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A razão pela qual se optou por analisar a fiscalização externa a que está submetida a PETROBRAS sob a ótica da Análise Econômica do Direito - AED é a utilidade que os seus conceitos apresentam para a compreensão dos argumentos da estatal perante o TCU. Seja partindo de teorias civilistas, seja partindo de noções doutrinárias próprias do Direito Administrativo tradicional, é razoável sustentar que a AED fornece outros elementos e ferramentas não totalmente exploradas até o momento, ferramentas essas que auxiliam na melhor absorção da realidade dos contratos celebrados pela PETROBRAS.

Essa aproximação da realidade está na origem da AED. O seu nascimento, do ponto de vista histórico, está ligado a uma reação, nos Estados Unidos, ao juspositivismo. Essa reação decorreu, em parte, da percepção de que a leitura fria da legislação não seria capaz (sozinha) de realizar a justiça social. O Direito posto mostrou-se insuficiente para representar os desejos sociais e ficou aparente a necessidade de interdisciplinaridade entre áreas correlatas para a melhor aplicação do Direito. O embate já estava posto, porque a estrutura de interpretação jurídica não permitia o uso de ferramentas externas para o mundo jurídico, sob pena de ofensa à sua condição de ciência.

Sabe-se que o papel do juspositivismo está intimamente ligado à cientificidade do Direito e à intenção de se delimitar seu objeto de estudo com precisão, conferindo-lhe o status de ciência26. Daí decorrem alguns pressupostos necessários para suportar essa conclusão, que se resumem, basicamente, no fato de o Direito ser uma ação humana volitiva, com conteúdo independente da moral, constituindo-se num sistema lógico fechado e coerente de regras, “da qual a decisão jurídica correta sempre poderia ser inferida lógica e autonomamente do direito posto. Nascia o ordenamento jurídico27”.

Note-se que essa postura de separação entre direito e as demais áreas do conhecimento acabou por isolá-lo e impedir um diálogo produtivo com as áreas afins. Na mesma linha,

26 GICO JR, Ivo. Introdução ao Direito e Economia, In Direito e Economia no Brasil. Org. Luciano Benetti Timm.

Atlas, São Paulo, 2012, p. 5.

MEDEMA28 esclarece que essa ideia remonta a JOHN AUSTIN – seguido por HANS KELSEN, com algumas divergências – para quem o Direito poderia ser estudado de forma sistematizada e científica, e que seu teor deveria ter sustentação científica.

O clamor pela interdisciplinaridade foi a semente para a criação do Critical Legal Studies e da AED, especialmente nos Estados Unidos da América. No Brasil, segundo IVO GICO JR29, viu-se o surgimento do neoconstitucionalismo.

Nos Estados Unidos, a doutrina da AED contrapôs-se ao doutrinalismo (doctrinalism) de CHRISTOPHER COLUMBUS LANGDELL, de grande importância naquele País. A LANGDELL, então reitor da prestigiada Faculdade de Direito de Harvard, é atribuída a formatação do modelo americano de ensino jurídico, baseado no estudo de casos e decisões judiciais, que seriam, na sua interpretação, o método ideal para discernir o direito posto e aplicá- lo no caso concreto. Nas palavras de MEDEMA30, numa tradução livre, “o objetivo da interpretação legal tornou-se o de discernir a regra das decisões judiciais”.

Essa doutrina sofreu resistência do que ficou conhecido como “sociological jurisprudence”, representada por OLIVER WENDELL HOLMES, ROSCOE POUND JR. e BENJAMIM CARDOSO. De forma geral, as ideias aqui aglutinadas pendiam para uma maior necessidade de aproximar o Direito das condições sociais, ainda que, para tanto, fosse necessária uma aproximação com outras áreas do conhecimento. Assim, o magistrado deveria reconhecer as condições sociais e econômicas que afetam a aplicação da lei e utilizar-se das ferramentas necessárias para conhecer melhor essa realidade31.

Essas considerações, de cunho pragmático e social, assentaram o caminho para o Realismo Jurídico32. Essa escola teve seu ápice em 1930 e representou o mais forte embate ao doutrinalismo. O Realismo Jurídico trouxe em si a noção de que o Juiz tem um papel fundamental no processo de decisão e que a aplicação dos precedentes de forma pura e isolada não é verificada na realidade. Nas palavras da MEDEMA33,

28 MEDEMA, Steven G. MERCURO, Nicholas. Economics and the Law: from Posner to Post-Modernism. Second

Edition. New Jersey: Princeton Univesity Press, 2006, p. 8. Tradução livre.

29 GICO JR, Ivo. Ob. Cit. (nota 26). p. 7.

30 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 10. No original: “the task of legal reasoning thus

became that of discerning the doctrines from the judicial opinions”.

31 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 12 32 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 14

33 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 15. No original: “The Realists rejected the existence of

objectively determinable rights; the use of rigid legal rules, categories, and classification; appeals to the authority of the past – citations, eminent jurists, and classic treatises; and the logic of reasoning from precedent.”

os realistas rejeitavam a existência de direitos objetivamente determinados: o uso de normas rígidas, categorias e classificação; remissões para autoridades do passado – citações, juristas eminentes, e tratados clássicos, e a lógica de pensar através do precedente.

Daí resulta a conclusão de que o Direito deveria estar mais aberto às outras áreas do conhecimento, para que os operadores – especialmente os Juízes – viessem a abordar nas suas decisões as implicações econômicas, políticas e sociais da aplicação da lei, sem o véu da interpretação lógica.34 O Realismo Jurídico, apesar da sua importância, não chegou a se estabelecer como doutrina dominante e entrou em declínio nos anos 40. Passou por novo embate do formalismo, agora com um viés processualista, reafirmando a autonomia da lei e alocando a legitimidade da decisão na obediência ao processo previamente estabelecido.35 Firmou-se, assim, por um período, um certo dualismo entre o doutrinalismo e “the legal process school”, ambas tidas como insuficientes para preparar advogados a superar os obstáculos sociais visíveis nos Estados Unidos dos anos 5036.

A desilusão com a autonomia da lei, naquela época, gerou uma série de movimentos tendentes a associar o direito com outra área do conhecimento (“Law and ___”)37, na linha deixada pelo Realismo Jurídico, de abrir o direito para a interferência de ciências afins.

No contexto brasileiro, o neoconstitucionalismo procurou superar o formalismo buscando uma aplicação dos princípios constitucionais, implícitos ou explícitos, em substituição aos conceitos metafísicos do jusnaturalismo38. Portanto, o fundamento de valor a guiar a aplicação do direito estaria dentro do próprio ordenamento jurídico.

Ocorre, no entanto, que seja pela alternativa dada pelo neoconstitucionalismo, seja pelas alternativas fornecidas pelas demais avaliações filosóficas em reação ao juspositivismo, instalou- se certa insegurança quanto aos critérios passíveis de substituir a leitura fria da lei39. Ainda segundo IVO GICO JR, o afastamento do formalismo, mesmo após a grande evolução das ciências naturais no século XX, ainda não dava ao Direito a teorização necessária sobre o comportamento humano. É nesse contexto que se faz presente a AED.

34 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 16. ‘Eevry legal decision was understood to have social,

ethical, political, and economic implications, and the Realist maintaindes that these should be recognized and explicitly dealt with by judges, not hidden behind a veil of logical reasoning”.

35 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28)., p. 17. 36 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28)., p. 19. 37 MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28). p. 17 38 GICO JR, Ivo. Ob. Cit. (nota 26). p. 8.

Segundo MEDEMA 40, várias escolas de pensamento tiveram como objeto aquilo que nos Estados Unidos é conhecido como “Law and Economics”. Dentre eles se destacam a Escola de Chicago, a Public Choice, Institutional law and economics e The new institutional law and economics.

As expressões Análise Econômica do Direito – AED e Escola de Chicago são, no mais das vezes, tomadas como sinônimos41. A primeira, no entanto, está mais ligada à doutrina de CALABRESI, que defende a conciliação entre os cálculos econômicos e o mundo dos valores, ao passo que a Escola de Chicago, que tem seu maior representante no Prof. RICHARD POSNER, defende a falência da intervenção do Estado, numa postura liberal, enfocando a união entre a Direito e Economia.

POSNER42 destaca que essa conexão entre a análise econômica e o comportamento humano remonta a Jeremy Bentham, no início do século XIX, mas que recebeu pouca atenção do mundo acadêmico até a publicação da obra de GARY BECKER43, The Economic Approach to Human Behavior.

COOTER e ULLEN44 acrescentam que o uso da Economia no Direito restringia-se às áreas como das leis antitruste ou regulação fiscal, por exemplo. No entanto, essa limitação teria mudado drasticamente no início da década de 1960, “quando a análise econômica do direito se expandiu, entrando em áreas tradicionais do direito, como propriedade, contratos, delitos civis, direito e processo penal e direito constitucional.”

Para IVO GICO JR., a diferença entre a figura que essa reação tomou no Brasil (neoconstitucionalismo) e a AED seria que a primeira não foca nas reais consequências da aplicação da lei ou de uma decisão judicial. Nas suas palavras45:

40

MEDEMA, Steven G. MERCURO. Ob. Cit. (nota 28), p. 1.

41 FORGIONI, Paula A. Análise econômica do direito: paranóia ou mistificação?. Revista de direito mercantil,

industrial, econômico e financeiro, v. 44, n. 139, p. 242, jul./set. 2008.

42 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. Nova Iorque: Wolter Kluwer. 8a edição, 2010, p. 5.

Estabelecendo os princípios fundamentais de Economia que servirão de base para a obra, o Autor destaca os seguintes: (i) a Lei da Demanda, (ii) Custo de oportunidade, (iii) a tendência dos recursos de se dirigirem ao seu uso mais valiosos e (iv) o equilíbrio.

43 BECKER, Gary S. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: The Universtity of Chicago Press,

1990.

44 COOTER Robert e ULLEN, Thomas. Direito e Economia. Porto Alegre: Bookman, 5a edição, 2010, p. 23-24. 45 GICO JR, Ivo. Ob. Cit. (nota 26). p. 10.

Apesar da clara preocupação com os valores, o neoconstitucionalismo não se preocupa suficientemente com as reais consequências de determinada lei ou decisão judicial. Não que ignore a realidade social em suas considerações, tão somente digo que seu foco tem sido elaborar justificativas teóricas e abstratas para a flexibilização da lei e sua compatibilização com princípios de conteúdo indeterminado, segundo algum critério de justiça, pretensamente racional e não voluntarista. O desenvolvimento de instrumentos analíticos capazes de auxiliar o intérprete a identificar, prever e mensurar tais consequências no mundo real é que foi epistemologicamente relegado a segundo plano ou para outros ramos do conhecimento humano com os quais o direito tradicionalmente não dialoga.

Nas palavras de GAROUPA46, reforçando a linha de pensamento do neoconstitucionalismo, a sensação de negação de realidade “conduz a um processo de deslegitimação democrática do poder judiciário que termina, frequentemente, em intervenções redutoras pelo poder político”, processos esses que representam “assaltos à independência do poder judiciário.”

A evolução do pensamento jurídico, portanto, tendente em ver benefícios no uso de ferramentas de outras áreas do conhecimento, parece ser mais do que simples tendência teórica. É factível que, no tempo, represente um meio de aperfeiçoamento do Direito.