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CAPÍTULO IV – O ADOLESCENTE ENQUANTO SER SOCIAL E EMOCIONAL EM MUTAÇÃO

4.1. O Adolescente em Transformação

Na abordagem ao estádio de desenvolvimento a que correspondem os jovens que fazem parte da investigação, tivemos em conta os estádios piagetianos que se baseiam na noção de estrutura cognitiva, mas também os estádios psicanalíticos do desenvolvimento afectivo e o desenvolvimento biológico.

No entender do psicólogo suíço Jean Piaget, a inteligência resulta da “adaptação

biológica”, e todo o ser humano desde a nascença até à idade adulta, partilha o facto de

passar por várias fases de desenvolvimento que sucedem na mesma ordem, a que chamou estádios. (Golse, B., 2005). Embora baseado nos estudos do francês Alfred Binet e de Théodore Simon, com o qual trabalhou, aligeirou o extremismo empírico para com a medição do QI, ao defender que mais importante do que a precisão da resposta é a linha de raciocínio seguida pela mesma.

Embora Piaget negasse a existência de uma estrutura afectiva, defendia que “a

afectividade intervém nas operações da inteligência que as estimula ou perturba, que é causa de acelerações ou atrasos no desenvolvimento intelectual” (Delahanty & Perrés,

1994, cit. por Rodrigues, 2006), razão suficiente para se dar atenção às emoções.

Segundo Piaget, “A adolescência é a idade dos grandes ideais e dos projectos de

futuro. Mas este desenvolvimento afectivo e social tem como condição prévia, entre outras, a transformação do pensamento.” (cit. por Golse, 2005), o jovem adquire o

“pensamento formal” e o “raciocínio hipotético-dedutivo”, isto é, o jovem entre os 12 e os 16 anos, não só é capaz de efectuar em pensamento acções possíveis perante uma realidade, mas também reflectir sobre as consequências dessas acções. Nesta fase, o jovem “torna-se capaz de reflectir antes de experimentar e fazer o inventário das

hipóteses possíveis antes de proceder a uma verificação sistemática.” (Golse, 2005, p.

207).

Desde os inícios do séc. XX, até aos dias de hoje, constatamos uma alteração no interesse dos investigadores da inteligência. Se a teoria piagetiana, a teoria de processamento de informações de Robert Sternberg, as diversas abordagens de QI, ignoram a biologia, focalizando-se apenas na resolução de problemas lógico e/ou

linguístico, actualmente, existe uma crescente preocupação, através de diversas investigações feitas, em perceber de que forma a biologia e o contexto afectam o comportamento humano.

A partir dos 12 anos, com a puberdade, surgem mudanças biológicas nas crianças, sendo, segundo alguns psicólogos, uma idade crucial para a aprendizagem de lições sociais e emocionais. Para Goleman, “A transição para a escola média ou

secundária marca o fim da infância, e constitui por si mesma um formidável desafio emocional. (…) têm uma quebra da autoconfiança e uma subida de autoconsciência; as próprias noções que têm de si mesmos são confusas e tumultuosas.” (1997, p. 297). O

adolescente encontra-se num estado de conflito de valores, atitudes e ideologias levando a conflitos emocionais crescentes e desencadeando posições extremas e mudanças radicais de comportamento (Lewin, 1939, cit. por Minicucci, 2002).

De facto, ao longo de décadas, investigadores e psicólogos, como Braconnier, Marcelli, Piaget, Sampaio, Vaz, Hargreaves, Fleming, e tantos outros, constataram através dos seus estudos e experiências que existe um quadro de características universais correspondentes a esta etapa do desenvolvimento humano. Todos são unânimes quanto ao facto desta etapa ser marcada por grandes mudanças fisiológicas, que levam à descoberta da sexualidade plena e que geram inseguranças e frustrações, que consequentemente levam ao despoletar do instinto agressivo. Mas conforme refere Piaget, também é a idade em que o jovem adquire o pensamento formal e o raciocínio hipotético-dedutivo, isto é, adquire a maturidade cognitiva. Então, partindo desta sequência de raciocínio, ao longo deste estágio de desenvolvimento o adolescente vai definindo o próprio self e esbatendo as suas inseguranças e frustrações. Neste período, constata-se que:

“Os relacionamentos com os outros não são mais fundados principalmente nas recompensas físicas que os outros possam oferecer, porém, antes, no apoio psicológico e entendimento que um indivíduo sensível pode oferecer. (…) O jovem reconhece que qualquer sociedade deve ter leis para funcionar adequadamente, mas que estas leis não deveriam ser cegamente obedecidas (…) Os indivíduos continuam a ter um desejo de ser reconhecidos e amados pelos outros, mas há um crescente reconhecimento de que a partilha total não é possível. (…) A adolescência vem a ser aquele período da vida no qual os indivíduos devem unir estas duas formas de conhecimento pessoal em um sentido maior e mais organizado, um senso de identidade (…). É necessário que o indivíduo chegue a um acordo com seus próprios sentimentos, motivações e desejos pessoais – inclusive com os poderosos desejos sexuais que são seu quinhão por ter passado da puberdade; e então é bem possível que hajam problemas contra os quais lutar durante este estressante período do ciclo vital. Pode haver também considerável pressão – e desejo – de pensar sobre a emergência do senso de eu, de maneira que o conhecimento proposicional sobre o eu torna-se uma opção valorizada em alguns ambientes culturais. ” (Gardner, 1994, pp. 194-195)

Segundo Braconnier e Marcelli, a adolescência é marcada pelo despoletar do instinto sexual e do instinto agressivo, afirmando que “A activação destes dois instintos,

que é de resto necessária à espécie e à sobrevivência, levam o adolescente e a adolescente a interrogarem-se sobre o seu mundo pulsional e a manifestar toda série de emoções, de humores e de comportamentos nas relações entre eles e outrem” (2000,

p.53). A beleza física e a sexualidade assumem um papel primordial nas preocupações dos jovens, daí que educar emocionalmente estes jovens possa ser uma ajuda decisiva para a sua saúde física e mental.

Sendo verdade que os jovens entre os 12 e os 16 anos, são impulsivos, instáveis, opositores, intransigentes, inibidos, idealistas ou omnipotentes, entendemos ser necessário que as escolas comecem a preocupar-se com a educação emocional dos jovens, tornando-os mais aptos socialmente, menos agressivos, menos ansiosos, mais tolerantes, mais cooperativos e impulsionando a sua auto-estima e criatividade. Como referem Braconnier e Marcelli:

“A impulsividade é um traço de comportamento frequente na adolescência, mas alguns adolescentes não suportam nenhum limite, nenhuma frustração e, mal experimentam um certo desejo ou necessidade, têm de o realizar ou de o satisfazer. (…) O adolescente não pára de mudar de interesse, ocupação, relação de amizade ou amorosa. (…) Para sentir que existe, terá necessidade de estar obstinadamente em oposição. (…) O adolescente intransigente quer obter a totalidade do que exige sem nenhum compromisso, nenhum limite e, se não o conseguir, prefere não ter absolutamente nada. (…) Encontra-se frequentemente na adolescência uma timidez momentânea ou parcial. Ela só constitui um traço “caracterial” quando invade de forma predominante o funcionamento do sujeito nos seus diferentes aspectos: na sua vida relacional (“grande timidez”), na sua vida psíquica (inibição de fantasmar), na sua vida intelectual, provocando então dificuldades escolares (…) uma das características da adolescência era renunciar a uma certa forma de “omnipotência” própria da infância. Evidentemente, alguns adolescentes não podem renunciar a esta omnipotência da infância e desenvolvem nos seus comportamentos, pensamentos e emoções na mesma ilusão de poder absoluto. (…) A constituição do ideal é uma das tarefas essenciais da adolescência (…) É verdade que este idealismo é muitas vezes benéfico, pois o adolescente empenha-se no serviço dos outros, na comunidade. Mas, por vezes, o sistema ideal torna-se excessivo, impedindo o adolescente de investir a realidade envolvente (que nunca está à altura do ideal!), o que conduz a uma desvalorização, a um sentimento de vazio, a um estado depressivo.” (2000, pp. 152-

157)

Apesar do que foi referido anteriormente, a adolescência não é uma etapa estanque, mas sim um processo em constante mutação. Embora entre os 12 e os 13 anos, o jovem de depare com um turbilhão de emoções, cuja preocupação central seja a procura de si mesmo e a aprovação dos amigos, aos 14 anos o jovem identifica e define o seu self, aos 15 anos já analisa as suas qualidades de acordo com os seus próprios ideais e aos 16 anos revela uma expansiva cordialidade (Minicucci, 2002).

Embora o adolescente deseje ardentemente a autonomia, paradoxalmente precisa de sentir “ligado aos seus pais por vínculos seguros, aqueles onde predomina o amor e

a aceitação” (Fleming, 2005, p. 147). Para Sampaio a identidade e a autonomia “são as questões fundamentais da adolescência” (2002, p. 241), a identidade sexual assume

uma importância crucial assim como a pertença a um grupo que permita “dar à sua vida

íntima liberdade de manifestar-se ou de ocultar-se” (Minicucci, 2002, p. 206). O grupo

permitirá ao jovem não só construir a sua imagem de si próprio (self) ao receber o

feedback do seu comportamento em grupo, mas também construir a sua autonomia ao

desligar-se do domínio dos pais.

Sendo as flutuações de humor, as atitudes violentas, as depressões e a ansiedade, uma consequência do processo natural de crescimento neurofisiológico e do desenvolvimento psicológico e afectivo dos jovens, uma vez que resultam das suas inseguranças, dificuldades de adaptação e frustrações (Fernandes, 1990), é essencial trabalhar as emoções neste período de desenvolvimento do indivíduo, para que estes comportamentos sejam passageiros e não se transformem em casos clínicos, onde passará a ser indispensável a ajuda psiquiátrica e o recurso a fármacos.

Mesmo quando os jovens têm um temperamento tímido ou melancólico porque a herança genética se encarregou de trabalharem mais com o lóbulo frontal esquerdo, em comparação com o direito é possível controlar a amígdala sobreexcitável responsável pelo disparo das emoções, ou seja, como já referimos anteriormente, o ser humano não está condenado à herança genética, uma vez que os estudos realizados por cientistas ao nível da neurologia chegaram à conclusão de que é possível controlar as reacções fisiológicas e portanto também as emocionais (Goleman, 1997), abrindo portas à esperança de se conseguir ajudar os jovens, evitando que quer seja pelo fardo biológico, quer seja pelas vicissitudes da vida, se encontrem entre aquelas que desistiram de si mesmas.

Sendo verdade que o adolescente, perante um corpo que se transforma e perante as modificações pulsionais, tem necessidade de construir a sua própria identidade, também é igualmente verdade que precisa de adquirir competências emocionais. Assim, tendo em conta a importância quantitativa das emoções (os excessos são criticados, as ausências são incompreendidas) e a sua característica reversível (emoção gera emoção) é importante que sejam criadas actividades na escola de forma a “lapidar” as emoções nos jovens tal como se faz com um diamante, afinal dos mesmos dependerá o amanhã.

Se somarmos às mutações naturais da adolescência, a herança biológica (a personalidade do indivíduo, as mutações físicas e cognitivas), os factores familiares (código linguístico, nível cultural dos pais, rendimento familiar, profissão dos pais, envolvimento afectivo dos pais), e o contexto escolar (condições ao nível das infra- estruturas, a motivação dos professores e auxiliares, a necessidade de meios humanos especializados), percebemos que o bem-estar e o equilíbrio emocional, assim como o desenvolvimento do self, resultam de uma complexidade de variáveis que poderão levar o adolescente a um rumo harmonioso ou a comportamentos desviantes. Por esta razão, nos pontos seguintes deste capítulo, procuramos precisamente expor de que forma o adolescente é produto do processo de socialização e consequentemente influi na sociedade.