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Tornar-se um fardo – os temores diante das limitações e impossibilidade de

3 Implicações da doença crônica

4) Tornar-se um fardo – os temores diante das limitações e impossibilidade de

cumprir suas obrigações devido às incapacidades produzidas pela doença, pode atingir a identidade social da pessoa, podendo se sentir inútil para si e para os outros.

Diante do exposto, percebe-se que a doença crônica também repercutirá nas relações interpessoais dessas pessoas, que passam a conviver com limitações, sendo algumas delas imprescindíveis para manter a doença sob controle e evitar a volta dos sintomas e/ou agravamento desta, como por exemplo, evitar exposição solar no caso do LES. Conseqüentemente, todas essas alterações no estilo de vida, por vezes, impede a pessoa de realizar atividades de lazer e trabalho; seja porque teme a reação dos outros ou porque estes, por desconhecerem a patologia, temem um possível contágio ou não se encontram preparados para suprir as demandas da pessoa portadora. O fato é que as restrições impostas pela doença, a fim de proteger a pessoa, impedindo a reincidência dos sintomas e/ou sua exacerbação na maioria das vezes, a conduz ao isolamento social.

Após o estabelecimento da doença, esta se constitui em uma realidade que deve ser encarada para que a pessoa possa conviver com a mesma da melhor forma possível. Esta pode ser uma oportunidade para a pessoa viver de forma mais consciente, dando maior atenção às suas escolhas e necessidades (Remen, 1993). O surgimento da doença pode ocorrer porque a pessoa encontra-se, segundo a autora, desatenta quanto as suas próprias necessidades, o que tende a produzir uma ação insensata, gerando dor e sofrimento, fazendo com que ela possa manifestar alguns sintomas e mesmo assim desconsiderá-los para não interromper suas atividades.

No entanto, com o passar do tempo, a permanência dessa situação, pode desencadear uma patologia mais séria. A partir disso, ela concentra sua atenção visando compreender as causas que propiciaram esse desequilíbrio. Tendo esse entendimento, a mesma faz uma reavaliação de suas escolhas e ações, permitindo assim que estas estejam mais condizentes com as suas demandas, o que pode possibilitar uma melhora na sua saúde.

Conforme assinala Radley (1994), isso demanda diferentes situações de enfrentamento que, por sua vez, requer da pessoa um processo de “adaptação” que estará sempre perpassado por sua subjetividade e experiência de vida, bem como, pela situação socioeconômica e cultural. Assim, um dos aspectos mais estudados sobre a doença crônica, refere-se às diferentes formas de como as pessoas se deparam com essa realidade. Edelmann (2000), aponta três formas ou momentos de enfrentar a doença:

Negação - sendo uma reação esperada que exerce uma função protetora mas, caso

esta persista, pode impedir o processo de aceitação da doença; além disso, a pessoa portadora pode se recusar a não seguir as orientações médicas, conseqüentemente agravando sua condição.

Esquiva - o indivíduo pode evitar qualquer contato que o faça lembrar ou ter

consciência de que é portador de uma patologia.

Confronto - a pessoa se encontra presente no adoecer, procurando informações em

relação a doença ou na busca de apoio social.

Em contrapartida, Radley e Green (1985, 1987, citados por Radley, 1994) mostram um modo de adaptação à doença crônica baseado em duas dimensões: 1) corresponde ao indivíduo conservar ou perder sua participação na vida social (ver primeira coluna) e, 2) refere-se ao relacionamento que a pessoa estabelece com a doença (ver primeira linha), podendo ser de aceitação (em que a doença passa a fazer parte da vida do indivíduo) ou de oposição (em que a doença é vista como uma adversária que deve ser derrotada). Essas dimensões podem ser visualizadas da seguinte forma:

Tabela 2: Modos de enfrentamento Relacionamento com a doença Participação social Aceitação Oposição

Conservação Adaptação Negação-

ativa

Perda Ganho

secundário

Resignação

Fonte: Radley e Green (1985, 1987, citados por Radley, 1994)

A partir da combinação dessas dimensões, os autores apresentam quatro formas ou expressões de enfrentamento, as quais revelam as diferentes tentativas do indivíduo para lidar tanto com os sintomas quanto com as demandas da sociedade:

Conservação-Aceitação: adaptação - a pessoa aceita a doença e a partir das

limitações impostas pela mesma, busca alternativas para conservar sua vida social.

Perda-Aceitação: ganho secundário - a doença também é aceita e, inclusive, vista

positivamente pelo portador da mesma, pois este consegue obter benefícios (ganhos) oriundos do seu adoecer, tentando tirar vantagem em relação às pessoas a sua volta em função da perda de autonomia.

Conservação-Oposição: negação-ativa - o indivíduo procura resistir à doença, não

quer falar sobre o assunto e não dá muita importância à mesma, mantendo sua participação na vida social até onde é possível, correndo riscos de agravar seu quadro clínico.

Perda-Oposição: resignação - a pessoa percebe a doença como algo aniquilador e

definitivo, sente-se abalada em virtude da perda do seu papel social e adota uma situação de passividade diante da mesma.

Pode-se verificar algumas diferenças entre os autores no tocante as formas como as pessoas lidam com a sua doença. Edelmann (2000) restringe-se a

oposição, esquiva e confronto, enfatizando o fato da pessoa não assumir o seu papel de portador de doença crônica. Enquanto que, Radley (1994) procura dar conta da complexidade, ampliando os modos de relacionamento com a doença e expondo como a pessoa administra sua participação social, o que se acredita ser mais condizente e/ou necessário nesses casos, uma vez que assumir apenas o papel de oposição tende a repercutir negativamente no modo de enfrentá-la.

É importante ressaltar que cada indivíduo vai se relacionar com a situação de doença de acordo com a sua biografia, contexto social, econômico, cultural e as relações interpessoais estabelecidas. De fato, os tipos de enfrentamentos não seguem uma linearidade fixa, sua duração é variável, podendo retornar e ocorrer simultaneamente (por exemplo, manifestar resignação e ganho secundário).

Edelmann (2000) destaca ainda que as pessoas acometidas de alguma doença e que acreditam ter um relativo controle da mesma, têm maior adaptação psicológica do que aquelas que não crê. Isso é parte de um processo que deve ser trabalhado a partir do momento do diagnóstico. De acordo com Rodríguez-Marín (1995), o controle de sintomas físicos, um relativo bem-estar subjetivo e as possibilidades de se manter ativo são indicadores de qualidade de vida em pessoas portadoras de doenças crônicas.

Por outro lado, aqueles que buscam o controle, mas não conseguem efetuá-lo, possivelmente, sentem-se angustiados. Certamente que seguir as orientações médicas, dispor de recursos financeiros para medicação e realização de dieta adequada, não se afastar totalmente de suas atividades, além de contar com o apoio social, facilitam esse relativo “controle” sobre a doença e promove sentimentos positivos.

Observa-se que a adaptação e o enfrentamento do indivíduo frente à doença dependerá sobremaneira dessa rede de apoio (familiar e social) que o

acompanha. O engajamento da pessoa em atividades cotidianas, o respeito dos que não compartilham da mesma condição, não discriminando a pessoa portadora, possibilitam uma melhor integração nas relações interpessoais. Destaca-se, ainda, que o apoio social deve contemplar tanto a pessoa acometida pela doença como os seus familiares, tendo em vista, que quando esta se instala, não afeta apenas a pessoa doente mas, toda a família, podendo modificar até a rotina diária, planos futuros e sentimentos em relação ao doente. Portanto, como assinala Edelmann (2000), pode existir uma série de alterações na estrutura familiar decorrentes da presença da enfermidade.

3.2 - O apoio social como recurso para lidar com a doença.

A relevância dos vínculos sociais na vida das pessoas, bem como, o tipo e qualidade das relações que os configuram, tem sido amplamente reconhecida na Psicologia Social (Traverso, 1999). Doenças e problemas de saúde fazem parte da vida e, nesses momentos, precisamos mais ainda dos vínculos sociais que gerem diferentes formas de solidariedade, conforto e bem-estar. Considera-se que, nesses casos, a pessoa não está apenas fragilizada pelos sintomas, mas, concomitantemente podem surgir complicações adicionais como perda de emprego, conseqüentemente falta de recursos e, rupturas e/ou incompreensões familiares, entre outros.

Andrade e Vaitsman (2002) referem que a condição de ser portador de alguma doença, por vezes, coloca a pessoa diante de algumas limitações que alteram sua vida cotidiana, afetando também sua identidade. Assim sendo, talvez isso reforce a maior preocupação em estudos referentes ao apoio social destinados ao processo de adoecer. Segundo esses autores:

O apoio social atuaria amenizando os efeitos patogênicos do estresse no organismo, incrementando a capacidade das pessoas em lidarem com situações difíceis. Outro efeito do

apoio social seria a sua contribuição no sentido de criar uma sensação de coerência e controle da vida, o que beneficiaria o estado de saúde das pessoas (p. 928).

Nas últimas décadas tem sido cada vez mais reconhecida a importância das relações sociais positivas enquanto influencia na saúde e bem-estar das pessoas. Cohen e Syme (1985, citados por Barrón,1996) destacam três razões concretas que evidenciam o auge de pesquisas voltadas para esse tema:

1) Sua possível importância etiológica em distintos transtornos e enfermidades;

2) Sua relevância nos programas de tratamento e reabilitação; e 3) A partir de um ponto de vista teórico, sua utilidade na

integração conceitual da literatura sobre fatores psicossociais e transtornos, já que grande parte de tais fatores influencia na saúde devido às rupturas que produzem nas redes sociais (p. 8).

Quando se fala em apoio social surge também a expressão de rede social, muitas vezes sendo representada como sinônimo de apoio social (Rodríguez- Marín, 1995). Diante disso, faz-se mister distinguir apoio social de rede social.

Contudo, estabelecer o que seja apoio social constitui uma tarefa complexa, tendo em vista as várias definições existentes, as numerosas relações e avaliações implicadas, bem como, as diversas atividades que o termo abrange, como: escutar, demonstrar carinho ou interesse, emprestar objetos, ajudar financeiramente, visitar amigos, fazer parte de associações comunitárias, sentir-se amado, aconselhar ou orientar a pessoa acerca das ações mais adequadas entre outros (Barrón, 1996).

Cohen e Syme (1985, citados por Andrade e Vaitsman, 2002) afirmam que apoio social é um conceito que abarca diversas dimensões; no intuito de incluir todas elas, estes a define como a totalidade de recursos fornecidos por outras pessoas. Mas quais seriam essas dimensões que devem ser consideradas? Tardy (1985, citado por Castro, Campero e Hernández, 1997), sugere as seguintes:

Direção: se o apoio foi recebido ou fornecido;

Disposição: disponibilidade ou realização do apoio;

Forma de mensurar: descrevendo ou avaliando;

Conteúdo: emocional, instrumental, informativo e avaliativo;

Rede social: família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, comunidade e outros.

Observa-se a presença da rede social como uma das dimensões, o que já sinaliza que apoio e rede apresentam diferenças, porém se complementam.

Outras dimensões também citadas por Castro, Campero e Hernández, (1997) na definição e operacionalização de apoio social são:

Grau de integração social: analisa as redes sociais existentes;

Apoio social percebido: mede a confiança das pessoas acerca da existência do

apoio caso as mesmas necessitem dele;

Apoio social recebido: são ações que as outras pessoas realizam para fornecer ajuda

a uma determinada pessoa.

Embora esses autores assinalem a impossibilidade de mensurar o apoio social, identificam, contudo, alguns conceitos relacionados com o apoio que poderiam ser medidos. São eles:

a) Recursos da rede social de apoio: conjunto de pessoas que cotidianamente

auxiliam outras em caso de necessidade;

b) Condutas de apoio: atos específicos de apoio;

c) Valorização de apoio: avaliação subjetiva acerca da quantidade e conteúdo dos

recursos de apoio disponíveis;

d) Orientação do apoio: percepção sobre a utilidade e os riscos de buscar e encontrar

Diante do exposto, nota-se como é difícil chegar a um consenso acerca das dimensões. Contudo, fica evidente a relevância das redes sociais, podendo inferir que as ações tanto de receber como de fornecer apoio social, seja ela a que nível for (emocional, material ou informativo) dependerá da existência das mesmas. De acordo com Rodríguez-Marín (1995), rede social é um conjunto de pessoas que se inter- relacionam, ou seja, são pessoas com as quais se mantém contato e que constituem uma forma de corpo social, como exemplo: a família, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, associações, entre outros.

O mesmo autor salienta ainda que a rede social pode ser dividida em organizada e pessoal. Na primeira, o conjunto de pessoas é mais amplo, tendo objetivos comuns e papéis independentes. Enquanto que no segundo tipo, nem todas as pessoas tem relações entre si e os papéis podem ser diferentes.

Dentro desse mesmo conceito de rede social, o autor apresenta as seguintes características: