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As Funções da OIT no Combate ao Trabalho Degradante

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ERIK DE SOUSA OLIVEIRA

AS FUNÇÕES DA OIT NO COMBATE AO TRABALHO

DEGRADANTE

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Recife 2013

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AS FUNÇÕES DA OIT NO COMBATE AO TRABALHO

DEGRADANTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciência Jurídicas/ Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Recife 2013

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As Funções da OIT no Combate ao Trabalho Degradante

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife/ Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco PPGD/UFPE, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre

Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito Orientador Prof. Sylvio Loreto

banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro, submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado, e o julgou nos seguintes termos:

MENÇÃO GERAL___________________________________________________________

Professor Dr. Aurélio Agostinho da Bôaviagem (Presidente/UFPE)

Julgamento: ______________________ Assinatura: _________________________________

Professor Dr. José Soares Filho (1º Examinador externo/UNICAP)

Julgamento_______________________ Assinatura__________________________________

Professor Dr. Sergio Torres Teixeira (2º Examinador interno/UFPE)

Julgamento:_______________________ Assinatura________________________________

Recife 17 de junho de 2013

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a DEUS, arquiteto do universo, responsável pela motivação nas incontáveis horas de dedicação a este projeto.

Aos meus pais e ao meu irmão, pela ajuda moral, psicológica e motivacional nos momentos de cansaço.

À minha esposa, pela paciência e pela ajuda nos momentos de ausência e de dedicação ao projeto.

Aos meus mestres, fonte de tamanho saber, de onde retirei inspiração para prosseguir nesta longa jornada.

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RESUMO

OLIVEIRA, Erik. As Funções da OIT no Combate ao Trabalho Degradante. 2013. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

Os direitos humanos passaram por um processo de internacionalização. A Organização Internacional do Trabalho figura como precedente deste processo, de forma que os trabalhadores passaram a gozar de um proteção internacional. A violação dos direitos humanos ligados ao homem trabalhador acarretam o trabalho degradante. As principais formas de violação são o trabalho escravo e o trabalho infantil. O trabalho escravo contemporâneo se diferencia da escravidão clássica. No formato contemporâneo, a escravidão por dívida leva o trabalhador a patamares inferiores à linha de pobreza. O trabalho infantil surrupia da criança o direito de brincar e se construir como pessoa. Comumente, o trabalho infantil facilita a formação de presas fáceis aos agenciadores de trabalho escravo. A OIT tem forte atuação nestas áreas e exerce sua função normativa, através de Convenções, Recomendações e Declarações. O descumprimento destas normas internacionais gera uma sanção moral, que dificulta a inserção do Estado infrator no mercado internacional.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Trabalho Escravo. Trabalho Infantil. Organização Internacional do Trabalho.

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ABSTRACT

OLIVEIRA, Erik. The functions of the ILO Work in Combating Degrading. 2013.Master Degree of Law – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

Human rights have undergone a process of internationalization. The International Labour Organization figures as previous of this process, so that workers now enjoy an international protection. The human rights transgression linked to the working man implicates the vulnerable jobs. The main forms of transgression are slave labor and child labor. The contemporary slave labor is different from classical slavery. In contemporary format, debt slavery leads the worker to levels below the poverty line. Child labor steals the child's right to play and build up as a person. Commonly, child labor facilitates the formation of easy prey to slave labor. The ILO has a strong presence in these areas and exerts its regulatory function through Conventions, Recommendations and Statements. The transgressions of these international standards create a moral sanction, which makes the inclusion of the offender state in the international market.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... ...09

1.DIREITOS HUMANOS DO HOMEM TRABALHADOR – O TRABALHO DECENTE COMO CATEGORIA DOS DIREITOS HUMANOS E A ANTÍTESE DO TRABALHO DEGRADANTE...11

2.VIOLAÇÕES MÁXIMAS DOS DIREITOS HUMANOS DO HOMEM TRABALHADOR – O TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O TRABALHO ESCRAVO...33

3.AS FUNÇÕES DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO...61

4. CONCLUSÃO...107

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INTRODUÇÃO

O trabalho sempre foi tido, historicamente, como a exploração do mais fraco pelo mais forte. O vocábulo trabalho sempre foi associado a uma tortura, tanto o próprio nome deriva de

tripalium, instrumento de tortura.

Esta exploração, antes dos movimentos de intensificação e universalização dos direitos humanos, era exercida de forma livre, sem qualquer norma de proteção contra atividades que lesassem a própria essência humana.

A evolução da humanidade, porém, consagrou a universalização dos direitos humanos, o que fez com que a exploração da mão de obra de outro indivíduo passasse a ser regida por algumas normas tutelares.

Ademais, o processo de defesa dos direitos humanos se inicia através de uma proteção ampla. Posteriormente, além da proteção à própria dignidade da pessoa humana, num contexto mais abstrato, houve um processo de especificação dos direitos humanos, deixando de ser apenas a proteção ao ser humano genericamente considerado, para se levar em conta o ser humano em sua interação social, como consubstanciado na dimensão comunicativa ou relacional da dignidade da pessoa humana. Nasce, assim, a ideia de Direito Humano do Trabalhador, salientando a proteção dos direitos humanos quando posto o ser humano em situação de trabalho.

Se a proposta da presente dissertação é analisar os mecanismos que podem ser utilizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no combate ao trabalho degradante, devemos, preliminarmente, nos debruçar sobre o conceito do que vem a ser trabalho degradante, e consequentemente, estudar suas espécies.

Assim, os primeiros capítulos são dedicados à análise do conteúdo do trabalho decente, e de sua antítese: o trabalho degradante. Neste estudo, busca-se dar uma visão mais abrangente e humanista dos direitos humanos do trabalhador, partindo de uma dogmática emancipatória, relendo os institutos do direito do trabalho sob a ótica dos direitos humanos.

Objetiva-se superar leituras meramente reducionistas dos direitos do trabalhador, que diminuam os direitos trabalhistas a uma interpretação legalista, divorciada do conceito de universalismo dos direitos humanos, enfatizando-se, outrossim, a necessidade de se concretizar o que a doutrina chama de tendência de expansão subjetiva e objetiva do direito do trabalho.

Após conceituação do que vem a ser trabalho degradante, adentra-se em algumas de suas espécies, como o trabalho forçado e o trabalho infantil. Ainda que existam tantas outras

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formas de violação aos direitos humanos do homem trabalhador, estes dois tipos são os mais paradigmáticos por implicarem uma violação mais severa. Não parece cabível, no âmbito desta espécie de trabalho, explorar todos os tipos de trabalho degradantes.

Neste capítulo, também, busca-se analisar as referidas espécies de trabalho degradante não apenas com o objetivo de lhe dar tratamento jurídico correto (a partir de sua taxonomia jurídica), mas procuram-se definições e ideais que possam ajudar no seu combate. Ou seja, apesar de ser um projeto acadêmico, objetiva-se construir conceitos que tenham adequação com a realidade, e que possam subsidiar os gestores públicos na correta identificação destas chagas, para fim de melhor construir uma estratégia eficiente de combate.

O último capítulo dedica-se ao estudo específico de alguns mecanismos utilizados pela OIT no combate ao trabalho degradante. Com o discurso universalista dos direitos humanos, é necessário que as entidades internacionais estabeleçam padrões básicos de proteção ao trabalhador, o que a Organização Internacional do Trabalho costuma denominar de "piso social mínimo" (também conhecido na doutrina nacional como "patamar mínimo civilizatório).

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1. DIREITOS HUMANOS DO HOMEM TRABALHADOR – O TRABALHO

DECENTE COMO CATEGORIA DOS DIREITOS HUMANOS E A ANTÍTESE DO TRABALHO DEGRADANTE

É preciso, inicialmente, observar o trabalho humano como fato histórico-cultural e suas implicações nas definição do trabalho decente.

1.1 HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO

A expressão do trabalho como valor aparece na história costumeiramente associado à tortura, açoite. Dúvidas existem quanto à origem etimológica do vocábulo trabalho, sendo que parece prevalecente a doutrina que aponta como precedente etimológico o tripalium, instrumento de tortura1, sendo pois a expressão trabalhar uma corruptela do latim trapaliare.

Na idade média, a ideia de trabalho permanece ligada aos setores menos abastados da sociedade, de forma que se substituiu a mão-de-obra prevalecente da escravidão para a servidão, persistindo, portanto a subordinação subjetiva sobre o trabalhador. As classes mais abastadas continuavam gozando do ócio, que era considerado positivo, sob a perspectiva religiosa e filosófica.

Na época moderna, também por influência da Igreja Católica e das doutrinas protestantes (que enxergavam no trabalho a melhor forma de dignificação do homem), o trabalho deixa de ser considerado um castigo e passa a ser visto como uma maneira de alcançar a salvação da alma.

Na idade contemporânea, com o processo de densificação e internacionalização dos direitos humanos, o trabalho, além de ser considerado positivo, passa a configurar um direito humano: o direito humano ao trabalho.

Em todas estas épocas, contudo, o trabalho (aqui entendido num conceito coincidente com o conceito dado pelos estudiosos da física: dispêndio de energia), sempre constituiu a base da sociedade.

1 É desta forma que aponta MORAES FILHO e MORAES: ―Dificilmente encontraríamos uma palavra mais equívoca e ampla do que esta, com uma infinidade de significações. Quanto à sua etimologia, é assunto discutido e obscuro até hoje. Segundo Tilgher, os gregos (a antiguidade em geral) conceberam o trabalho como um castigo e como uma dor; basta lembrar que o termo grego pónos, que significa, trabalho, tem a mesma raiz que a palavra poema. Em ambos está presente a mesma ideia de tarefa penosa e pesada, como em fadiga,

trabalho, pena. Para Lucien Fébvre, a palavra veio do sentido de tortura – tripaliare, torturar com o tripalium,

máquina de três pontas. (...) Apesar do debate e das hipóteses, vence hoje a opinião de que ‗trabalhar se prende ao neutro latim palum, fonte do português pau, através de um adjetivo tripalis, ‗composto de três paus‘ de que se deduziu um neutro tripalium, apenas atestado em variante trepalium, ‗ecúleo‘, cavalete de três paus, usado para sujeitar os cavalos no ato de se lhes aplicar ferradura‘. Desta concepção, passou tripaliare, alterado por assimilação em trapaliare, a dizer-se toda e qualquer atividade, mesmo intelectual.‖ (MORAES FILHO e MORAES, 2000, p.23)

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Esta leitura exposta diz respeito à própria história do trabalho, como fator de produção. Já as regras de proteção ao trabalhador (Direito do trabalho incipiente) surgem em virtude da questão social decorrente da Revolução Industrial. Com o modelo de produção vigente à época, avoluma-se o embate entre trabalho e capital, gerando uma situação de extrema pobreza e penúria na classe do proletariado.

A figura do proletário, portanto, constitui a peça chave no processo de criação das primeiras normas trabalhistas. Os proletários se unem e passam a requerer direitos, uma vez que sua situação era trágica.

O proletário é identificado por Amauri Mascaro Nascimento como ―um trabalhador que presta serviços em jornadas de 14 a 16 horas, não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual, habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprios local da atividade, tem prole numerosa e ganha salário em troca de tudo isso‖ (NASCIMENTO, 2011, p. 36).

Essas lutas de classes, aliás, levaram a professora Alice Monteiro de Barros a extrair a característica tuitiva do Direito do Trabalho, isto é, de reivindicação de classes, nos seguintes termos:

Embora a história revele, no mundo europeu (Século XIX), a existência de lutas de classe exigindo dos empregadores melhores condições de trabalho, que se concretizaram em livres acordos celebrados entre os interlocutores sociais, é igualmente certo que o legislador abandonou sua postura de ―mero espectador na iniciativa privada‖ e interveio, editando uma legislação tutelar, com o objetivo de ―compensar com uma superioridade jurídica a desigualdade econômica do trabalhador‖ (BARROS, 2008, p. 97)

Além disso, o comércio internacional também é, desde a antiguidade, uma das mais rentáveis formas de evolução econômica de um Estado, e, sendo a base produtiva (de onde vem os produtos a serem exportados) formada por trabalhadores, é coerente que se relacione a qualidade do trabalho com a competitividade de determinado Estado no combate para conseguir as melhores rotas no comércio internacional.

A relação entre o trabalho e o comércio internacional e a necessidade de se proteger o trabalhador não só sob a perspectiva humanitária, mas também com o objetivo de alavancar a balança comercial de cada país, são apontados, com argúcia, pelo professor Francisco de Assis Ferreira, que assim dispõe:

Sendo o trabalho o elemento mais geral da sociedade, bem como fonte de riqueza por excelência, nada mais natural do que protegê-lo através do amparo ao trabalhador de cada pais, a fim de que assim melhore a sua produtividade e, por

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consequência, fortaleça a economia de cada nação. Projeta-se, por conseguinte, o progresso econômico no trabalho internacional, de tal maneira que se originam direitos e deveres entre os Estados e os indivíduos de nações diferentes. (FERREIRA, 1969, p. 1)

No embate entre o capital e o trabalho que veio a catalisar a construção da doutrina do direito do trabalho (sobretudo associados à Revolução Industrial), o aspecto individualista decorrente das revoluções burguesas (fundadas na absoluta autonomia privada) geraram o aviltamento da figura do proletário, catapultando os trabalhadores para patamares abaixo da linha da miséria.

O processo de abstenção estatal gestado no seio das revoluções burguesas afastou o Estado das questões individuais (bem como das sociais, inclusive relacionada ao trabalho), culminando numa total liberdade concedida aos empregadores para explorarem a mão-de-obra como bem entendessem.

Este processo começa a se reverter com o advento do chamado Estado Social, que abandonava o conceito de Estado abstencionista, com conclamação da atuação estatal nas questões sociais.

Em resumo, a densificação dos chamados direitos sociais está umbilicalmente atrelada à transição do modelo individualístico instalado pelo Estado Liberal para o modelo de Estado Social.

Em relação à própria história dos direitos humanos (encarados de maneira genérica), ainda que a doutrina aponte, não de forma pacífica, diversos predecessores dos direitos humanos, como o Código de Hamurabi, o Cilindro de Ciro, entre outros, é na fase moderna e contemporânea que se observa uma maior atenção e sistematização dos destes direitos.

Certo é que, da maneira como percebemos o mundo hoje, a construção e defesa dos direitos humanos é pressuposto de uma sociedade livre, justa e solidária. Sem direitos humanos, não é possível a busca pela felicidade. Dada a importância dos direitos humanos, há autores que afirmam que os direitos do homem são pressupostos à democracia, e até à própria paz. É o que pontua Norberto Bobbio: ―Direito do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica de conflitos (Bobbio, 2004, p.21).

Em verdade, a partir da consagração da revolução francesa, estribada em ideais de igualdade em um viés individualístico, difunde-se no mundo uma proposta de isonomia

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encarada sob uma perspectiva meramente formal, demonstrando desatenção à igualdade de oportunidades, que é essencial a um modelo de sociedade justa.

Segundo essa visão, os indivíduos são encarados como plenos em liberdade, gerindo suas condutas de acordo com seus próprios planos de vida traçados. É a fase do pacta sunt

servanda, encarando-se todos os indivíduos sob uma mesma ótica, sem se considerar as

vicissitudes de cada grupo ou classe, olvidando-se que não há meritocracia justa quando não partem os indivíduos de um mesmo ponto de partida. Não há espaço, neste momento, para a chamada especificação dos direitos humanos, tema que será abordado nas linhas que se seguem.

Assim, nesta visão da igualdade, tanto faz se um indivíduo é pessoa com deficiência ou se pleno em suas faculdades; tanto faz se mulher ou homem; tanto faz se rico ou pobre. Todos são plenamente capazes, e, de acordo com seu mérito, podem alcançar seus projetos de vida em concorrência com os demais indivíduos.

Esta visão deturpada da isonomia contrasta-se com a constatação de que os seres humanos são iguais em essência genética, mas diferentes em suas características quando postos em interação social. Essa constatação dá lugar ao que se convencionou chamar de processo de especificação dos direitos humanos. Além do discurso universalista dos direitos humanos (amparado na crença de que todos os seres humanos, apenas por possuírem essa natureza, são detentores de direito humanos), passa-se a se identificar especificidades em determinados grupos ou classes: direito humano do idoso, direito humano das minorias, e, principalmente, direito humano do trabalhador.

Neste sentido, o festejado autor Everaldo Gaspar Lopes de Andrade (2008) aponta o "princípio do direito humano do trabalho como categoria de direito humano fundamental", percebendo que existe "o direito ao trabalho, à preservação da dignidade da pessoa trabalhadora e, mais particularmente, à preservação do direito à vida com ou sem trabalho subordinado."

Dentro deste contexto, nos parece que, na tradicional classificação exposta por Karel Vasak em 1979 (apud MARQUES, 2007), em Estrasburgo, que divide os direitos humanos fundamentais em três gerações (e, para exclusivo efeito deste comentário, aqui estamos afastando a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais), o direito do trabalho (ou, mais especificamente o direito ao trabalho), exsurge como direito fundamental de segunda geração. Os direitos fundamentais de segunda geração, nesta tradicional classificação, são caracterizados por uma feição prestacional do Estado, exigindo uma postura

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ativa deste (diferentemente dos direitos fundamentais de primeira geração, que, tradicionalmente, estavam ligados a uma abstenção estatal).

Com a evolução histórica, porém, e considerando o direito do trabalho como um dos direitos prestacionais (muito embora nem todos os direitos de segunda geração dependam realmente de uma postura ativa do Estado), a atuação estatal passa a não ser suficiente. O Estado garante o trabalho, mas não garante a dignidade do trabalhador. Acrescenta-se então, mais uma característica à própria categoria taxonômica do "direito ao trabalho": a dignidade do trabalhador.

Fala-se, pois, em "direito ao trabalho digno", de forma que, retirado o elemento dignidade (intrínseco ao próprio conceito de "direito ao trabalho") destroça-se a prestação estatal. Garantir trabalho que não seja decente é o mesmo que não garantir trabalho. Não se trata, pois, a dignidade, de complemento ou acessório ao direito ao trabalho, mas propriamente de componente do seu conceito, sem o qual não há falar em direito ao trabalho, restando descumprida a função promocional estatal.

1.2 DIREITOS DO HOMEM TRABALHADOR – TRABALHO DECENTE X TRABALHO DEGRADANTE

Em que pese seja pacífica a ideia de que o trabalhador não perde o status de cidadão quando veste o macacão de operário, são frequentes as constatações de violação do chamado piso social mínimo em relação aos trabalhadores. Não são raros os casos em que trabalhadores são postos em situação periclitante em relação à própria vida, pois lhes são desrespeitados os direitos humanos mínimos, vulnerando a dignidade da pessoa humana na perspectiva relacional (comunicacional).

Assim, observado que já existe um parâmetro relativamente estável do que seja trabalho digno, e ainda assim, percebendo-se que esses padrões são diuturnamente descumpridos, nos cabe analisar quais as arestas que delineiam o conceito de trabalho degradante.

O conceito mais simplista de trabalho degradante é o que o entende como o labor que não respeita os direitos humanos. Neste sentido, aponta a autora Denise Lapolla Andrade (2005, p. 81), nos seguintes termos:

[...]como definir trabalho em condições degradantes?

Degradante, adjetivo do verbo degradar, no dizer de Aurélio Buarque de Holanda, significa privar de dignidades ou encargos, estragar, deteriorar; rebaixar.

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Trabalho degradante é, pois, aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o rebaixa e o prejudica, a ponto, inclusive, de estragar, deteriorar sua saúde.

No conceito exposto, ressalta-se que o elemento essencial do trabalho em condições degradantes é a agressão à dignidade do trabalhador. São atividades que, pela maneira que se desenvolvem, em condições precárias, violam o axioma da dignidade da pessoa humana.

Também nos parece relevante citar a Encíclica Populorum Progressio, que apregoa:

[...]toda a criação é para o homem, com a condição de ele aplicar o seu esforço inteligente em valorizá-la e, pelo seu trabalho, por assim dizer, completá-la em seu serviço. […] Deus destinou a terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos, de modo que os bens da criação afluam com eqüidade às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade". Todos os outros direitos, quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de comércio livre, estão-lhe subordinados: não devem portanto impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização; e é um dever social grave e urgente conduzi-los à sua finalidade primeira (A SANTA SÉ, 1967).

A ideia extraída da encíclica está em plena consonância com o imperativo categórico kantiano de que o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser utilizado como meio às aspirações meramente capitalistas. No embate entre o capital e a dignidade humana, deve prevalecer esta última, vez que valor inalienável.

Degradante, etimologicamente é aquilo que desce degraus. É o fenômeno no qual um ser humano (sobretudo em virtude do que mais adiante chamaremos de dupla dimensão da dignidade da pessoa humana na modalidade limite), vem a se despir (geralmente não por

sptonte sua) de um grau mínimo de proteção que lhe é garantido pela sua própria natureza

humana.

Ainda que árdua seja a tarefa de traçar os contornos do axioma da dignidade da pessoa humana, como também do trabalho degradante (razão pela qual variados são seus conceitos), no mundo fático tal tarefa encontra menos empecilhos, uma vez que, até pelo sentimento de repulsa que brota na alma, rapidamente se reconhece um trabalho que degrada a existência humana.

Trabalho degradante, pois, é aquele que fere a honra (subjetiva e objetiva), que causa pudor (em si mesmo e nos outros), que humilha, que macula a existência, que machuca o ego. Fala-se, até, em "dano existencial", sendo aquele que prejudica a própria noção existencial do trabalhador.

Para nós, numa conceituação mais ampla, trabalho degradante é aquele que fere os direitos humanos. Mesmo que, como dito, seja difícil definir, no caso concreto, quais são os

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direitos humanos, certo é que, aprioristicamente, a violação destes direitos, quando relacionados ao trabalho, geram o chamado trabalho degradante.

Assim, cabe-nos, outrossim, analisar quais os direitos humanos que são violados no trabalho degradante. Não olvidamos que os direitos humanos são uma categoria jurídica aberta, que depende de constante atualização. Assim sendo, parece importante dar mais uma contribuição no delineamento dos direitos humanos, tanto na esfera internacional, quanto no direito pátrio.

1.3 DIREITOS HUMANOS E A DESCONSTRUÇÃO DOS FUNDAMENTOS CRÍTICOS DE DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS.

Não se deve confundir a universalidade dos direitos humanos (como uma de suas características) com a tendência universalizante conceitual de direitos humanos.

A universalidade dos direitos humanos diz respeito ao fato de que os seres humanos, apenas por estarem inseridos nesta categoria, são detentores destes direitos, independentemente de qualquer critério de discriminação2. Não há pessoa humana que não seja detentora de direitos humanos.

É neste esteio que se observa que:

La universalidad de ló derechos humanos no ofrece inconveniente con alguna módica corrección conceptual. Que son universales quiere significar que le son debidos al hombre – a cada uno y a todos – en todas partes – o sea, en todos los Estados -, pero conforme a la situación histórica, temporal, y espacial que rodea a la convivencia de esos hombres en ese Estado. (CAMPOS, 1991, p.34)

Por outro lado, existe uma tendência a um conceito universalizante de direitos humanos (sobretudo na esfera dos direitos sociais - e do direito do trabalho). A globalização, além de incentivar e aumentar o comércio internacional gerou um maior intercâmbio cultural, também contribuindo igualmente para uma concepção universal de direitos humanos (ainda que não se descuide de um fundamento desconstrutivista do discurso universalista dos direitos humanos, tema que merecerá análise detida mais a frente).

2

A universalidade dos direitos humanos, analisada sob a compreensão de que todos os seres humanos, apenas por esta característica, são detentores dos direitos humanos, teve sua consagração máxima na Declaração Universal dos Diretos Humanos de 1948. (PIOVESAN, 2010, p.6)

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Com o fim da segunda guerra mundial e a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos3, realiza-se o chamado giro kantiano, privilegiando-se o reencontro do direito com a ética4. A dignidade da pessoa humana passa a ser, para além de um paradigma axiológico, também um paradigma interpretativo, de forma que o ordenamento jurídico deve ser interpretado para a realização deste valor.

Como já salientado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxe uma ideia universalista dos direitos humanos, com supedâneo na ideia de que todos os seres humanos, apenas por esta condição, são detentores de direitos humanos. Não é preciso que a pessoa preencha qualquer outro requisito para ser titular dos direitos humanos.

Contra a tendência universalista, surgiram os defensores do relativismo cultural5, consistindo na ideia de que os conceitos universais de direitos humanos devem ser relativizados frente à cultura de cada nação. Cria-se, pois, mais uma dicotomia no estudo do direito internacional: universalistas x relativistas.

Cançado Trindade também observa a importância da universalidade dos direitos humanos, indicando a irreversibilidade do processo de universalização, ainda que aponte, com argúcia, os desafios do porvir:

El movimiento universal en pro de lós derechos humanos es irreversible, admite retrocesos. Tiene su mística propia, reforzada por el ideal de la justicia internacional, que gana cuerpo en nuestros dias. Resta, sin embargo, um largo camino a recorrer. Hay que equipar los mecanismos internacionales de protección para enfrentar nuevas formas de violación de los derechos humanos y combatir la impunidad. Hay que lograra en definitiva la justiciabilidad de lós derechos económicos, sociales y culturales, negligenciados hasta el presente. Hay que fomentar la aceptación integral (sin reservas), por lós Estados, de los tratados de derechos humanos, y assegurar la aplicabilidad directa de sus normas em el plano del derecho interno de los Estados. Hay que consolidar el acesso directo de los individuos a la justicia em el plano

3

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (A/RES/217). Esboçada principalmente por John Peters Humphrey, do Canadá, mas também com a ajuda de várias pessoas de todo o mundo - Estados Unidos, França, China, Líbano entre outros, delineia os direitos humanos básicos.

4

A noção de reencontro entre o Direito e a Ética, obviamente, pressupõe a ideia de uma anterior separação. O abismo gerado entre a Ética e o Direito, em tempos mais recentes, tem como grande responsável o jusfilosofo alemão Hans Kelsen, que pretendeu sistematizar o direito como ciência que tivesse como objeto a norma jurídica. Neste sentido, apontam Tárrega e Costa, que ―Para dar ao Direito um objeto próprio (a norma jurídica), criando desta forma uma ciência do Direito, Hans Kelsen desenvolveu uma teoria que desvincula o Direito do campo da Moral, concebendo-os como duas esferas independentes, sendo a norma o único elemento essencial ao Direito, não dependendo de conteúdos morais‖ (TÁRREGA; COSTA, 2004, 222).

5 Neste sentido aponta o advogado do programa dhINTERNACIONAL Leonardo Jun Ferreira Hidaka "O argumento básico dos relativistas é que a moral tem as suas origens intimamente ligadas ao desenvolvimento histórico e sociocultural de cada sociedade, não se podendo, portanto, tentar estabelecer uma moral universal e impô-la a todos os povos, visto que cada um tem seus valores e o seu entendimento peculiar sobre a moral. Além disso, segundo essa corrente, os valores de cada sociedade são também influenciados pelo nível de desenvolvimento econômico e o sistema político sob o qual vivem as pessoas. Assim sendo, ante à diversidade cultural não pode prevalecer o universalismo." (HIDAKA, 2001, p.33)

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internacional, tesis por la qual vengo luchando hace tanto tiempo. Hay que desarrollar las obrigaciones erga omnes, de protección del ser humano, tomando sus derechos fundamentales como parte integrante del jus cogens. Y hay que diseminar el rol de La sociedad civil en la construcción de una cultura universal de observancia de los derechos humanos ( TRINDADE, 2001, p.17.)

O argumento dos relativistas é que o discurso universalista traz ínsita a ideia de imperialismo cultural exercido pelo mundo ocidental contemporâneo, olvidando-se das diferenças culturais históricas existentes entre os países. A validade do argumento estrutura-se sob o fato de que cada nação, considerando seus processos históricos, deve ter seu momento de emancipação dos direitos humanos, não podendo ser um processo centrípeta (de fora para dentro, como ocorre quando o discurso universalista é imposto por outras nações e pelo direito internacional), mas sim um processo que deve ocorrer no seio de cada Estado, levando em conta as características de cada nação.

Existem, pois, basicamente, três níveis de intensidade no movimento relativista: os relativistas radicais (que consideram que a cultura é o único elemento de validade de produção normativa); os relativistas fortes (que consideram que a cultura é o mais importante elemento de validade de produção normativa); e os relativistas fracos (que consideram que a cultura é o mais um dentre os elementos de validade de produção normativa)6.

Seja como for, há uma lógica coerente no discurso relativista: de fato, trata-se de um discurso com mais aceitação no mundo ocidental. Tal argumento, porém, apesar de lógico, não deve prevalecer. Antes de prosseguir, uma constatação deve ser feita. Ainda que consideremos que o direito não se presta a afirmações peremptórias e irredutíveis (pois o Direito é a ciência da dialética, do debate, da fundamentação), é preciso ser firme e irredutível quando o tema é o dos direitos humanos: nenhuma construção teórica deve servir de amparo à violação dos direitos humanos. Não se deve permitir que determinados discursos de relativismo cultural venham a permitir que um trabalhador seja vilipendiado em seu direito mínimo, em seu mínimo ético irredutível.

6 Na mesma linha: ―Existe o ‗relativismo radical‘, segundo o qual a cultura, e apenas ela, é a fonte de todos os valores, sendo impossível, portanto, conceber direito humanos de maneira universal. Numa posição menos extremista, há o ‗forte relativismo‘, que entende que a cultura é a mais importante, mas não a única, fonte de validade dos direitos. E, por último, há o ‗relativismo fraco‘, pelo qual a cultura pode vir a influenciar a concepção de direitos humanos, mas não em sua substância e, sim, na sua assimilação e implementação em um

determinado lugar.

A Antropologia desenvolveu duas versões do relativismo ético, quais sejam, o ceticismo, pelo qual nada é certo ou errado, e nenhum princípio moral é realmente legítimo; e o relativismo boasiano, que reconhece a existência de princípios de certo e errado, mas alega que sua validade é limitada aos membros daquela sociedade em particular, pois o conteúdo daqueles princípios varia de sociedade para sociedade. (HIDAKA, 2001, p.35).

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Apenas como exemplo, na chamada Declaração do Milênio, um dos objetivos traçados foi o de "Reduzir para metade, até ao ano 2015, a percentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que passam fome; de igual modo, reduzir para metade a percentagem de pessoas que não têm acesso a água potável ou carecem de meios para o obter." Não há qualquer possibilidade de se construir qualquer discurso que justifique o fato de uma pessoa, seja em que lugar do mundo for, ganhar menos do que um dólar por dia de trabalho. Qualquer discurso nesse sentido beira o absurdo, e mais se assemelha a um discurso protecionista dos detentores do capital para permanecer explorando o labor humano e, principalmente, destruindo a dignidade do trabalhador.

É preciso sublinhar, entretanto, que todo este debate (universalismo x relativismo), em nossa opinião, fica restrito aos direito humanos ditos fundamentais, não alcançando os direitos apenas formalmente humanos. A distinção diz respeito à essencialidade do direito, sendo que, só são fundamentais aqueles que dizem respeito ao conjunto basilar de direitos. De outro lado, nem todos os direitos previstos em instrumentos normativos internacionais que tratem sobre direitos humanos são essencialmente fundamentais, mas apenas formalmente humanos (justamente por constar destes instrumentos internacionais).

A diferença fica clara, apesar de não utilizar a mesma nomenclatura, nas palavras de BRITO FILHO:

É que só é possível sustentar ideia global de trabalho decente se entendermos possível a concepção de que existem direitos que devem ser respeitados por todos os estados, por todos os povos, em todos os lugares. (BRITO FILHO, 2010, p. 29)

E prossegue, versando acerca da essencialidade dos direitos humanos (ditos fundamentais):

De nossa parte, acreditamos na necessidade de ter uma ordem mundial a respeito de direitos humanos, com determinados direitos e valores sendo de observância obrigatória em qualquer lugar do globo. Apenas deve ser observado que tais direitos não serão, necessariamente todos os definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, até porque nela, resta claro, alguns direitos são próprios das sociedades que compõem o chamado mundo ocidental e, outros, de forma mais restrita, ainda, concernentes ao modo capitalista de produção. Ora, não há nada que indique que nosso modo de viver e agir é melhor que o de outras culturas, em certos aspectos, nem que a propriedade privada dos meios de produção é a única forma de uma sociedade lidar com a produção de bens. Nesse sentido, nem todos os direitos previstos na Declaração deverão ser tidos como dentro do conjunto mínimo de direitos definidos como direitos humanos. Usando o exemplo dado, no caso o do art. XVII da Declaração, que prevê o direito de propriedade, individualmente ou em sociedade, observe-se que nada haveria de ofensivo aos direitos humanos se, em determinado Estado, fosse abolido, como já ocorreu, o direito de propriedade, ou, ao menos, a propriedade dos meios necessários à produção. Observe-se ainda, que, não

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estamos, aqui, a defender nem a propriedade, nem sua abolição, mas simplesmente indicando o fato de que não pode ser este tido como direito universal, insuscetível de inexistir, em algumas sociedades. (BRITO, FILHO, 2010, p. 32)

De fato, o direito de propriedade é um bom exemplo para demonstrar a distinção supra realizada entre direitos materialmente humanos e direitos formalmente humanos. O direito de propriedade é formalmente humano, por constar de instrumento normativo internacional (Declaração Universal dos Direitos Humanos), mas não é materialmente humano, por não estar inserto no conteúdo mínimo de proteção da dignidade da pessoa humana. Retirar o direito de propriedade, ou até os meios de produção, não acarreta necessária violação à dignidade. Não é possível sustentar que em países que tenham abolido a propriedade privada, concentrando a propriedade nas mãos do Estado, impliquem necessariamente no aviltamento do padrão mínimo social.

E como decidir, no caso concreto, se determinado direito humano é ou não fundamental? A resposta consiste em utilizar o princípio da dignidade da pessoa humana como tábua axiológica para medir a essencialidade do direito posto em debate. É o que aponta BRITO FILHO (2010, p. 25):

Quando falamos em Direitos Humanos, referimo-nos ao conjunto mínimo de direitos que permitam ao homem viver com dignidade - nesses termos, adiantamos desde logo, é a dignidade o parâmetro que pensamos deva ser utilizado para definir o que deve ser considerado como integrante dos Direitos Humanos.

E desta forma, no que tange ao direito do trabalho, o conteúdo básico dos direitos dos trabalhadores é bem traçado por BRITO FILHO, para quem o conjunto mínimo:

É composto do direito ao trabalho, principal meio de sobrevivência daqueles que, despossuídos de capital, vendem sua força de trabalho; da liberdade de escolha do trabalho e, uma vez obtido o emprego, do direito de nele encontrar condições justas, tanto no tocante à remuneração como no que diz respeito ao limite de horas trabalhadas e períodos de repouso. Garante ainda o direito dos trabalhadores de se unirem em associação, com o objetivo de defesa de seus interesses. (2010, p. 43).

Assim, é importante que se almeje uma concepção universal dos direitos humanos fundamentais. E existem alguns direitos que devem ser respeitados seja qual for o lugar do mundo. Estes direitos, ditos universais, devem ser aplicados em qualquer lugar do mundo, não se sujeitando à peculiaridades e vicissitudes de determinados Estados.

Contudo, é preciso pontuar que o conceito de universalismo (em oposição ao relativismo) não se confunde, como já frisado, com a ideia de universalidade trazida pela

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Declaração Universal dos Direitos Humanos. Se, por um lado, a universalidade apregoa que todos os seres humanos, apenas por esta condição, são detentores de direitos humanos (e aqui não o que se relativizar), o universalismo diz respeito à possibilidade de aplicação destes direitos mínimos em todos os países.

Acontece que o indicado diploma normativo contém tanto normas de patamar mínimo (direitos que devem ser concedidos a todos os seres humanos e marcados, pois, pela universalidade; mas também marcados pelo universalismo, vez que não podem estar sujeitas a relativismos) quanto normas que veiculam direitos não necessariamente ligados àquele patamar mínimo.

E este debate é essencial, já que, se vislumbramos a definição de trabalho degradante como aquela que viola os direitos humanos fundamentais, é preciso que distingamos quais direitos são fundamentais e quais não são.

Os direitos humanos ditos não fundamentais, portanto, assim entendidos como aqueles que não são necessários ao conceito de dignidade da pessoa humana, não estão sujeitos à cláusula do universalismo, e, assim sendo, estão sujeitas a alegações de relativização.

E para delinear o conteúdo do trabalho degradantes, é preciso retornar à análise do conteúdo da dignidade da pessoa humana, tema que será objeto do nosso estudo no próximo item.

1.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Se conceituamos o trabalho degradante como aquele que viola o axioma da dignidade da pessoa humana, nos cabe mergulhar sobre seu conteúdo.

Em relação à etimologia, a observação do professor Cléber Francisco Alves, é extremamente pertinente:

A palavra DIGNIDADE tem sua origem etimológica no termo latino dignitas, que significa ―respeitabilidade‖, ―prestígio‖, ―consideração‖, ―estima‖, ―nobreza‖, ―excelência‖, enfim, indica ―qualidade daquilo que é digno e merece respeito ou reverência‖. (ALVES, 2011, p.109)

Por sua vez, é por demais conhecida a origem etimológica da palavra PESSOA: veio da expressão latina per-sonare, que se referia à máscara teatral utilizada para amplificar a voz dos atores, passando depois a servir para designar a própria personagem representada. (ALVES, 2011, p.111)

Destaca-se que se nos afigura impossível, no Brasil, falar sobre dignidade da pessoa humana sem citar o conceito do professor Ingo Wolfgang Sarlet, que a define como:

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A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo ato de cunho degradante e desumano , como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002, p.62)

Preliminarmente, é preciso traçar as seguintes distinções perfunctórias:

a) Direito do homem - tem cunho jusnaturalista. São direitos conexos ao direito natural, como o direito à vida e à liberdade. É direito natural de todo homem, e independe de reconhecimento por qualquer ordem jurídica. O exemplo mais marcante de utilização desta expressão é o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen).

b) Direitos humanos - são os direitos do homem consagrados na ordem normativa internacional. Superam a previsão meramente abstrata e passa a figurar positivados em tratados e convenções internacionais.

c) Direitos fundamentais - são os direitos humanos reconhecidos na ordem interna de cada Estado.

d) Dignidade humana e dignidade da pessoa humana - aquela é aferível em abstrato (independentemente da pessoa que tenha tido seus direitos violados); enquanto esta é aferível em concreto.

No campo dos direito humanos, se faz necessário o estudo da dignidade da pessoa humana, sobretudo para dar concretude à distinção entre os direitos materialmente humanos e os direitos formalmente humanos (sendo estes aqueles que constam dos tratados internacionais de direitos humanos mas não veiculam padrões mínimos garantidores da dignidade da pessoa humana).

A dignidade da pessoa humana não é, apenas, mais um dos direitos humanos. Para Flávia Piovesan (2000), é na dignidade da pessoa humana que o ordenamento jurídico encontra seu sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada.

Para além de uma visão meramente normativa, o princípio da dignidade da pessoa humana, aliás, configura-se como princípio ―MONOvalente‖, tendo aplicabilidade não apenas no campo do Direito do Trabalho (não é mero princípio setorial do ramo juslaboral), mas de todo o conhecimento jurídico.

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O Estado deve existir em função das pessoas, e não as pessoas em função do estado7. É o princípio da dignidade da pessoa humana que anima todo o ordenamento jurídico e serve como parâmetro de interpretação para as demais normas do aparato normativo doméstico e internacional.

A definição de dignidade da pessoa humana (assim como a própria noção de direitos humanos) não deve estar aprisionada em texto normativo, mesmo que de direito internacional, pois é a historicidade (a composição de seu conceito ao longo do tempo) uma de suas características mais marcantes.

[...]pensamos que não há definição precisa nem delimitação de seu alcance na lei, na doutrina ou na jurisprudência. Na ordem jurídica estatal e internacional, de qualquer modo, tem se apresentado como princípio fundamental. Na atualidade, ademais, tem sido continuamente empregado como fundamento para justificar distintas decisões judiciais. Sua utilização é associada, usualmente, a expressões como "fundamento basilar do direito", "princípio essencial da ordem jurídica", "direito inalienável do ser humano, entre outras (PEDUZZI, 2009, p. 17-18)

Trata-se do ―princípio da não identificação‖, que informa da desnecessidade de se definir, no ordenamento jurídico, qual é o conteúdo dos direitos humanos. A ideia de aprisionar conceitualmente os direitos humanos, implica na inflexibilidade, prendendo-os a determinados contextos históricos e culturais, sem atentar para as alterações de tempo e espaço.

1.5 DAS DIMENSÕES DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Há, pelo menos, quatro maneiras diferentes de se enxergar a dignidade da pessoa humana, sendo que as perspectivas não são mutuamente excludentes. Para efeitos didáticos, numeraremos as suas dimensões de um a quatro.

1.5.1 PRIMEIRA DIMENSÃO - DIMENSÃO ÔNTICA, ONTOLÓGICA OU AUTONÔMICA.

A exemplo do conceito que demos de direito humanos, a dignidade da pessoa humana é elemento componente do conceito de pessoa humana. Observe-se que a dignidade da pessoa

7

"El estado fue efectivamente concebido para la realización del bién común, y no se puede invocar su "soberania" para intentar justificar violaciones del derecho a la vida y del derecho a la integridad de la persona humana." "(TRINDADE, 2001, p.18)

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humana faz parte da própria essência da constituição da pessoa humana, e não mero atributo. Constitui-se, pois, no valor próprio que identifica o ser humano como tal.

Trata-se, como assevera Ingo Sarlet, de qualidade intrínseca, e não dependente de reconhecimento por lei ou contrato, e assim, sendo constitui ―elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar a possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade‖ (SARLET, 2007). É dizer, o direito ao respeito à dignidade não está ligada à necessidade de o indivíduo exercer uma pretensão. Não existe pretensão a este respeito, e nem precisa existir. O respeito à dignidade da pessoa humana existe in potentia e é exercível erga

omnes.

Segundo esta concepção, a dignidade da pessoa humana é intrínseca e inalienável, compondo, automaticamente, o seu próprio patrimônio jurídico.

Sendo a dignidade da pessoa humana elemento do próprio ser, cada sujeito tem a liberdade e a autonomia de traçar e buscar seus planos de vida conforme suas determinações.

É preciso perceber que o direito a um trabalho digno relaciona-se diretamente com a dimensão ontológica da dignidade da pessoa humana, pois, no modelo contemporâneo de sociedade, não é provável que qualquer pessoa possa ter igualdade de ponto de partida se não detém um trabalho digno, com remuneração justa, que respeita os direitos mínimos do conteúdo da dignidade.

A autonomia que se subjaz à ideia de dignidade em sentido ontológico perpassa justamente pela possibilidade de que cada ser humano possa traçar seus planos de vida. Não é que defendamos que se deva garantir a todos que alcancem seus planos, mas se deve garantir que todos tenham uma igualdade de ponto de partida. Trata-se de uma ―capacidade potencial que cada ser humano tem de autodeterminar sua conduta, não dependendo da sua efetiva realização no caso da pessoa em concreto‖ (SARLET, 2007). E, para que isto ocorra, é preciso que se tenha um trabalho digno.

Como frisamos supra, o conteúdo mínimo dos direitos dos trabalhadores:

É composto do direito ao trabalho, principal meio de sobrevivência daqueles que, despossuídos de capital, vendem sua força de trabalho; da liberdade de escolha do trabalho e, uma vez obtido o emprego, do direito de nele encontrar condições justas, tanto no tocante à remuneração como no que diz respeito ao limite de horas trabalhadas e períodos de repouso. Garante ainda o direito dos trabalhadores de se unirem em associação, com o objetivo de defesa de seus interesses. (2010, p. 43).

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1.5.2 SEGUNDA DIMENSÃO - DIMENSÃO COMUNICATIVA,

INTERSUBJETIVA, RELACIONAL, SOCIAL OU COMUNITÁRIA

Para além de uma leitura meramente reducionista e liberal-individualista, essa perspectiva privilegia a aplicação da dignidade da pessoa humana através dos direitos de igualdade e solidariedade.

Os seres humanos são seres sociais, e, portanto, relacionam-se entre si. No exercício dos seus direitos, o indivíduo deve respeitar os seus pares, assim como deve ter seus direitos respeitados, tanto por seus pares quanto pelo Estado.

Também há uma total relação entre a dimensão comunicativa e o trabalho digno. Explicamo-nos.

Conforme pontua Amauri Mascaro do Nascimento:

O direito ao trabalho tende à realização de um valor: a justiça social. Não é o único meio de sua consecução, mas é uma das formas pelas quais um conjunto de medidas que envolvem técnicas econômicas de melhor distribuição de riquezas, técnicas políticas de organização da convivência dos homens e do Estado e técnicas jurídicas destinadas a garantir a liberdade do ser humano, dimensionando-a num sentido social, visa a atingir a justiça social

Percebe-se, portanto, que a dimensão relacional também se estrutura sob o dogma do respeito (ético, moral e jurídico) entre as pessoas e entre cada indivíduo e o Estado. A consecução de uma ordem social justa é o paradigma da dimensão comunicativa.

E não há como imaginar uma justiça social, contemporaneamente, sem a perspectiva de um trabalho digno, com respeito aos direitos humanos fundamentais, dada a importância que assumem as relações de trabalho na sociedade.

Foi neste esteio, inclusive, que se construiu a Doutrina Social da Igreja, alicerçada no direito ao trabalho como fator inerente à própria dignidade pessoal do homem, inclusive com a previsão de ―justo salário‖. Tudo, sublinhe-se, amparado num conceito mais amplo: a dignidade do indivíduo trabalhador.

É que o trabalho digno, sobretudo na acepção de ―direito ao trabalho‖, conforme citado acima, além de garantir subsídios e ferramentas na consecução de seus planos individuais (na dimensão ontológica), auxilia na socialização do indivíduo perante seu meio. É dizer: em uma sociedade onde a maioria da população aufere suas rendas do trabalho, queda-se deslocado da sociedade o indivíduo que não consegue se inserir no mercado de trabalho.

(27)

Desta forma, cabe ao Estado, como corolário do princípio da obrigação mínima8 (observado a ideia da progressividade dos direitos sociais), garantir ao indivíduo oportunidade(s) de emprego. Quedar-se inerte diante de um quadro de desemprego estrutural implica uma postura violadora dos direitos humanos do trabalhador (na modalidade ―direito ao emprego‖)

Da mesma forma, cabe ao Estado tutelar o direito de associação. Não basta permitir o direito de ação. É preciso que o Estado adote posturas ativas no sentido de garantir este direito (por exemplo, fornecendo segurança pública para que as pessoas possam livremente se reunir). Mais uma vez, trata-se de violação da dignidade da pessoa trabalhadora (na modalidade comunicacional) posturas estatais que inibam, ainda que indiretamente, o direito de associação.

Por fim, mesmo havendo emprego, é preciso que o Estado e o empregador (e os próprios empregados entre si) respeitem a dignidade uns dos outros, sem opor-lhes quaisquer condutas que possam vir a vilipendiar o patrimônio jurídico alheio. Assim, quando o empregador deixa de remunerar o empregado de forma justa (ou simplesmente não o remunera) está agindo de forma a malferir o conteúdo mínimo deste individuo, subtraindo-lhe a possibilidade de traçar e buscar seus planos de vida (dimensão ontológica) e ultrajando relacionalmente seus direitos básicos (dimensão social).

1.5.3 TERCEIRA DIMENSÃO - DIMENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL

O conceito de dignidade da pessoa humana constrói-se ao longo do tempo, e pertence a determinado lugar. Os direitos humanos são um construído e não um dado estático. É uma categoria aberta, que demanda constante concretização e delimitação da praxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais.

É correto afirmar, então, que a dignidade da pessoa humana é categoria axiológica aberta, que ―não poderá ser conceituada de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que

8

Ao versar sobre a principiologia dos direitos sociais, a professora Flávia Piovesan extrai, da jurisprudência internacional, alguns princípios, destacando-se o da observância do minimum core obligation, apontando que ―A jurisprudência internacional, fomentada pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tem endossado o dever dos Estados de observar um minimum core obligation no tocante aos direitos sociais. Como explica David Bilchitz: "The Committee found that a minimum core obligation to ensure the satisfaction of, at the very least, minimum essential levels of each of the rights is incumbent upon every State party […]. Minimum core obligations are those obligations to meet the "minimum essential levels of a right"(30). O dever de observância do mínimo essencial concernente aos direitos sociais tem como fonte o princípio maior da dignidade humana, que é o princípio fundante e nuclear do Direito dos Direitos Humanos‖ (PIOVESAN, 2010, p.21)

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uma definição desta natureza mão harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democrática contemporâneas‖ (SARLET, 2007).

É o que pontua, com maestria, Norberto Bobbio:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstancias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 2004, p.25)

Há, portanto, total relação entre a ideia de historicidade o direito ao trabalho. Isto porque, ao longo da história, nem sempre o trabalho foi considerado algo positivo. Como já frisamos, em tempos outros, o trabalho tinha caráter de punição, cabendo aos nobres o prazer do ócio.

Certo é que, na atual conjuntura, seja qual for o lugar, o direito ao trabalho digno deve ser respeitado. E com esta assertiva não estamos negando a historicidade e a relação com determinados costumes culturais. Muito pelo contrário. Estamos a afirmar que a práxis contemporânea constituiu a defesa do trabalho digno como um direito humano básico, ou, na linguagem que utilizamos acima, um direito humano dito fundamental, e, portanto, sujeito à cláusula do universalismo.

1.5.4 QUARTA DIMENSÃO – A CHAMADA DUPLA DIMENSÃO (NEGATIVA E PRESTACIONAL)

A existência da dignidade da pessoa humana implica na existência da chamada dupla dimensão: de um lado temos a dimensão limite, no sentido de que, ainda que exista a autonomia de posturas, não se pode conceder que o ser humano se dispa de sua dignidade (ainda porque a mesma é irrenunciável); de outro lado, temos a dimensão tarefa, consistente no função prestacional atribuída ao Estado de garantir os direitos humanos.

Em uma leitura superficial, é possível cogitar a existência de choque nos conceitos de dimensão ontológica e dimensão limite. De fato, ambos os conceitos devem funcionar de forma elástica, indo a dimensão limite até onde a dimensão ontológica não pode ir.

Se, contudo, houver choque entre as dimensões, há de prevalecer a dimensão limite, vez que ―a dignidade, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá, dadas as circunstância, prevalecer em face da dimensão autonômica‖.

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Trazendo o debate para a esfera trabalhista, temos que um trabalhador pode e deve escolher trabalhar como, quando e onde quiser (e inclusive não trabalhar, se assim desejar9). A autonomia de contratação decorre da autonomia privada, instituto tão caro às revoluções burguesas. As novas formas de prestação de trabalho, a chamada crise do direito do trabalho, a crise do emprego, a crise do sindicalismo, dão amparo a um nova e amplíssima liberdade de modelos de contratação. Fala-se em part-time job, em split salary, dépeçage, lei de incentivo aos novos empregos, e outras novas figuras jurídicas10.

Todas estas novas formas de contratação se inserem na autonomia privada, e deve ser concedido o direito ao trabalhador de escolher o trabalho que melhor lhe aprouver. Estes novos contratos, aliás, ao invés do que se pode pensar aprioristicamente (flexibilização, diminuição ou perda dos direitos trabalhistas), configura sim uma necessidade de adaptação ao modelo contemporâneo de produção, e, a posteriori, uma forma de proteção aos trabalhadores na nova ―aldeia global‖.

Nada impede, portanto, que um trabalhador aceite dividir seu posto de trabalho com outro trabalhador, desde que a remuneração horária seja justa. A dimensão ontológica da dignidade da pessoa humana alberga este tipo de contrato, não ensejando violação ao axioma da dignidade.

Por outro lado, não pode o trabalhador, despindo-se de sua qualidade intrínseca (consistente na dimensão ontológica), aceitar (ou se forçado) a trabalhar de forma escravizada. Nesta hipótese sim, teríamos violação ao conteúdo ontológico da dignidade, surgindo espaço para a aplicabilidade da dimensão limite.

9 Segundo Messias Pereira Donato, a liberdade de trabalhar se manifesta sob três aspectos: liberdade de trabalhar; liberdade de escolha de trabalho; e liberdade de não trabalhar. Essa liberdade, segundo o mesmo autor, invoca os seguintes princípios: a) liberdade de iniciativa; b) valorização do trabalho como condição da dignidade humana; c) harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; d) repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros; e) expansão das oportunidades de emprego produtivo. (DONATO, 1977, p. 45-46)

10

―As novas figuras jurídicas com que o direito do trabalho passou a defrontar são, entre outras: a ampliação do uso dos contratos de trabalho a prazo mediante formas diversificadas; a redução da jornada normal e da carga semanal de trabalho, principalmente por meio de negociações coletivas, como forma de abertura de novos empregos, em alguns casos com a redução dos salários e em outro com a manutenção dos níveis salariais; estratégias de compensação de horários, dias ou semanas de trabalho, como, por exemplo, a anualidade da jornada normal, o que significa que o acréscimo pago pelas horas extraordinárias só é devido no caso de excesso do total das horas normais estabelecidas para o ano; a redução, por iniciativa do Governo, de encargos previdenciários que oneram o empregador, como meio de incentivo para a contratação de trabalhadores; o trabalho de meio expediente, que, nos Países Baixos atingiu cifras próximas de 16% da força de trabalho masculina e 60% da feminina (1990); programas de reciclagem profissional para os trabalhadores; programas específicos para a geração de emprego para deficientes; multifuncionalidade do empregado, o que significa a necessidade da sua aptidão para exercer mais de uma tarefa na empresa; derrogação das vantagens asseguradas pelo contrato individual por meio de acordos coletivos sindicais; a temporariedade do emprego; a variabilidade da remuneração não mais em bases fixas, mas condicionada à produtividade; o trabalho social ou de interesse público; o trabalho voluntário de finalidade assistencial‖ (NASCIMENTO, 2011, p. 76)

(30)

Noutra baila, não devem ser admitidas posturas inertes do Estado em relação aos direitos humanos, já que a dimensão tarefa atribui ao Estado o dever de garantir a dignidade da pessoa humana.

Como já pudemos frisar, cabe ao Estado a função de criar postos de trabalho, sobretudo através de políticas públicas voltadas à qualificação do trabalhador e ao aquecimento da economia (para gerar mais postos de emprego). Caso o Estado se mantenha inerte, configurada estará a violação dos direitos humanos sob a dimensão tarefa.

1.6 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Muito se discute a respeito da possibilidade de se preencher o conteúdo jurídico, do princípio da dignidade humana (SARLET, 2006, p. 40). É preciso, pois, definir quais os contornos dos direitos humanos para se poder aferir quando há violação destes direitos.

São recorrentes afirmações peremptórias de violação ao conteúdo jurídico desse conceito, sem, entretanto, conformar-se o significado do que seria a dignidade humana, propriamente dita (AGUIAR, 2008). É pois, impossível a caracterização de violação de direito humanos sem o seu delineamento.

Construiu-se, de toda sorte, certa universalidade em torno do entendimento de que determinadas condutas, diante de tamanha agressividade, feririam a dignidade humana.

Há, por outro lado, interessante entendimento de Maria Celina Bodin de Moraes (2006) que a dignidade humana é composta por quatro subprincípios, a saber: liberdade, integridade psicofísica, solidariedade e igualdade (AGUIAR, 2008). Para ela, somente estes podem ser relativizados, já que sua condição é de subprincípios em relação ao princípio maior e absoluto, qual seja o da dignidade da natureza humana. Desta maneira, o macro princípio da dignidade da natureza humana, em nenhuma circunstância, poderá ser relativizado (MORAIS, 2006, p. 85).

Não parece ser esta a posição mais consentânea com o discurso universalista, pelas razões já expostas. Em nossa opinião, tributária do discurso universalista dos direitos humanos, não há qualquer daqueles subprincípios que possa ser violado. Liberdade, integridade psicofísica, solidariedade e igualdade são direito humanos (como todos o são) marcados pela nota da inalienabilidade e não podem ser flexibilizados.

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Um dos exemplos que hoje se nos afigura claro de violação dos direitos humanos é a exploração do trabalho infantil, cujo tema foi tratado por nossa Carta Magna.

Em seu Artigo 1º, a Constituição de 1988 afirma que "cidadania e dignidade da pessoa humana" são, entre outros, "fundamentos da República Federativa do Brasil", que "constitui-se Estado Democrático de Direito". Daí em diante, independente da clas"constitui-se social a que pertença, crianças e adolescentes passaram a ser sujeitos de direitos11 e a ter um novo olhar, ao ter seus direitos assegurados com "absoluta prioridade", através de políticas públicas articuladas (Artigo 227 da Constituição de 1988), citado anteriormente (BRASIL, 1988).

Sob a ótica da guarda às crianças e adolescentes, a doutrina descreve que deve existir a proteção em sua totalidade dos direitos e garantias essenciais de proteção ao que concerne à infância. É de direito da criança, assim como qualquer ser humano, a dignidade. Tendo como base essa dignidade ofertada à criança aplicada os mesmos direitos dos adultos. A criança constitui um ser indefeso, que está na fase de desenvolvimento e por isso são designadas a receber proteção precoce.

Compreender o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é aferir da sua inclusão no seio de um Estado Democrático de Direito, que se alicerça nas bases do nosso sistema constitucional e também da organização, como Estado Federativo, com o propósito de garantir a ação dos direitos de ordem social e individual, tangendo a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, igualdade e a inserção da justiça como atitudes morais supremas de uma sociedade fraternal, pluralista e que omita os preconceitos, sustentada no equilíbrio social e participativo, tanto na esfera interna e internacional, que visa solucionar as incongruências de forma pacificadora, assim como se observa no prefácio da nossa Constituição, que traz na essência os desejos veementes da sociedade e a busca da segurança jurídica. (BARBIERI, 2007).

No Brasil, existem muitas crianças sofrendo violação em seus direitos básicos. A criança de classe social mais favorecida tem seus direitos respeitados, na maioria das vezes, ou seja, ela tem moradia, condição de brincar, estudar, dispõe de recursos financeiros para alimentar-se de forma adequada, tem acesso a serviços de saúde garantidos pelos planos de saúde, não precisa trabalhar para ajudar no orçamento familiar. O mesmo não acontece com as das classes menos favorecidas. Elas são "obrigadas" a sustentar ou ajudar no sustento da

11 O que levou a autora Josiane Rose Petry Veronese a se referir à condição de sujeito-cidadão adquirido pelas crianças e adolescentes (VERONESE, 1999, p.82)

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família, desde cedo. São essas crianças que têm seus direitos violados. Tem-se uma estimativa, segundo o "Informe da OIT para Intensificar a Luta contra o Trabalho Infantil", publicado em 2010, que, atualmente, 215 milhões de crianças e adolescentes estão envolvidas em situação de trabalho precoce e mais da metade delas (115 milhões), em atividades consideradas perigosas (TRABALHO..., 2010).

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