• Nenhum resultado encontrado

Do afastamento do vetor econômico na definição do regime legal aplicável às contratações na

Como já apontado, o panorama de incerteza que acompanha a utilização do RLSP pela estatal, e, em consequência, por aqueles que com ela firmam contratos, permanece desde a sua edição. Agravou-se, em definitivo, com a consolidação do entendimento do TCU pela sua inconstitucionalidade, acompanhado pela determinação, aos gestores, de que se abstivessem de utilizar o RLSP para utilizar a Lei 8.666/93, sob pena de responsabilidade pessoal.

O que chama atenção em todo esse debate é o afastamento de questões reais - menos jurídicas, mas nem por isso irrelevantes ao julgador – relativas às consequências da eventual declaração de inconstitucionalidade do RLSP nas atividades da estatal, em especial se feitos nos moldes traçados pelo TCU.

Embora o histórico das decisões do STF aponte para uma futura confirmação da constitucionalidade do Decreto 2.745/98, é sempre possível que assim não seja, e venha a ser afastado do ordenamento, no todo ou em parte, esse texto que traz o RLSP. Todavia, em sendo o caso, os efeitos da decisão podem ser modulados, como já vem sendo feito mesmo em casos de controle concreto. O próprio TCU, quando da sua decisão paradigma, também modulou os efeitos do afastamento do RLSP para aceitar os atos realizados sob a égide do Decreto 2.745/98, até aquele momento. Houve, portanto, uma preocupação com a presunção de constitucionalidade das leis e com a segurança jurídica.

Noutro giro, não se pode dizer o mesmo, na Corte de Contas, quanto aos efeitos da eventual submissão da estatal à Lei 8.666/93, fato esse que já consta das liminares deferidas pelo STF. Não se pretende defender que os prejuízos ao funcionamento da estatal advindos do cumprimento integral da Lei 8.666/93 sirvam, de forma exclusiva, para fundamentar a constitucionalidade do RLSP. Por outro lado, causa estranheza imaginar que esse argumento tenha tido tão pouca relevância para o convencimento do TCU e das teses, em geral, que

suportam a inconstitucionalidade do Decreto 2.745/98. Parece-nos um negligenciamento do princípio da eficiência, positivado no art. 37 da CRFB/88.

Em Parecer constante da Tomada de Contas n. 010.115/2002-9, ADILSON ABREU DALLARI21 sustenta exatamente que, em havendo dúvida a respeito de qual lei ordinária deve ser aplicada (Lei Geral de Licitações ou Lei do Petróleo), é preciso examinar qual delas mais se adequa aos princípios constitucionais vigentes. Em suas palavras:

No caso em exame, diante de uma dúvida a respeito de qual lei ordinária deve ser aplicada (a Lei nº 8.666/93 ou a Lei nº 9.478/97) essa verificação sobe para um patamar mais alto: cabe examinar, no tocante às empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, qual delas melhor se ajusta aos princípios constitucionais vigentes, considerando os fatos que levaram a uma alteração dos dispositivos constitucionais aplicáveis.

Vale ainda transcrever trecho do já citado Parecer AC 15, da AGU, que, analisando a aplicabilidade do RLSP para as subsidiárias da PETROBRAS, expressou que impedir a utilização do Dec. 2.745/98 pelas subsidiarias corresponderia a “condená-las a morte, lenta e gradualmente”.

65. É, pois, completamente, ilógico excluir-se as subsidiárias da PETROBRAS - que, às vezes, atuam em um ambiente competitivo muito mais acirrado do que o da "holding", como é o caso, repita-se, da Petrobrás Distribuídora S/A - BR, do campo de aplicação do Decreto nº 2.745, de 1998, que aprova o Regulamento Licitatório Simplificado daquela empresa, onde, ao nosso ver, elas estão implicitamente contempladas.

66. Entender o contrário, é o mesmo que condená-las à morte , lenta e gradualmente, provocando, por via oblíqua, a insolvência da própria Petróleo Brasileiro S/A, de quem, como já demonstrado, à saciedade, são meras extensões. Melhor teria sido privatizá-las. A agonia e o sofrimento seriam menores.

Diga-se, portanto, que esse entendimento corrobora a conclusão de que a aplicação da Lei Geral de Licitações à PETROBRAS viria em prejuízo à sua atuação competitiva. Nesse sentido,

21 Apud VIDIGAL, José Augusto Maciel. O controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União na

visão do Supremo Tribunal Federal: o caso PETROBRAS. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057624.PDF>. Acesso em: 04/07/2012.

aplica-se ao caso concreto o entendimento de SUNDFELD22, tratando genericamente de empresas estatais brasileiras, quando assim se manifesta:

A verdade é que a aplicação da Lei 8.666/93 às empresas estatais exploradoras de atividade econômica sempre se revelou problemática na prática, seja pela excessiva lentidão e onerosidade de seus ritos, como pela baixa economicidade de seus resultados. Inseridas, muitas vezes, em ambientes de livre concorrência, a Lei de Licitações sempre representou um ingrediente importante da baixa competitividade das estatais brasileiras vis-à-vis de empresas privadas libertas dos mesmos entraves burocráticos.

Com mais propriedade tal conclusão se aplica à PETROBRAS, especialmente se considerado que o RLSP traz instrumentos inexistentes (ou ao menos não expressos) na Lei 8.666/93. Quando comparada à Lei 8.666/93, é visível que a preocupação do legislador em trazer um modelo legal compatível com a atuação da PETROBRAS foi refletido no texto do RLSP. Embora ele não seja confrontante com as linhas gerais da Lei Geral de Licitação, lhe é mais flexível, dando à estatal maior poder decisório no que toca a seus procedimentos licitatórios.

Note-se, por exemplo, a possibilidade de contratação integrada indicada no item 1.9 do RLSP. Tal hipótese é compatível com a espécie de investimento atualmente nos Planos de Negócios da Cia., pelo vulto e pela especialização técnica, encontradas, por exemplo, na construção de Usinas Termelétricas, Refinarias ou Unidades de Fertilizante. Nesses casos, é comum identificar-se a existência de vantagem negocial, econômica e contratual de se deixar a cargo da empresa contratada grande parte das etapas de concepção, construção e fornecimento de equipamentos, desde a finalização dos projetos de engenharia até a sua fase de produção.

Eis a redação do item:

1.9 Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar- se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré- operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas.

A contratação integrada acima descrita – que encontra mais de uma definição e tradução na doutrina brasileira – permite que a PETROBRAS delegue à empresa contratada até mesmo a

22 SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Pagani Rodrigo. Licitações nas estatais: levando a natureza empresarial a sério.

elaboração do Projeto Básico23, documento de Engenharia essencial para as etapas posteriores e que traça as linhas gerias do objeto contratado. Com a adoção dessa modalidade de contratação, a contratante pretende que a empresa contratada assuma a responsabilidade de todas as fases da obra desse ponto em diante, aí incluídos os ricos de variação de quantidades estimadas.

Esse permissivo legal pode parecer pouco representativo da importância do RLSP. No entanto, ele é extremamente relevante. Em determinados modelos de negócios, é essa condição que irá determinar a própria viabilidade do negócio, pois aproxima a atuação da PETROBRAS àquela praticada em âmbito internacional. Assim, fornecedores que atuam fora do Brasil, por exemplo, podem apresentar aqui as soluções técnicas já usadas e conhecidas internacionalmente, de forma que não só se garante a utilização de tecnologia conhecida, como se possibilita a obtenção de um preço condizente com o cobrado das empresas concorrentes.

Além dessa possibilidade, o RLSP não traz à modalidade Convite as restrições presentes na Lei 8.666/93. A PETROBRAS pode optar por instaurar um procedimento licitatório na modalidade Convite sem que haja uma limitação de valor que enseje necessariamente a instauração de uma Concorrência. Observe-se a redação do item 3.3 do RLSP:

Para a escolha da modalidade de licitação serão levados em conta, dentre outros, os seguintes fatores:

a) necessidade de atingimento do segmento industrial, comercial ou de negócios correspondente à obra, serviço ou fornecimento a ser contratado;

b) participação ampla dos detentores da capacitação, especialidade ou conhecimento pretendidos;

c) satisfação dos prazos ou características especiais da contratação; d) garantia e segurança dos bens e serviços a serem oferecidos;

1. velocidade de decisão, eficiência e presteza da operação industrial, comercial ou de negócios pretendida;

f) peculidaridades da atividade e do mercado de petróleo;

g) busca de padrões internacionais de qualidade e produtividade e aumento da eficiência;

h) desempenho, qualidade e confiabilidade exigidos para os materiais e equipamentos;

i) conhecimento do mercado fornecedor de materiais e equipamentos específicos da indústria de petróleo, permanentemente qualificados por mecanismos que

23

Para um conceito adequado de “Projeto Básico”, vide Resolução nº 361 do CONFEA. Eis a definição constante do art. 1º:

Art. 1º - O Projeto Básico é o conjunto de elementos que define a obra, o serviço ou o complexo de obras e serviços que compõem o empreendimento, de tal modo que suas características básicas e desempenho almejado estejam perfeitamente definidos, possibilitando a estimativa de seu custo e prazo de execução.

verifiquem e certifiquem suas instalações, procedimentos e sistemas de qualidade, quando exigíveis.

Para a seleção da modalidade de licitação adequada, são ponderados, entre outros, o prazo necessários para a contratação, as particularidades do mercado e a busca pelo aumento de eficiência. A Lei 8.666/93, ao contrário, estabelece um valor fixo para a contratação que, uma vez ultrapassado, requer necessariamente a instauração de Concorrência. Tal restrição está posta do art. 22, que contém a seguinte redação:

Art. 22. São modalidades de licitação: I - concorrência;

II - tomada de preços; III - convite;

IV - concurso; V - leilão.

§ 1o Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

(...)

§ 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.

(...)

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

(...)

I - para obras e serviços de engenharia: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);

b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

c) concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

Caso a PETROBRAS estivesse submetida à Lei 8.666/93, todas as licitações em valor superior a R$ 1.500.000,00 seguiriam a modalidade concorrência, mas complexa e demorada,

mesmo em casos em que o mercado não apresenta tanta competitividade (em razão da expertise ou do vulto do investimento), levando a Cia. a se afastar ainda mais do mecanismo privado de contratação e, em consequência, a arcar com os prejuízos daí advindos.

A regulação das hipóteses de dispensa de licitação também é diferenciada no RLSP. A Lei de Licitações estabelece um limite legal para os casos de contratação direta por dispensa em razão de pequeno valor, atrelando ao percentual de 10% previsto no art. 23, acima citado, na forma do seu art. 24:

Art. 24. É dispensável a licitação: (...)

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

Já o RLPS, no seu item 2.4, remete à Diretoria Executiva da PETROBRAS a definição das competências para os atos de dispensa de licitação. A Tabela de Limite de Competências da Cia., por sua vez, define quais os limites de dispensa por valor, em coluna específica. Tal fato dá à PETROBRAS a possibilidade de trazer o seu procedimento licitatório mais próximo à realidade de mercado em que está inserida.

Por último – sem a pretensão de esgotar o assunto – pode-se citar a obrigação prevista no art. 7º da Lei 8.666/9324, que determina que as obras e serviços somente poderão ser detalhados

24

Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

I - projeto básico; II - projeto executivo;

III - execução das obras e serviços.

§ 1o A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e aprovação, pela autoridade competente, dos

trabalhos relativos às etapas anteriores, à exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Administração.

§ 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;

quando houver um projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados, além de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários.

Ao contrário, o RLSP privilegiou o sigilo do orçamento, de forma a tornar a licitação mais competitiva, permitindo que a PETROBRAS tenha ofertado o preço mais econômico, modelagem essa que foi repetida no Regime Diferenciado de Contratação – RDC.

Todas essas nuanças, somadas às dificuldades e complexidades de aplicação da Lei 8.666/93, poderiam ter sido levadas em consideração quando da análise, pelo TCU, do regime jurídico aplicável à PETROBRAS25.

E aqui está o ponto que conduzirá ao restante da exposição: a tomar pela narrativa que envolve o embate entre TCU e PETROBRAS a respeito do RLSP e Lei Geral de Licitações, em que se nota rara presença de ponderação quanto aos reais efeitos de uma decisão pelo afastamento da RLSP, poder-se-ia concluir pela mesma direção no que pertine à fiscalização dos contratos celebrados pela estatal. Afinal, se o argumento da eficiência e sua consequente ponderação quantos aos efeitos práticos, mesmo quando apontados os riscos operacionais de submissão da PETROBRAS à Lei 8.666/93, não foram suficientes para definir a posição do TCU, por que esse mesmo argumento seria abordado enquanto vetor para aceitação das decisões dos gestores da Cia. em outras oportunidades?

Não se quer, com isso, sugerir que o natural fosse que a equipe técnica do TCU afastasse por completo qualquer menção à eficiência das operações da estatal na sua atividade fiscalizatória: isso seria inconstitucional. Todavia, essa dúvida quanto à postura do Tribunal (se alheio ou não aos reais efeitos de suas decisões na atuação da PETROBRAS; se resistente ou não à análise mais pragmática das situações; se tendente ou não a equiparar a atuação da PETROBRAS à atuação de mercado) nos servirá de ponto de partida para os benefícios da análise econômica do direito aplicada à fiscalização externa.

25 Ainda que se trate de Projeto de Lei em discussão, vale mencionar o PL 559/13, que tem a pretensão de substituir a

Lei 8.666/93, e que já passa a incorporar, com muitas adequações, algumas dos pontos positivos aqui mencionados, previstos no RLSP. Tal fato nos parece representar o reconhecimento de que o RLSP contém avanços, quando comparado à Lei 8.666/93.

3. ANÁLISE ECONOMICA DAS DECISÕES DOS GESTORES