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AFIRMAÇÕES ESPIRITUAIS

No documento HISTÓRIA DE UM HOMEM (páginas 99-108)

Durante dez anos sua vida foi uma festa de criação, uma contínua exuberância de espiritualidade, uma intensa alegria de viver, bem- fazendo e subindo, na mais profunda realização de si mesmo. Ele se harmonizara com o Criador e todos os seus atos eram um hino de gratidão ao

Criador. Sua existência tornara-se um fervor contínuo de concepção e esta era a sua maior sensação da alegria de viver. Ele, que jamais pudera encontrar a alegria no plano humano, encontrava-a finalmente no plano do espírito para onde se transferira o centro de sua vida. Tudo isso representava para ele, em verdade, uma existência nova, plena de novas satisfações. Gozava dessa sensação de liberdade e de domínio que só o vôo pode dar e que os répteis não admitirão jamais como coisa possível. Parecia-lhe possuir novos sentidos, sentidos da alma, pelos quais esta podia, finalmente, revelar-se, agora que a sua casca corpórea, macerada pela dor, tornara-se mais transparente. O seu ser sentia-se como mergulhado num oceano esplendente e vibrante onde ele se multiplicava e se expandia, onde a sua consciência podia agora transpor os limites impostos à natureza humana - os limites do espaço e do tempo. Ele, que desde menino a julgara inaceitável e sufocante, sentia que encontrara, agora, as verdadeiras dimensões do próprio ser, que chegavam ao infinito, e da sua verdadeira natureza livre, que estava no espírito. Assim, intensa de embriaguez, foi essa alegria que lhe pareceu quase uma orgia - a orgia da superação e da evasão que existe na velocidade; a orgia de liberdade e de luz a que se entrega o prisioneiro finalmente liberto do cárcere estreito e escuro.Ele havia encontrado a si mesmo, as suas alegrias espirituais, as verdadeiras alegrias, a sua vida, a verdadeira vida. O paraíso não é um lugar, mas um estado d’alma. É a completa realização do mais nobre de si mesmo - e ele alcançara esta realização.

Os caminhos do mundo se abrem diante de todos, tão bem adaptados e proporcionados aos seus desejos, como caminhos de afirmação, tinham sido para ele caminhos não adaptados à sua natureza - caminhos de negação. Fora, no mundo, um desastrado, um inepto e o mundo o condenara. Rebelara-se. Destruíra as circunstâncias de vida que o ambiente tentava lhe impor, afastara-as e agora encontrara a sua verdadeira vida, que não podia ser de matéria, mas de espírito; não podia estar com o mundo, mas contra o mundo. A adversidade, afastando seu espírito da natural projeção exterior, recalcando-o para o interior, guiara-o, não à natural dispersão, mas a uma concentração dinâmica, até à compressão do explosivo - constrangendo-o àquela profunda elaboração interior de que puderam nascer as grandes maturações. Dor salutar e preciosa que o obrigara a reagir em busca de uma saída que não pudera encontrar senão elevando-se às formas de vida mais altas.

É na reação que o homem se revela. Tudo isso o forçou a demonstrar a sua verdadeira natureza e a sair, para se encontrar num mundo maior, aí conquistando a sua posição. Mais tarde havia de compreender ainda melhor as funções criadoras das provas e da dor, a cujo duro aguilhão devia o ter-se despertado em tempo e o ter percorrido um caminho que, de outro modo, jamais teria coragem de empreender. Se não fosse a dor, que outra coisa teria a força de mover e fazer avançar o homem pelo caminho exaustivo da ascensão?

Na maior parte dos casos, os seres humanos lutam com seus semelhantes e desabafam com o outro sexo. Repetia com Beethoven: "Se eu tivesse sacrificado de qualquer modo a energia vital, que teria acontecido de melhor?" Era cioso, mas em outro plano. Elegera seus termos de comparação - seu rival e seu amor - um tipo ideal e se pusera a lutar desesperadamente para alcançar o supremo amplexo na identificação. Só neste terreno sentira-se digno de combater. Tivera que triturar para conseguir superar a animalidade humana. Mas, não se pode abdicar da própria natureza, nem das afinidades fundamentais do próprio tipo e destino. Neste campo, do qual a maioria nem mesmo suspeita a existência, tivera que se mover, porque ali ouvira o apelo do destino, a única verdadeira realização de si mesmo, porque fora irresistivelmente atraído por aquela santa inveja de se exteriorizar, na qual se manifesta o choque de forças contrastantes que são a base da evolução.

Conseguira uma forma de pensamento e de ação onde não existia o frustrado, o desviado, o fora da lei, o expulso da normalidade. Havia equilíbrio e harmonia na sua lei, com a qual se impunha à atenção dos seus semelhantes. O mundo não o podia aceitar senão como um desafio. O mundo só entendia à sua própria lei de luta que impõe a rebelião aos que querem ficar destruídos.

Finalmente, um fato novo viera transformar a situação. Um fato que emergia do mistério, enviado pela divina Providência, incrivelmente determinada a proteger aquela mesma decidida fé que ele tivera nela, naquela sua vontade férrea que o mundo tanto condenara e que agora produzia frutos tão altos. E todos quantos o haviam desprezado olhavam-no

agora admirados da inesperada revelação de capacidade de um inepto e interrogavam o seu rosto sem compreender. O mecanismo dos instintos é suficiente para guiar uma existência primitiva; é porém, instrumento muito impróprio para compreender o mais. Surgiam efeitos em seu ambiente que não podiam ser tocados com as mãos, mas de presença real. As causas, para as pessoas ignorantes, do complexo organismo das forças do destino, deviam permanecer um enigma. Andava agora, firmemente, pelo seu caminho, sem se preocupar com outras coisas. As novas atenções surgidas depois de tanto desprezo, deixavam-no indiferente como as anteriores, que eram de condenação. A incompreensão permanecia a mesma, na derrota como na vitória. A realidade interior e profunda da sua vida continuava sempre igualmente distante da psicologia de seus semelhantes.

Como eles não tinham podido compreender o seu maior sofrimento, que fora a razão de o seu espírito permanecer inconciliável com o mundo, nem aquele temperamento original que o impedia de participar da vida terrestre, agora não podiam compreender a sua maior alegria que era a de ter encontrado no plano do espírito o seu verdadeiro centro vital de atividade. Deste novo estado, das incompreendidas afirmações espirituais, restavam as conseqüências, restavam os fatos. E os fatos não podem, mesmo para quem não os compreenda, deixar de existir. As conseqüências sensíveis da invisível intervenção das forças da divina Providência chamavam a atenção geral. Ele tinha agora uma posição social. Escrevia e publicava; seus livros se vendiam. Estava cheio de vigor e de entusiasmo. Trabalhador incansável, dava provas de inteligência e de vontade. Em vez de ficar esmagado com seu fracasso econômico, mostrava-se muito satisfeito e corajoso, de muitos modos, provava ser um vencedor. "Caprichos da sorte", diziam alguns. "Cada um tem seu gosto", diziam outros, sem saber ir mais adiante.

O que impressiona as pessoas são os efeitos. As causas são muitas e podem ser uma opinião; mas os efeitos não se discutem. As pessoas olham, julgam e correm fanaticamente, cegamente, atrás dos que vencem. São atraídas pelo instinto, inspiradas pela lei biológica da seleção. Fascinadas, como a falena, giram em torno de uma chama até queimar as asas. Aqui estavam fatos, aqui estava o sucesso, essa coisa estupenda sobre a qual não se raciocina mais, tão admirável que não admite perguntas e indagações a respeito da procedência, do mérito que existe nela, até mesmo dos erros que

possa conter. A vitória é vitória - adora-se; assim como a derrota é derrota - despreza-se. Assim é o mundo. Se o vencedor é um assassino e o derrotado um mártir, o mundo não compreende senão mais tarde, quando o mártir for liquidado sem remédio. E o mundo lhe fará um monumento, não para glorificar o mártir, mas para sufocar os remorsos de tê-lo massacrado e para melhor utilizar-se, em vantagem própria, daquele pretexto de mérito e virtude.E ele, agora, aos olhos de toda a gente, vencera. O inepto, o sonhador inútil, o miserável - sabia agora fazer muitas coisas e, portanto, os seus sonhos não deviam ser tão idiotas, se no que ele escrevia se encontravam tantas verdades, e, o mais importante era que se encontrava bem economicamente, porque o seu trabalho lhe rendia o bastante para fazê-lo independente. Os intrigantes, os que o desprezavam, começaram a levantar a cabeça e a olhá-lo, pasmados. Convenceram-se de que a realidade dos fatos era inegável e, diante da constatação irrefutável, não puderam resistir ao desejo da admiração.Não há nada mais instável do que os estados psicológicos. É o que se diz dos outros que é digno de fé. Parece que apesar de toda a mania de julgar, ninguém sabe julgar a si próprio. A admiração de terceiros, dos estranhos, aquela que vem de fora de casa, de longe, é a mais convincente. E quanto mais de longe vem, mais convincente é. E assim, para se fazer admirar e conhecer do vizinho de casa, é necessário, às vezes, que a admiração tenha feito a volta do mundo, porque, se ela vem do ponto cardeal oposto, então sim, é plausível. Se vem do exterior é interessante e se vem do outro hemisfério é irresistível. Assim, a admiração se reforça, cresce, se estende e se torna estima - isto é, aquela corrente de favor com que socialmente se circunda e se define um indivíduo.

Assim se realiza lentamente, em torno dele, a estranha reviravolta - estranha para quem atribui um sentido sério à vida, aquele que aqui se sustenta. Reviravolta que era como o lento girar para o sol dessa flor que se chama justamente girassol. E, parece mentira, ele era agora admirado e estimado mesmo por aqueles que antes haviam rido dele, mesmo por aqueles que, quando estava vencido, mais o desprezavam. Assim são as convicções humanas. Afinal, é lógico que a vitória seja tanto mais admirada e a derrota desprezada quanto mais o indivíduo que julga é fraco, vil e constrangido a mentir.

Ele olhava e sorria, sempre longe da algazarra humana. Este seu primeiro ensaio de notoriedade, em lugar de o entusiasmar, deixava-o

desiludido. Os triunfos mundanos não o seduziam, porque os via dos bastidores. Via que a glória não lhe dava o amor de seus semelhantes, nem a estima, nem a satisfação de os haver melhorado. Ao contrário, o aparecer em destaque no horizonte psicológico equivalia a excitar a cupidez, os instintos de exploração, de inveja e uma secreta reação demolidora. Repudiava tais frutos como prêmio aos seus trabalhos. Ser conhecido significava, pois, perder liberdade e paz - coisas tão necessárias à sua produção intelectual e profunda vida de espírito. Quanta gente vazia que corre ao primeiro rumor, se interessava agora por ele! E essa gente julgava, media tudo - e era preciso suportar o seu vão falatório! Que atribulação, aquelas apreciações sem sentido! Depois, lembrava-se de que os livros não lhe pertenciam mais. Pusera neles sua própria alma; não podia mais nada acrescentar, evitar ou modificar, pois que fixavam, irrevogavelmente, a sua figura espiritual. A cristalização de si mesmo, vivo, num passado formal, sufocava-o. A obra concluída encarcerava, ao menos por um lado, o seu espírito, e fechava a sua vida. Ocorreu-lhe então que o homem chegado à glória é uma estrada percorrida, um cadáver de que a vida deseja se desembaraçar depressa. Seu pensamento já agora não era mais seu, era o pensamento dos outros e, movido por outra vontade, andava por onde os outros desejassem. E isso lhe bastou para sentir o amargor que está no fundo das aproximações humanas; a vaidade e a ilusão que existem nas coisas da terra. E então sentiu bem claramente que, se tivesse seguido os caminhos do mundo, não lhe restaria senão a sensação final de anulação.

Voltou o olhar para horizontes mais vastos e confortou-se na verificação de sua novas realizações espirituais. Quando humanamente triunfava, estimava-se menos que antes, quando sofria; porque aquela era a hora maior de sementeira, e esta era apenas a hora da colheita. Ele se alegrava diante do resultado de seus esforços. Os espíritos eleitos compreendiam e ele podia fazer o bem. Era uma hora de abundância espiritual. A ceifa se faz sob o sol quente, depressa, sob a embriaguez da vitória que é sempre, em todos os campos, a maior exaltação da vida. Não há tempo agora para a mente se deter a prever qual será o rigor do próximo inverno. Quando ele chegar, veremos. Agora é festa, e basta. Ele estava todo entregue à grande colheita e ceifava em grande quantidade e messe abundante, e acumulava. Tinha pressa de colher tudo. Não queria, não podia perder nada do instante intenso, mas sempre em fuga. A sua alma era um

incêndio, mas ele estava ali presente em plena consciência e, embora ardendo, observava e registrava tudo. Uma grande, impetuosa, destruidora corrente de pensamento atravessava o seu espírito e ele tinha um duro trabalho para contê-la, dentro dos obstáculos da palavra, para canalizá-la na forma de redação, para discipliná-la no desenvolvimento conceptual que jorrava de sua pena.

Naqueles dez anos desenvolveu uma atividade enorme, sem repousar nem por um momento, num estado de tensão criadora que devia depois acalmar-se, pois de contrário o destruiria. Mas, a própria febre o sustentava. E, nesse estado lançou uma produção literária tamanha, que mais tarde o assombraria por ter sido capaz de tanto. Não se pode explicar o arroubo e o triunfo de certas festas do pensamento a quem não as experimentou e não está espiritualmente desenvolvido para as compreender. As orgias humanas nada são em confronto. Todo o ser tem uma sensação de expansão além dos sufocantes limites do espaço e do tempo; navega no seu elemento infinito, acima de todas as dimensões humanas de poder, de domínio, de limpidez de visão. Numa exaltação não sensorial, de superfície, mas tão espiritualmente profunda, tão mergulhada na substância do ser, que se poderia definir como um arrebatamento. A verdadeira concepção é, realmente, um êxtase e uma visão. E tal era para ele. Um turbilhão de correntes espirituais envolvia-o, arrastava-o fora de si, não sabia para onde, de visão em visão. Seu olhar interior assistia, pasmado, à dilatação dos horizontes na vastidão dos planos da intuição, levado em novas dimensões conceituais, até à sensação da grandeza infinita do funcionamento orgânico do universo. O pensamento parecia-lhe verdadeiros relâmpagos, imprevistos, vivos, cegantes como centelhas. Acompanhava-o a custo sua pobre pena; não conseguia registrar tudo e seu coração entumecia na exaltação da alegria da concepção. Parecia-lhe até que este pensamento nascia de um novo gênero de amor espiritual que descia do céu, inflamando-o como um turbilhão de fogo.

E ali estava ele, pobre escriba, mas consciente registrador, fiel e enamorado executor. Em torno, sobre a terra, silêncio. E o grande campo adormecido sob o céu estrelado. A luz débil de uma lâmpada, uma pena corre rápida e sem rumor, como sem rumor correm as estrelas pelo espaço sem fim. Não há ao seu lado senão um maço de papéis em branco. Mas por dentro há um incêndio de pensamentos, de fé e de amor. Certamente, lá

do alto, o bom Deus olha e sorri, piedoso e benigno porque um desgraçado, no fundo do inferno terrestre, levanta o olhar para Ele e, cheio fé, acredita que o sente e lhe obedece. Quem sabe? Quem pode dizer qual o mistério daquelas horas sublimes? Quem pode dizer que coisas, realmente, ardiam naquele incêndio? Sabe-o a ciência? Sabe-o a religião? Ninguém foi testemunha; os metros comuns não servem para medir as expansões da alma. Ele sabia apenas de sua fé grande e sincera e na simplicidade desta fé, ardia, ansioso, somente por obedecer e dar-se. Será assim tão imperdoável culpa para o mundo o crer e dar-se? E por que se diz, então, que só a fé basta e tanto se exalta o altruísmo? Ele cria - e isto lhe bastava. E abandonou-se à infinita potência criadora da fé.

No entanto, diante do mundo prático e cético, um homem que assim age é desprezado. E a sua, não era uma fé inerte, mas feita de cansaço e sacrifício. No esforço para seguir e realizá-la, ele se dava e se consumia. Por que o mundo o considerava um ingênuo? Por que, na prática, se estimam e se exaltam aqueles que demonstram egoísmo e que são os hábeis acumuladores de riquezas, talvez tão sem escrúpulos que podem constituir um verdadeiro perigo social? Haviam-lhe lançando em rosto que seus esforços não rendiam dinheiro e retornaram ao tema de sua imperdoável inépcia... Mas ele estava absolutamente nos antípodas do tipo corrente de homem- máquina acumulador de dinheiro. Acumulava bem outros valores e no seu campo era o lavrador e o escrupuloso economizador. Se, por um princípio superior, desprezava o rendimento econômico, que rendimento moral tinha em compensação! Como se sentia hábil neste campo, e que resultados obtinha! Parecia estar em ócio; quanto mais intenso era seu trabalho, tanto mais procurava esconder-se, para não ser perturbado. Parecia repousar, e todos diziam: "Mas ele não faz nada!" - mas depois se surpreendiam vendo o resultado tão evidente brotar daquele nada e daquele ócio. Em cada passo, em cada movimento, em cada atitude que tomava, encontrava-se em irredutível contraste com o mundo. Naturalmente, não podia ser compreendido, nem admitido, porque dava ás coisas do espírito a mais extrema importância.

Por enquanto, estava protegido por um mal-entendido, graças ao qual o mundo o apreciava por efeitos secundários derivados de seu novo estado e ao qual ele não dava a menor importância. Realmente, só um mal-entendido podia servir de base a um acordo, que em verdade era fictício e

breve, entre ele e o mundo. Ele podia gozar da inapreciável vantagem de ser deixado em paz. Que mais podia pedir aos seus semelhantes? O mal-entendido podia se manter e estender pelo fato de ele trabalhar em silêncio, sem fazer alarde de si, sem usar daquela propaganda que usam os que desejam figurar no mundo. Suas metas eram diversas. Movia-se não por vanglória ou por vantagens materiais, mas para obedecer à imposição que deriva da compreensão de seu destino. Nada tinha para exibir, porque nada pedia aos outros. Nada esperava dos outros, ai deles! Cuidava de construir como podia, sozinho, em plena sinceridade, crente em Deus, por íntimo sentido de missão. Também no método ele estava nos antípodas do mundo.

Mas, sob o mal-entendido incubava-se a discórdia, que era de substância, profunda e insanável. De um lado, ele, ativo no espírito, ligado ao Evangelho, progredindo sempre pelo caminho da ascensão mística, e de outro, o mundo, ativo na matéria, vivendo em desacordo com o Evangelho, sempre mais preso aos interesses terrenos. À medida que o seu destino se desenvolvia, as duas estradas se faziam mais divergentes e inconciliáveis. O desafio era, por enquanto, latente, mas era já uma semente que havia de se desenvolver e que lentamente chegaria à maturação. Muitas provas haviam tornado aguerrido aquele homem para que ele personificasse o desafio e dirigisse a batalha. Cedo ou tarde o mal-entendido deveria dissipar-se, para revelar o íntimo desacordo, e levá-lo a um embate, pois que tudo é luta na vida, também no espírito, e nada se consegue sem luta.

Sua alegria era grande e ele gozava agora um grande triunfo. Mas, no contínuo progredir de todas as coisas, meta nenhuma pode exaurir-se em si mesma e nenhuma conquista deter-se com a sua consecução. Cada vitória que, dormindo sobre os louros, não queira transformar-se em podridão; cada vitória verdadeira, sadia e positiva, contém em si o germe de uma nova batalha, é a preparação de um novo esforço. Mas somente assim ela pode ser também a preparação de um novo triunfo.

XV

No documento HISTÓRIA DE UM HOMEM (páginas 99-108)