade dos direitos sociais, em especial, trabalhistas, não apenas como forma de promoção do livre comércio, mas também como meio assecuratório de direitos humanos fundamentais (SILVA, 2008).

A chamada cláusula social permitiria vincular ao comércio internacional a aplicação de direitos fundamentais já contemplados nas Convenções de base da OIT, de forma a coibir o desrespeito aos direitos referidos, através da desvantagem comercial (CECATO, 2006).

Conhecido o contexto em que se relacionam comércio internacional e direitos trabalhistas, bem como especificadas as razões que levaram a cogitar a adoção de padrões laborais no comércio internacional, torna-se possível, finalmente, compreender o que vem a ser a denominada cláusula social (SILVA, 2008).

Por essa expressão entende-se a inclusão, em tratados de comércio, de normas que estabelecem padrões laborais mínimos a serem respeitados pelas empresas do país exportador, a fim de impedir que os trabalhadores desse país sejam prejudicados pela vontade dos empresários de reduzir custos e tornar suas mercadorias mais competitivas no cenário internacional (SILVA, 2008).

Em outras palavras, é "a autorização estabelecida em tratado para a adoção, por um país, de medidas voltadas para a restrição das importações de produtos de outro país com base em descumprimento, pelo último, de padrões mínimos de condições de trabalho" (PRATES, 2000, p. 223-4; DI SENA JÚNIOR, 2006, p. 97).

Pode-se dizer que tanto a OMC quanto a OIT apresentam pontos fortes e pontos fracos no que diz respeito à adoção e aplicação de cláusulas sociais, principalmente quanto à capacidade de garantir o efetivo cumprimento de tais cláusulas (SILVA, 2008).

As diferenças motivam os estudiosos do tema a tentar encontrar a solução mais adequada para a questão, a despeito da declaração de Cingapura ter formalmente conferido competência exclusiva à OIT para tratar da matéria, dando à OMC caráter meramente coadjuvante (SILVA, 2008).

Em razão disso, muitas propostas surgiram, sendo as mais importantes aquelas que reforçam a competência exclusiva da OIT, que advogam a favor da OMC como único foro adequado e aquelas que conjugam as características e peculiaridades de ambas as organizações, conferindo a elas, em conjunto, a competência para tratar da matéria, como demonstrado a seguir (SILVA, 2008).

Talvez, o mais importante mecanismo da OMC seja o selo social, um selo que indica quais produtos foram confeccionados com respeito às normas dos direitos humanos do trabalhador.

Além do selo social, uma outra espécie de arma contra os produtos feitos com violações da dignidade da pessoa humana trabalhadora seria o embargo comercial àquele produto ou até a qualquer produto daquele país que descumprir as normas mínimas de direito do trabalho como forma de forçá-lo a adotar e fiscalizar o trabalho digno.

A pergunta que deve ser respondida é: podem os Estados, amparados nas normas de direito internacional (sobretudo de direito internacional comercial) impedir o acesso de determinados produtos (ou de todos os produtos do país violador das normas de direito do trabalho) em seu território?

Nos parece correta a análise proposta pelo autor Hermes Marcelo Huck (2006), que, após discorrer sobre as fontes do direito internacional, aponta os efeitos que podem causar essa postura:

[...]é com o pano de fundo dessas fontes que se há de estudar o bloqueio comercial e buscar o fundamento para legitimá-lo como forma de defesa, quando praticado em determinadas circunstâncias. Os efeitos de um bloqueio comercial podem teoricamente produzir mais danos ao Estado bloqueado do que um ataque armado. Cortados seus vínculos de comércio com o resto do mundo, numa sociedade

economicamente cada vez mais interdependente e menos autossuficiente, o Estado fica isolado, se empobrece, se apequena, se enfraquece.

Nota-se, portanto, que tão drástica conduta deve ser confrontada com o princípio da livre iniciativa, do livre comércio. Trata-se, pois, de um hard case na esfera internacional, onde se põe em combate a proteção da dignidade da pessoa humana trabalhadora e o princípio da livre iniciativa e do livre comércio.

Através da técnica da ponderação (aplicação conjuntiva dos princípios), não deve o problema ser resolvido com base na técnica tudo ou nada, mas através da harmonização entre eles, mas com a inevitável prevalência de um deles.

Nos aparenta insofismável que, no caso ventilado, deve sobressair a proteção do trabalho digno. Em termos de harmonização, entendo que não pode um país utilizar-se disso como forma de embargar economicamente um país inimigo, mas se, em determinada circunstancias, mesmo com apelos da sociedade internacional, o país violador se recusar a melhorar as condições, não existe outra forma eficiente de tutelar os trabalhadores em trabalhos degradantes.

4 CONCLUSÃO

Pontuamos que o conceito de direitos humanos (e, em consequência, o de direitos humanos do trabalhador) e seu delineamento é cláusula que varia conforme o tempo e o espaço (dimensão histórico-cultural dos direitos humanos), o que gera certo debate acerca do universalismo ou relativismo desses valores.

Algumas conclusões, porém, se mostraram insofismáveis:

a) A proteção dos direitos humanos sob uma perspectiva axiológica independe do espaço e do tempo. É dizer: excluindo o conteúdo dos direitos humanos, e analisando apenas como um paradigma, a proteção e o respeito a esses direitos se faz necessário. Todos os países devem tutelar os direitos humanos, de forma que o respeito a esta cláusula geral não está sujeita a qualquer tipo de flexibilização ou relativização. Desloca-se, desta forma, a análise de quais direitos estariam insertos no conceito amplo de direitos humanos para um segundo momento.

b) O conteúdo dos direitos humanos (inclusive os do trabalhador) não podem ser aferidos de forma super ampliativa, sob o risco de se banalizar a ideia de direitos humanos e ocasionar uma inefetividade de sua tutela. Melhor, assim, sustentar a intangibilidade dos direitos humanos a um núcleo duro de direitos. São aqueles direitos mínimos sem os quais o ser humano deixa de se identificar como tal. A subtração destes direitos implica na degradação da própria auto- identificação (e hétero-indentificação) como ser humano, isto é: nem mais o próprio trabalhador se identifica como humano e nem a sociedade o vê desta forma. Daí a expressão ―é tratado como bicho‖, pois se lhe surrupiou a dignidade inerente e componente da sua própria identificação com a raça humana.

Defendemos, pois, que o conteúdo da dignidade humana do homem trabalhador se compõe das seguintes ideias: a) Direito ao trabalho, tanto sob o aspecto ontológico da dignidade da pessoa humana (ter dinheiro, ferramentas, meios para traçar seus planos de vida e exercê-los com a autonomia necessária) quanto na dimensão comunicativa da dignidade (sem o qual, na sociedade contemporânea, vive o indivíduo de forma marginal, com dificuldade de inserção em uma sociedade movida pelo trabalho); b) liberdade de escolha do trabalho, razão pela qual ninguém deve ser compelido a permanecer no mesmo ou em qualquer trabalho de forma forçada. Trata-se, segundo alguns autores, de direito humano que

sequer está sujeito à cláusula de ponderação (ainda quando contrastado com outro direito humano – assim, nos chamados hard cases, em que estão em confronto direitos humanos, o direito se não ser escravizado e torturado sempre prevalecerá); c) trabalho com remuneração justa, incluindo tanto a possibilidade de iguais ganhos para iguais trabalhos (sem discriminação) quanto, de forma não relacional, o direito de receber uma quantia justa e digna pela prestação do serviço; d) trabalho com condições justas, incluindo a limitação da jornada e o direito a períodos de repouso; e) direito de associação, sem o qual os trabalhadores não podem pleitear melhoras em suas condições.

Violados quaisquer destes direitos, estamos diante do trabalho degradante (trabalho sem dignidade). E aí abre-se o espaço para a atuação da OIT.

As duas formas mais relevantes de violação são o trabalho escravo e o infantil. O primeiro marcado pela inexistência de voluntas na prestação de serviços. Já o segundo, é proibido por macular a formação existencial do indivíduo.

A principal maneira da OIT atuar frente a estas violações é sua função normativa. Através das Convenções, Recomendações e Declarações, a OIT organiza e publica normas de padrão internacional mínimo de proteção.

O descumprimento destas normas pode gerar uma sanção moral aos estados infratores, já que a OIT não tem soberania e nem hierarquia perante os estados-membros. Essas sanções, porém, geram um déficit na competitividade pelo mercado internacional, razão pela qual, sob a perspectiva econômica, os Estados tentam cumprir as regras da OIT.

O objetivo da Organização Internacional do Trabalho, como qualquer outro órgão de proteção, é deixar de existir, pois, quando sua existência não mais se fizer necessária, é prova de que não mais existirão violações de direitos humanos do trabalhador.

Até que isto ocorra – e se ocorrer – a atuação da Organização Internacional do Trabalho se mostra necessária e essencial à busca pela dignidade da pessoa humana e por um ideal de justiça social.