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6 – Conhecendo os processos de significação e geração de sentidos em mulheres portadoras de lúpus eritematoso sistêmico

2. Afasta-se da pessoa portadora por temerem o contágio.

.... Essa diferença acontece. Quem não sabia que eu tinha lúpus, quando passa a saber, já me vê diferente. ... algumas agem como se... eu fosse uma coitadinha, né; a bichinha, doentinha. Outras, agem como se, eu não posso me aproximar muito porque essa doença pode pegar. (H – 44 anos)

Como foi sentido pelas participantes, o fato de certas pessoas não mudarem seu comportamento diante das mulheres portadoras de LES, pode ser caracterizado como uma conduta significativa de apoio porque elas se sentem aceitas e não sofrem discriminações devido a sua doença (Castro, Campero & Hernández, 1997).

6.5 - Processos de significação e geração de sentidos com relação à doença

Como fora analisado, sendo a doença crônica uma ruptura no curso da vida, a tendência da pessoa é passar por diferentes momentos de crise que leva a refletir sobre toda a vida passada, sobre as perdas e a necessidade de encontrar um relativo equilíbrio na nova situação. Ou seja, ela é levada a rever todos os seus valores e definir prioridades em função das suas atuais limitações e possibilidades (Remen, 1993; Grandesso, 2000). Em certos casos e, apesar do sofrimento que a doença possa acarretar, a pessoa chega a ressignificar de forma positiva sua situação, passando a dar sentido a sua vida e ao processo de adoecer através de diferentes estratégias para lidar

com a nova realidade. Contudo, há também pessoas que têm dificuldades em superar a revolta e o estado depressivo dos primeiros momentos e a tendência é tentar, seja obter ganhos secundários decorrentes do seu papel de vítima (ser uma doente), ou adotar uma postura de passividade-resignação, percebendo a doença crônica como um processo terminal irreversível (embora nem esteja nessa situação extrema) e dependendo apenas da medicina para conviver com a doença, esquecendo-se do seu poder pessoal (Remem, 1993; Radley, 1994).

Assim, quando questionadas sobre o seu sentimento em ser portadora de LES, bem como, a forma como significam e lidam com a doença, nos deparamos com uma variedade de discursos que permitem compreender melhor a situação dessas pessoas.

Embora a participante “A” conheça a doença, não só em relação a si mesma, mas também a partir da convivência com a sua irmã, ela não apenas teve dificuldade em compreender a pergunta, mas quando respondeu expressou que nunca tinha pensado sobre isso. Ela age como se sua vida não tivesse sofrido nenhuma mudança e que a doença não fosse tão grave como parece e/ou dizem, talvez decorrente do fato já apontado de que a maioria dos membros da família sofre de diferentes doenças crônicas. Apesar dessa naturalização ou talvez por essa mesma razão, ela não mostra nenhuma dificuldade em aderir às recomendações médicas:

(...) Como é que eu me sinto? (...) Não, nunca parei pra pensar nisso. Pra mim não tem importância não... assim, a maioria das doença que aparece agora é lúpus, câncer. (A – 22 anos)

Já a participante “B” referiu que não se sente bem em ser portadora de LES, lembrando ainda que não gosta de falar sobre o assunto. Foi relevante a forma como ela significa a doença se referindo sobre ela como o visitante indesejado que

“apareceu praticamente do nada”. Contudo, afirmou que já se acostumou com a doença e toma regularmente a medicação prescrita pela médica:

Porque... assim... antes, sei lá... essa doença me deixou muito abatida. Porque eu nunca imaginei que eu ia ter... essa doença. Porque ela apareceu praticamente do nada. Na minha vida assim. Aí, agora não, eu já me acostumei com ela, de tomar remédio. Não ligo mais pra ela não. Pra mim ela nem existe! (B – 18 anos)

“C” afirmou que apesar de conviver há 16 anos com LES, tendo que abdicar da praia, bem como, sofrer outras limitações para mantê-la sob um relativo controle, mesmo assim, considera-se uma pessoa normal. Mesmo manifestando alguns sintomas, o tempo de convivência com a doença leva-a a aceitar melhor sua condição e tentar se manter ativa socialmente:

Eu num... eu me sinto, pelo tempo que eu convivo com essa doença, eu me sinto até uma pessoa normal, porque... apesar que... só que eu achei ruim só porque eu gostava de praia, né. Mas (...) eu vou a festa... por mim... pelo tempo que eu tô com essa doença, já sei o que é o lúpus. Pra mim, agora ta tudo bem. Que é uma doença que tendo controle... a gente vevi o resto da vida, né. E não desesperar (...). Porque esse tempo todinho ele, assim, eu nunca passei mais do que quatro, cinco meses sem vir ao médico. Quer dizer, que fazer o controle, né... Só isso que eu digo e, confiar em Deus. (C – 42 anos)

Em contrapartida, “D”, apesar de ser portadora há 13 anos, até hoje se mostra muito revoltada e inconformada com sua situação. É talvez a que mais se encaixa nessa situação de “perda-oposição” citada por Radley (1994) em que a pessoa percebe a doença como um golpe definitivo e adota até uma atitude de conformismo frente a sua condição:

Ah, triste, muito triste. Muito triste mesmo. Eu vejo as pessoas que tem saúde... de fazer o que querem e eu não tenho. Me deixa muito triste. Revoltada (aumentou o tom da voz). Às vezes me revolto. Quero me revoltar, mas eu

digo: não, vou ter fé em Deus. Porque... se eu tô doente é porque Deus quis assim, porque Deus não manda nada pra ninguém sem a pessoa merecer. Então eu mereço. Só posso ter merecido. (D – 39 anos)

A idéia fixa em encontrar uma solução e até uma cura para a sua doença esteve presente em vários momentos durante a entrevista de “E”. Lembre-se que mesma, revelou uma preocupação constante, falando da doença como terminal e que a obrigaria abandonar seu filho de oito anos, caso ela venha a falecer:

Muito ruim, né, ter essa doença (...).Tô até com medo de tá doente do coração, eu sinto dor no coração, acho que é nervoso. Eu vou dormir, aí tenho medo de pegar no sono e acordar morta. (E – 39 anos)

A participante “F” mostra ao longo da entrevista uma personalidade bem estruturada e decidida. Apesar de ser uma das participantes em que os sintomas são mais permanentes e limitantes, tenta manter a doença sob controle através dos medicamentos e não exagerando as atividades:

Maior satisfação que eu tenho no dia de hoje é deu ainda tá viva. (...) porque a minha doença é uma doença que eu sei controlar, já sei que tenho ela, já sei que não tem cura, então pra mim só resta controlar ela e fazer meu tratamento correto e... bola pra frente. Não me preocupar com nada... e pronto! (F – 46 anos)

Porém, sendo “F” uma mulher muito ativa e organizada, em outro momento da entrevista, se lamenta da dependência dos medicamentos e de não poder trabalhar. Contudo, percebe a necessidade de se manter lutando para controlar a situação o quanto puder, seja através dos remédios ou fazendo crochê sob encomenda, como uma atividade fisioterápica incentivada pela médica, mas que também se tornou uma forma de aumentar a renda familiar:

Ah, eu me sinto mal, assim porque se eu não tivesse ela, seria bem melhor, né. Porque se eu não tivesse ela, não tinha, não precisava tá tomando medicamento sem precisão, me entupindo de remédio. Não tinha deixado de trabalhar, né, parado meu trabalho, minhas atividades que sempre fiz.. (F – 46 anos)

Para “G”, o momento em que se deparou com o diagnóstico foi aterrorizante. Entretanto, como a doença tem se mantido inativa há 3 anos, além de se sentir apoiada pela família e pelo namorado e, manter suas atividades sociais e ocupacionais, faz com que ela se sinta, conforme suas palavras, como “uma pessoa normal”:

No começo eu me sentia assim... horrível! Mas hoje em dia não, me sinto uma pessoa normal. Eu penso assim, eu acho que praticamente eu tenho uma vida normal (...) com certos cuidados, né, mas uma vida normal. (G – 21 anos)

A participante “H” reconhece a sua preocupação com a sua condição de ser portadora de LES, porque a qualquer momento a doença pode surpreendê-la com a manifestação de algum novo sintoma. No entanto, isso não a impediu de buscar alternativas que promovessem o seu crescimento e realização pessoal, mantendo-se ativa com as diversas ocupações criadas após o aparecimento da doença e a conseqüente aposentadoria forçada:

Preocupada no sentido assim, porque eu vou dormir e não sei se eu vou acordar. Eu fico preocupada. Se eu disser a você, não, eu não tenho preocupação em relação a minha doença, mas tô sempre (...) comigo mesmo. Eu fico preocupada, né, mas ... está na mão de Deus. Ele vai resolver, ele está resolvendo, né. Mas sendo portadora de lúpus fica sempre aquela preocupação. Porque... eu vejo a doença... é como se ela fosse assim muito traiçoeira. Estou boa... de repente eu me apago. Que eu vi casos assim, né. E isso me preocupa. Apesar de precisar de cuidado, né.. Eu vivo muito bem apesar de ser portadora de lúpus. ... faz dois anos que eu não tomo mais nada. Tô

bem graças a Deus. Aparece essas coisinhas, né. Fica esse fungado, uma coisinha aqui, uma coisinha ali. Mas isso aí, eu procuro trabalhar a minha mente e sigo em frente! (...) Hoje, eu não sinto nada, absolutamente nada. Eu costumo dizer: eu não tenho nada mesmo. (H – 44 anos)

Acredita-se que a forma como atualmente ela vivência a sua doença esteja relacionado ao fato do lúpus estar inativo e permitir que a mesma desenvolva algumas ocupações (voluntária da Liga Feminina Contra o Câncer, vendedora, escritora e relações públicas), ou seja, a doença não está impedindo que ela realize ou desenvolva outras coisas em sua vida. Contudo, apesar dessa postura positiva frente à doença, a mesma assume suas limitações e fragilidade diante da possibilidade de enfrentar uma outra pessoa portadora de LES, não ocultando o impacto que sente quando sabe que alguém manifesta a mesma doença:

Eu sinto por ela, né. Eu sinto muito. Essa minha aluna Tereza. Ela... eu fico com dó porque eu quero visitá-la mas é como se eu tivesse um choque em vê-la a situação. (...) e eu tô sem condições de ir visitá-la porque psicologicamente eu não tô bem pra fazer a visita, entendeu. (...). Como eu conheço o estado do lúpus, já sei que é mais ou menos o quadro que eu vou encontrar, então pra mim já... não vai ser bom pra mim que sou portadora de lúpus. (H – 44 anos)

Parece que a possibilidade de encontrar a ex-aluna que está com a doença em atividade lhe faz relembrar todo o sofrimento sentido no início do seu diagnóstico, quando foi inclusive desenganada pela médica, bem como, a probabilidade de em algum momento retornar a essa situação crítica.

Percebe-se que apesar de toda a complexidade da doença e suas implicações psicossociais, a maioria das participantes (“A”, “B”, “C”, “F”, “G” e “H”) revelou no seu discurso que aceitam a doença e buscam, em maior ou menor grau, alternativas para manter sua vida social mesmo diante das restrições impostas pela

doença (Radley, 1994). Enquanto que “D” e “E” mostram-se inconformadas e com muitas dificuldades para aceitar a doença.

6.5.1 - Projetos de vida

No tocante as perspectivas das participantes acerca do seu futuro, o discurso delas pôde ser representado por duas "categorias": 1) Exclusivamente voltada para a doença; 2) Preocupação pela doença associada a outras conquistas como constituir uma família, estudar, trabalhar, reformar a casa e adquirir bens, aspirações que se resumem para algumas na preocupação de “manter uma vida normal”.

A categoria centrada na doença foi ressaltada pelas participantes “D” e “E”, lembrando que as duas, no momento da entrevista, encontravam-se depressivas devido a sua doença e mostram um discurso reiterativo e sempre centrado nos problemas e com um viés marcado pela resignação cristã.

É, do mesmo jeito que venho levando. Tomando remédio, lutando contra essa doença. Sempre que aparece alguma coisa, corro pra o médico, pra ver o que é. E fazendo minhas coisinhas, pros meus filhos, até quando Deus quiser, né. Cuidando dos meus filhos. (D – 39 anos)

Eu, ficar boa. Cuidar do meu filho. Como Deus quer, né. (E – 39 anos).

Enquanto que as participantes “F” e “H” destacaram tanto manter a sua doença controlada, como ter conforto e segurança através de possessão de bens, já as participantes “A”, e “G”, até pela juventude, enfatizam também à realização de constituir uma família, estudar, ter uma profissão, trabalhar, passear... “B”, além de

fazer vestibular e se formar, sua maior aspiração é “viver uma vida normal”, ao passo que para “C” ter sua vida “quase” normal foi o único desejo expressado.

Projeto que eu tenho minha filha, é que Deus me dê saúde, né, pra eu viver, sustentar essa doença até...o máximo possível, porque morrer eu não quero tão cedo, não!" A mesma refere ainda:"Sonho de... de ter minhas coisas dentro de casa, ajeitar minha casa, conseguir o que eu nunca consegui... que eu tô conseguindo agora com esforço. (F – 46 anos)

Então o meu maior projeto hoje é... manter minha saúde, que eu cuido muito. É ver minha filha formada. Comprar minha casa de novo e permanecer com a minha saúde, né. (H – 44 anos)

Eu espero que seja sempre assim, do jeito que eu tô. Boa, sem crise, sem nada, que eu possa construir uma família... trabalhar, passear, sabe. (G – 21 anos)

Dessa forma toda a história pessoal, os contextos nos quais participam (nos papéis de esposa, mãe, filha ou irmã; no trabalho ou na escola onde desempenha suas atividades; no hospital enquanto portadora de uma doença), as relações interpessoais estabelecidas por elas nos diversos contextos, incluindo também as distintas fontes de informação (televisão, rádio, jornal, entre outros) influenciam os processos de significação, evidenciando várias formas de dar sentido ao seu adoecer. Esses processos estarão permanentemente em movimento e promovendo mudanças conforme os novos contextos e papéis que a pessoa vai assumindo ao longo da sua vida, podendo assim, ser modificado e permitindo a geração de novos sentidos.