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AUTORIDADE E OBEDIÊNCIA – Arendt, Sennett, Fromm e La Taille

O conceito de autoridade tem sido descrito por inúmeros autores através do tempo. Trataremos aqui de algumas referências, explicitando pontos em comum e divergências entre elas, definindo assim a perspectiva de autoridade adotada por nós. Primeiramente vamos examinar a maneira como Arendt (1954/2009) define esse conceito.

Para essa autora, o conceito de autoridade nem sempre existiu, sendo a origem, tanto da palavra como do conceito, romana. A palavra autoridade (do latim auctoritas), derivada do verbo aumentar (do latim augere), surgiu quando a fundação romana se expandia por ação de autores (do latim auctores) ou dotados da função de “aumentar” a cidade. A característica proeminente das autoridades (dos auctores) não era ter poder ou agir de forma coercitiva, mas dar conselhos, além de exercer também o poder religioso. A atividade política era considerada praticamente idêntica à atividade religiosa, entendendo-se religião (do latim re-ligare) no sentido de estar ligado tanto ao passado como à eternidade. As forças da autoridade, da religião e da tradição estavam totalmente relacionadas: quanto mais velhos fossem os

auctores, mais próximos dos antepassados e do passado, mais eles eram considerados

valorosos como modelos: “Ao contrário de nosso conceito de crescimento, em que se cresce para o futuro, para os romanos o crescimento dirigia-se no sentido do passado.” (Arendt, 1954/2009, p.166). Esse passado era santificado através da tradição. Por ter origem no modelo romano, a Igreja Católica, embora com conteúdos diversos, incorporou a tríade - religião, autoridade e tradição – como matriz essencial e, ao expandir seu domínio, fez com que a sociedade ocidental naturalizasse essa tríade, fortalecendo a ideia de que a autoridade estaria mais próxima da religião do que da política. Sendo assim, obedecer à autoridade passou a significar aceitar, respeitar conselhos e agir de acordo com os desígnios divinos e tradicionais da Igreja. Esse conceito de autoridade permaneceu presente por bastante tempo, até ser combinado com as forças coercitivas da violência.

Na análise de Arendt (1954/2009), o desaparecimento da ordem secular de Roma e ascensão da igreja como poder temporal foram aspectos decisórios para que fossem adotadas pela sociedade as noções platônicas acerca da vida futura, este sendo concebido como um elaborado sistema de recompensas e castigos para ações e erros. A Igreja deparou- se com a necessidade de impor padrões absolutos às relações humanas, e, para isso incorporou como fins políticos a ideia de inferno/pecado e de aspiração à vida eterna, fortalecendo-se muito com isso. No entanto, ao afirmar a transcendência, perdeu força como autoridade terrena,

permitindo que a violência se insinuasse em sua estrutura, passando a exercer poder sobre as pessoas através do medo. Surgiu, dessa forma, mais uma motivação para a obediência, que antes era atribuída ao respeito à autoridade e à morte transcendental. Com o tempo, acentuou- se a distinção entre as esferas religiosa e política, sendo necessário encontrar outras maneiras de gerir os problemas de convivência humana, diferentes das soluções religiosas e sem a proteção de padrões de conduta tradicionais representados pela política. Segundo a autora, a procura de novas soluções foi expressa sob a forma de revoltas e revoluções, levando a concepção de autoridade a ser, para sempre, na sociedade ocidental moderna, associada a formas de dominação e violência. Contudo, sabe-se que autoridade verdadeiramente dita não utiliza meios externos de coerção; onde a força é usada a autoridade em si mesma fracassa. Além disso, a autoridade mostra-se incompatível com a persuasão, pois esta pressupõe a existência de relações de igualdade, sendo a autoridade colocada em suspenso.

Os conceitos de autoridade e de obediência são expressos em diferentes sistemas políticos - autoritarismo, tirania e totalitarismo - de maneiras distintas, segundo Arendt (1954/2009). Nos modelos autoritários, a liberdade é restrita, mas os direitos civis permanecem nas leis que, de certa forma, limitam a ação das figuras de poder. Nesse sistema, a origem e a legitimidade da autoridade são externas, superiores e transcendentes. A estrutura é hierárquica, portanto, não igualitária. Nesse caso, as posições de poder são distribuídas de forma piramidal, o que, segundo a autora, produz nas pessoas submetidas a esse sistema a ilusão de terem liberdade e poder, pois apesar de deverem obediência aos superiores exigiria obediência de alguém abaixo de si na pirâmide. Podemos pensar, portanto, que seria bastante difícil a construção da autonomia moral num sistema como esse.

Nos modelos tirânicos e ditatoriais, o poder também é superior, mas está totalmente concentrado numa figura. Nesse sistema, há a abolição da liberdade e dos direitos civis, pois o tirano governa de acordo com seu próprio arbítrio e interesse. Ninguém mais pode exercer o poder do qual todos permanecem cuidadosamente isolados. Obedecer significa total submissão às regras convencionais, sendo inevitável agir de acordo com o poder, mesmo que se tenha opinião contrária, ao passo que no totalitarismo, além de o poder estar centralizado em um líder, ele é multiplicado de tal modo a todas as esferas da sociedade que elimina totalmente a espontaneidade e as manifestações de liberdade das pessoas. Por intermédio de seus diversos métodos de condicionamento, procura controlar o conjunto de crenças da sociedade, não sendo permitidas opiniões divergentes das da liderança. O poder exercido é absoluto. Nesse caso, obedecer significaria pensar e agir como o líder e não manifestar qualquer posição autônoma; é inevitável ser de acordo com o poder.

Todos os modelos apresentados confirmam seu poder de coerção pela submissão ou pelo medo e, portanto, o fortalecimento da heteronomia moral. Os modelos totalitários de poder são os mais nocivos no que diz respeito à ética, por restringirem totalmente a liberdade. Somente o modelo democrático promove relações de respeito mútuo, reciprocidade e cooperação, tão necessárias ao desenvolvimento da autonomia moral.

Outro autor que nos traz reflexões importantes sobre a autoridade é Richard Sennett (1980/2001). Para ele, as pessoas têm necessidade de vincular-se às figuras de autoridade, mesmo que essas sejam fonte de medo, ameacem a liberdade e afirmem que as pessoas são dependentes da proteção que essa autoridade pode propiciar. A força da autoridade está na sua integridade, entendida como permanência e certeza de suas concepções, aliada à coerência entre o que se faz e o que se exige do outro. Como Piaget (1932/1994), esse autor destaca a coerência como um dos aspectos mais importantes para que se estabeleça um vínculo de confiança com a autoridade, e para esta seja legitimada. Nesse sentido, poder com força ou poder com autoridade não se misturam, pois o vínculo com a autoridade é construído a partir do binômio força e poder. Força, que se expressa na segurança e na firmeza usadas para guiar os outros, e, poder, ao ser capaz de disciplinar e modificar modos de agir utilizando os parâmetros da justiça. Segundo Sennett (1980/2001), para a criança, tudo o que os pais fazem é poderoso, pois, em seu universo egocêntrico, ela não consegue imaginar que os pais fariam algo que não tivesse a si mesma como fim. As imagens de autoridade, assim formadas na infância, persistem na vida adulta como imagens arcaicas de força e poder. Mesmo que, mais tarde, na adolescência, essa identificação maciça com os pais venha a ser superada, pois os padrões de obediência já estariam constituídos.

Sennett (1980/2001, p.33) sugere que a legitimação da autoridade é um processo interpretativo, “uma tentativa de interpretar as condições de poder, de dar sentido às condições de controle e influência, definindo uma imagem de força. (...) Na vida cotidiana, a autoridade não é uma coisa.”, a autoridade está “nos olhos de quem vê”. Dessa forma, o processo de interpretação do poder pode determinar três formas de autoridade: por tradição, baseada nos costumes e nos privilégios hereditários para além da vida prática e imediata; legal ou racional, em que a superioridade se revela naquilo que a autoridade faz a partir de sua posição de poder na sociedade, e a carismática, que surge da admiração. A perda de legitimidade da autoridade quando não se atribuí importância à tradição, não se tem respeito à hierarquia ou quando não há uma identificação da pessoa com o sistema de valores de uma pretensa autoridade resultaria em transgressão.

Entre as diferentes expressões da autoridade, o autor destaca uma delas, bastante efetiva, que se refere a pessoas que se sobressaem pelo talento, personalidade, estilo de autocontrole, capacidade de exercer domínio e competência diferenciados, o que levaria outras pessoas ao se compararem com essas sentirem vergonha de ser o que são. Essa é a autoridade carismática, no sentido de exercer a dominação através da expressão de sua própria personalidade e autonomia, uma forma de autonomia que se afasta do conceito de autonomia moral, descrito anteriormente, pois os valores que a constituem como autoridade não seriam, necessariamente, morais. A autonomia, nesse caso, representa a posse de qualificações ou de um conjunto de atitudes que a mantém independente, senhora de si e mais propensa a influenciar, que não é dependente da aprovação dos outros. Ela comunica uma “força de calma e frieza nos momentos difíceis, que faz com que pareça natural a quem a possui dizer aos outros o quê fazer” (Sennett, 1980/2001, p.119).

Segundo Sennett (1980/2001), existem várias formas da figura de autoridade exercer controle sobre os indivíduos. Uma delas seria despertar vergonha, como instrumento disciplinar cotidiano, tendo como efeito a submissão que se torna mais frequente à medida que, como forma de controle, o exercício de violência física é menos aceito social e culturalmente. A vergonha é capaz de exercer um controle implícito sobre as pessoas não só pelos momentos repentinos de humilhação, mas pela desconsideração para com o outro, pela diminuição de seu valor pessoal e pelo desgaste silencioso do sentimento de valor próprio. A postura indiferente de uma pessoa na posição de autoridade em relação aos outros a ela submetidos é, também, uma das maneiras de exercer controle, pois reforça a dominação. A autoridade indiferente desperta o desejo de a pessoa ser por ela reconhecida, de confirmar sua própria importância, de ser reconhecida por ela. Para Sennett (1980/2001), essa é uma das motivações da desobediência (ou seja, das transgressões), que surge da necessidade de romper com a indiferença e com a distância, buscando a reação da figura de poder para confirmação da importância de si mesmo. Ser notado e ter despertado o “interesse” da autoridade é aproximar-se da figura idealizada, levando à diminuição do sentimento de submissão, assim como o é tentar passar-se despercebido por ela.

Esse autor considera que há um fortalecimento da dominação quando vínculos de rejeição são estabelecidos entre pessoas que se sentem atraídas por fortes figuras de poder, apresentando desejos regressivos de ser controladas por elas e obedecer-lhes, mesmo quando não são autoridades legítimas. O vínculo de rejeição surge quando a pessoa não consegue admitir para si mesma que tem um forte vínculo com a figura de poder (dependência), expressando essa contradição através de manifestações de rejeição. Segundo Sennett

(1980/2001), a pedra angular desse processo complexo é o sentimento de vergonha (de decair aos próprios olhos) pelo fato de a pessoa estar submissa, sentir-se mais fraca e dependente da figura de poder. Ao construir vínculos de rejeição, a pessoa acredita que se sua oposição fosse suficientemente obstinada, a ponto de destruir a legitimidade e diminuir a força da figura de poder, a pressão sofrida por ela acabaria. Segundo o autor, são três as maneiras pelas quais são construídos os laços de rejeição: a dependência desobediente, a substituição idealizada e a fantasia do desaparecimento da autoridade.

Na dependência desobediente, algo que agrada a figura de poder é rejeitado pela pessoa, justamente porque a agrada A ideia é fazer exatamente o que a autoridade desaprova, como tentativa de sair da posição de submissão, tanto do ponto de vista concreto quanto como do subjetivo. Ao desobedecer, a pessoa tem a ilusão de recuperar o controle. No entanto, esse controle continua ativo, pois a pessoa depende das decisões da autoridade para tomar suas próprias decisões. Ao reprovar as escolhas, fortalecesse o vínculo, pois “o próprio ato de desobedecer, com todos os seus confrontos, angústias e conflitos, une as pessoas”, diz Sennett (1980/2001, p.51). Segundo ele, o “dependente desobediente” procura defender sua privacidade, a fim de construir uma barreira entre ele e a autoridade

A transgressão talvez seja o elemento mais eficaz na prática da dependência desobediente. Ela envolve mais do que dizer não. Implica propor uma alternativa inaceitável para o outro. A criança que simplesmente diz “eu me recuso” acha-se numa posição muito mais fraca do que a criança que diz “quero outra coisa”. (Sennett, 1980/2001, p.52-53)

No caso da substituição idealizada, a relação entre a pessoa e a figura de poder é tensa e problemática, pois não há confiança por parte da pessoa na competência dessa figura de poder como autoridade, e, sendo assim, essa autoridade é praticamente rechaçada em detrimento de outra idealizada. Dessa forma, a figura de poder é considerada uma autoridade funcional, mas não legítima. Portanto, as pessoas submetidas a ela fazem o que é pedido sem convicção, por necessidade de segurança e por receio de “ficarem soltas” ou de “perderem a referência”, ou até mesmo de sofrer sanções. A contingência de dominação, que a obriga a obedecer, também a faz criar, de maneira imaginária, uma nova autoridade. Já a fantasia do desaparecimento da figura de poder surge quando, submetidas a uma autoridade, as pessoas desejam sua ausência pelo fato de ela ser muito temida, mas ao mesmo tempo muito necessária para regular e ordenar as ações. Conforme Sennett (1980/2001), a razão de viver essas situações problemáticas ou insatisfatórias é atribuída à figura de poder, e, para lutar contra esses sentimentos, a pessoa questiona a integridade dos superiores e nega sua legitimidade em impor exigências, tentando, indiretamente, neutralizar o poder dessa autoridade, procurando fazer com que ela se sinta fraca ou envergonhada.

No entanto, Sennett (1980/2001) lembra-nos que as pessoas não criam somente vínculos de dependência com a autoridade, pois a dominação pode ser exercida em função de fazer o bem a outrem. Nesse caso, a legitimação da autoridade tem origem na percepção de uma diferença de poder. A autoridade causaria a impressão de que há algo inatingível em seu caráter - como um poder, uma segurança ou um segredo - que as pessoas a ela submetidas não conseguem desvendar, uma diferença capaz de despertar o medo e o respeito. Seria uma autoridade legítima por ser capaz de julgar e tranquilizar as pessoas através do exercício de suas virtudes, sendo forte e sábia e, portanto, capaz de proteger as pessoas, ratificando-lhes seu valor e reassegurando-o a elas. Dessa forma, temos de um lado a autoridade que expressa seu interesse por cuidar e ajudar as pessoas a obterem o que necessitam, e, do outro, as “autoridades” desprovidas de qualquer intenção de beneficiar os outros, aquelas que cuidam somente de si e realizam seu domínio pelo retraimento ou pela indiferença.

Atualmente, segundo esse autor, as pessoas que representam o papel de autoridade são muito destrutivas, pois não se inspiram na compaixão, na confiança ou no respeito mútuo para relacionarem-se, portanto ele afirma que devemos lembrar que “somos livres: livres para acusar nossos dominadores por não terem essas qualidades”, ou livres para descrer da autoridade e, o que é mais importante, para declarar nossa descrença (Sennett, 1980/2001, p. 164). Nesse sentido, mesmo que não efetiva, a transgressão pode ser entendida como manifestação de desagrado e de libertação do jugo das figuras de poder, pois, como vimos, o próprio ato de rejeitar a autoridade cria vínculos com ela. Sendo assim, Sennett (1980/2001) propõe que se vivencie um processo reflexivo do que seria a autoridade, de maneira a gerar uma “crise” na qual a pessoa renuncie a suas concepções de autoridade como necessariamente onipotente competente e satisfatória. Esse processo reflexivo seria composto pela observação da própria postura da pessoa frente ao poder, pela desvinculação da influência desse poder sobre si mesma e pelo questionamento da legitimidade da autoridade. Só então seria possível reingressar numa relação com a autoridade, conhecendo os limites para que as verdadeiras necessidades sejam atendidas.

A reflexão sobre papel da autoridade em nossas vidas é também tema de Erich Fromm (1981/1984), que pensou a questão sob a perspectiva da desobediência, ou seja, da transgressão. Segundo ele, o indivíduo precisou, historicamente, transgredir limites para se tornar verdadeiramente humano. Segundo o autor, essa trajetória pode ser representada, inicialmente, pelo ato de desobediência de Adão e Eva, que, vivendo como partes da natureza e em harmonia no Jardim do Éden, tomaram a decisão de desobedecer, rompendo os laços dos seres com a ordem divina. Esse ato representou, conforme o ponto de vista de Fromm

(1981/1984), o primeiro passo para a independência e para a liberdade dos seres, possibilitando que se reconhecessem uns aos outros e que conhecessem um novo mundo, estranho e hostil. Assim também o titã Prometeu, da mitologia grega, que teria feito o mesmo ao roubar o fogo dos deuses, não se arrependendo de seu feito, libertando os segredos da vida para a humanidade. Segundo Fromm, outros homens ousaram dizer não aos poderes vigentes em nome de sua consciência ou fé, e assim, a humanidade continuou a evoluir. Em determinados momentos, grupos de pessoas reagem às estruturas hegemônicas de poder por meio da afirmação da autonomia. Dessa forma, Fromm (1981/1984) afirma que não se pode dizer que toda a desobediência é uma virtude e nem que toda obediência é um vício, pois tal visão ignoraria a relação dialética entre obediência e desobediência. A obediência total a uma pessoa, instituição ou poder (obediência heterônoma) é considerada, por ele, submissão, pois implica abdicação da própria autonomia e aceitação da vontade ou do juízo alheio. A obediência à própria razão ou convicção (obediência autônoma) não seria, em si, um ato de submissão, mas de afirmação. Portanto, se um homem pudesse apenas obedecer e nunca desobedecer, ele seria um escravo, e se apenas pudesse desobedecer e nunca obedecer, ele seria um rebelde, pois agiria a partir de motivações como raiva, decepção, ressentimento e não por uma convicção ou princípio como faz um revolucionário. Diz ainda o autor que “minhas convicções e juízos, se forem autenticamente meus, fazem parte de mim. Se eu os seguir, e não ao juízo de outrem, estarei sendo eu mesmo.” (Fromm, 1981/1984, p.12).

Nesse sentido, Fromm (1981/1984) usa o conceito de consciência como expressão de dois fenômenos bem distintos entre si: a “consciência autoritária”, que é a voz internalizada de uma autoridade que gostaríamos de agradar e tememos desagradar (relacionando-a ao superego de Freud), e a “consciência humanista”, que é a voz presente em todo ser humano e que o faz agir independentemente das sanções e recompensas externas. A “consciência autoritária” representa a obediência a um poder externo ao indivíduo, por ele internalizado como “sua consciência”, sendo, na verdade, a incorporação dos princípios referentes ao poder. A “consciência autoritária” debilita a “consciência humanista”, pois essa expressa a capacidade de um ser perceber-se como um indivíduo e julgar por si mesmo. Segundo o autor, a “consciência humanista” está apoiada no fato de que, “como seres humanos, temos um conhecimento intuitivo do que é humano e do que é desumano, do que favorece a vida e do que a destrói. Essa consciência serve à nossa atuação como seres humanos. É a voz que nos chama de volta a nós mesmos, à nossa humanidade.” (Fromm, 1981/1984, p.13). Poderíamos, portanto, relacionar a “consciência autoritária” ao plano moral e a “consciência humanista” ao

plano ético, respectivamente, pois quem age por motivação da “consciência humanista” age no sentido de promover a “vida boa”, preocupando-se com algo que está além de si mesmo.

No que se refere à submissão, esse autor estabelece a distinção entre autoridade “irracional” - caracterizando-a como a relação que se estabelece entre senhor e escravo - e “racional”, como aquela existente entre o professor e o aluno8. Ambas as relações estão

inspiradas na aceitação da figura de poder como autoridade, apesar de, dinamicamente, serem de naturezas diferentes. A superioridade de um sobre o outro tem funções distintas em cada um dos casos: na primeira é condição de exploração e, na outra, aprimoramento da pessoa submetida à autoridade. No caso da autoridade “irracional”, os interesses são antagônicos, pois o que é vantajoso para um é prejudicial para o outro. Já na autoridade “racional”, os interesses têm a mesma direção. A autoridade “racional” age em nome de uma razão, que, por ser comum, pode ser aceita sem que seja necessário o controle pela violência. A autoridade “irracional” precisa usar a força ou a sugestão para ser obedecida, pois ninguém se deixa explorar se é livre para impedir que isso ocorra. Essa descrição de autoridade “racional”