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Ao falarmos em adolescência e, principalmente, em educação a palavra “limite” aparece com as mais diversas conotações, principalmente no que se refere à restrição ou privação. É comum dizer, já há algum tempo, que os adolescentes “não têm limites”, que os pais “não dão limites” aos filhos e que estes “não respeitam os limites” da escola, mas pouco se diz do excesso dele, que sufoca, e da busca dos indivíduos “por um ambiente mais arejado”. La Taille (1998, p.12) propõe olharmos além destes sentidos, resgatando a ideia de limite como fronteira, como linha que separa territórios e que remete a ação de transpor, de ir além:

“limite” não deve ser pensado apenas como ponto extremo, como fim, como limitação. Não há dúvida de que esse é um de seus significados, mas, apenas um lado da fronteira. “Limite” significa também aquilo que pode ou deve ser transposto. Toda fronteira, todo limite separa dois lados. O problema reside em saber se o limite é um convite a passar para o outro lado ou, pelo contrário, uma ordem para permanecer de um lado só. Ora, na vida, e na moralidade, as duas possibilidades existem: o dever transpor e o dever não transpor.

A conduta tem uma finalidade, definida pela afetividade (interesse), pela busca por uma adaptação e por restabelecer um equilíbrio, ou seja, só agimos porque estamos, momentaneamente, em desequilíbrio. Se este desequilíbrio momentâneo não está presente, não há movimento em direção à aquisição de novos conteúdos, não há interesse e sim passividade e, por vezes, tédio. O esforço em busca do restabelecimento do equilíbrio é uma das chaves para o desenvolvimento e a formação do caráter.

Podemos dizer que o adolescente se empenha, constantemente, em fazer o que ainda lhe é difícil pela própria limitação de seu desenvolvimento, em busca de ampliar seus horizontes, ter êxito, de impor sua individualidade. Enfim, de superar, transpor limites. Nesse sentido, educar, longe de ser apenas impor limites, é, antes de qualquer coisa, ajudar cognitiva e emocionalmente o adolescente a ir além deles. Sendo assim, os temas da motivação e do estado de desequilíbrio são fundamentais para a aprendizagem.

O adulto deveria promover o encantamento pelo mundo e apresentar-se como um modelo de boa qualidade, expandindo os horizontes e ampliando o repertório dos adolescentes, além de apresentar desafios que os ajudassem a superar o egocentrismo, a crença de ser o centro do universo. No entanto, caberia a ele também mostrar que alguns limites devem ser respeitados, que algumas limitações devem ser aceitas como as físicas, que colocam a dimensão do impossível, e os limites normativos, que representam a dimensão do

proibido, restringindo a liberdade em nome de valores, quase sempre de maneira penosa. Penosa porque, geralmente, limita seus desejos em função de um processo civilizador, da legitimação de leis em nome da cultura. Mas não deve ser esquecido, que os limites devem incidir sobre a realização dos desejos (ou seja, das ações) quando isto é contraditório ao bem- estar e ao convívio respeitoso em sociedade e não sobre os desejos em si (ou seja, os sentimentos), pois não há inimigo maior da liberdade que a normatização da afetividade. (La Taille, 1998). Sendo assim, não se trataria de restringir a liberdade, mas de ensinar a usufruí- la, lembrando sempre que é necessário “viver e deixar viver”, não como falta de solidariedade ou compaixão, mas como cuidado e tolerância com o outro, pois

Se “viver” é, como dissemos, uma arte, “deixar viver” também não é nada simples. Existem aqueles que não querem deixar os outros viverem em paz, ou não sabem como fazê-lo: a todo o momento, ultrapassam os limites que permitiriam, justamente, a tranquilidade e a paz alheias. (La Taille, 1998, p.77).

A liberdade é invariavelmente confundida com a extrema valorização das vontades e dos desejos individuais, como se fossem dotados de sabedoria e dirigidos a êxitos importantes, sendo assim poupados de repressão. A cultura, que pode representar a entrada do adolescente no mundo adulto, nem sempre cumpre o papel de adequação das vontades e dos desejos, assim como ocorre com nas famílias em que “os adultos não têm mais tanta certeza de que sabem mais que seus filhos quais os caminhos que levam à felicidade e, portanto, colocam bem menos limites”, por um lado por “humildade” ou ignorância, por outro, por “descompromisso em relação aos filhos e ao futuro do mundo” (La Taille, 1998, p.64). Sendo assim, muitos adultos e a própria cultura alimentam a crença no adolescente de que ele pode, mesmo que prematuramente, encontrar seus próprios caminhos numa sociedade em constante mutação. Essa opção só poderia ser válida se as capacidades cognitivas de previsão e responsabilidade dos adolescentes fossem suficientes para fazer uma boa avaliação e tomar decisões. Do contrário, “a liberdade dada corre o sério risco de se tornar, em vez de um belo presente, um fardo a ser carregado no futuro”, pois “ao dar à criança liberdade de escolha, os pais lhe deram uma enorme responsabilidade, uma responsabilidade muito acima de sua real capacidade de discernimento” (La Taille, 1998, p. 69-70). Em outro extremo estão os adultos que creem que o melhor é cuidar de perto e sempre dos adolescentes, decidindo o que eles devem fazer e escolhendo por eles, pois acreditam que a sabedoria adquirida por sua própria experiência garantiria que fossem feitas as melhores escolhas, que se determinassem os melhores caminhos a seguir, decidindo o que é bom ou ruim para seus filhos. Dessa maneira, afirmam indiretamente a crença de que o adolescente é incapaz de lidar com limites e situações adversas e, portanto, de que não devem ser expostos a isso. Esta postura dá, aos

adolescentes, “uma falsa concepção de liberdade (sem responsabilidade) e, na prática, uma grande dependência em relação àqueles que, de fato, detêm o poder” (La Taille, 1998, p.76).

Respeitar o outro, não querer normatizar, julgar ou condenar ideias e ações alheias diz respeito à tolerância, mas também à certeza de que não se deve tolerar tudo, de que há proibições básicas e universais que protegem a dignidade humana. Até a tolerância pede limites o que significa reconhecer que um ponto de vista particular não é necessariamente o único nem o melhor (La Taille, 1998). Mesmo considerando a tolerância que protege o outro, e a nós mesmos, do olhar judicativo, esta não é suficiente para preservar ou impedir que os limites da privacidade sejam ultrapassados. O adolescente precisa dos adultos, também, para ajudá-lo a aprender como fazer para respeitar seus limites, pois um dos sintomas da crise de nossa sociedade é justamente a ausência de balizas pelas quais orientar os pensamentos e as condutas. Estas são questões importantes de se levar em conta porque, em nossa pesquisa, as pessoas que os jovens mais admiram, e consideram como modelos de identificação, são seus familiares, principalmente, seus pais.

A indiscriminação de valores na vida de uma pessoa, em que o permitido e o proibido se mesclam, onde tudo pode ser válido e nada parece ser importante, onde os contrários não são necessariamente opostos, é um terreno fértil para instalar-se o tédio. O tédio é vivido quando não se sabe como “ocupar o tempo, por não ocupá-lo no sentido nobre da palavra, o tempo da vida, ou seja, o sentido nas acepções de direção e de razão de viver”, quando não temos muita noção do que vai acontecer e decidimos gastar o tempo em “viver no aqui e agora”, quando não temos uma perspectiva de vida (Cortella & La Taille, 2009, p.89). Além disso, também aparece como uma resistência passiva, uma retirada de energia e interesse pela situação. Não pode ser confundido com o ócio, que busca criar e recriar sentidos, que muitas vezes se aproxima do lúdico e da alegria. Ou seja, o tédio, sendo um dos maiores males éticos de nosso tempo, se torna mais um limite a ser superado pelo adolescente para se aproximar de uma vida plena: além do convívio e do uso do tempo.

Todo cuidado seria pouco ao lidar com o tema do respeito aos limites, já que as restrições devem ocorrer em função do bem-estar e do desenvolvimento dos indivíduos e, concomitantemente, do bem-estar dos membros da sociedade: “Viver e deixar viver” – “saber não ultrapassar alguns limites e não deixar-se amedrontar por outros é uma verdadeira arte que algumas pessoas desenvolvem com maestria e outras nunca chegam realmente a possuir” (La Taille, 1998, p. 58). Devemos lembrar também que limites restritivos fazem parte da “vida boa”, sendo inclusive necessários para alcançá-la e usufruí-la, por isso, é necessário ajudar os adolescentes a construí-los e valorizá-los. Para que isso ocorra, os adolescentes

precisam reconhecer alguns adultos como autoridade, dar ouvidos ao que é dito, observando e admirando suas maneiras de viver a vida e conviver em sociedade.