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a. Idade

Devemos lembrar que adotamos o foco psicogenético em nossa pesquisa, portanto foi de nosso interesse verificar se a idade dos jovens nos traria respostas diferenciadas com respeito à percepção e legitimidade do professor como autoridade, e também quanto à maneira de justificar e identificar as motivações para os comportamentos de obediência e transgressão. O que nossos resultados mostram é que a idade dos jovens é uma variável importante no que diz respeito às motivações para obedecer ou transgredir.

Nesse sentido, notamos (Tabela 12, p.117) que os jovens mais novos (de 10 a 12 anos) sugeriram que os alunos tivessem uma postura mais submissa e mais disponível para aceitar uma relação assimétrica e heterônoma em relação à autoridade do professor, pois uma porcentagem 17,8% maior de jovens sugeriu que o aluno fizesse o que o professor pediu mesmo sem concordar, enquanto outros sugeriram que ele não se negasse a fazer o que lhe fosse pedido (15,04% a mais que os de 13 a 15 anos). Sendo assim, eles confirmaram o

respeito unilateral que sentiriam pelos professores e, sendo assim, seriam mais sensíveis ao controle de suas atitudes pela coação, que foi confirmada, por exemplo, na porcentagem 10,83% menor de respostas para revidar a coação do professor.

Mas, a maior diferença entre as respostas foi encontrada na sugestão de concordar com a decisão arbitrária do professor em punir todos os alunos com ponto um negativo na nota, que apresentou 46,97% a mais de respostas em relação aos jovens mais velhos. Podemos pensar que isso ocorreu, como afirmou Piaget (1932/1994), porque as crianças menores acreditam que a punição é moralmente necessária a título de expiação e, pedagogicamente, útil para prevenir a reincidência. Sendo assim, poderíamos pensar que o aluno punido várias vezes por esse mesmo motivo (como é comum ocorrer nas escolas), seria levado a violar o silêncio exigido pelos professores por perceber que seria punido independentemente da gravidade ou da frequência com que transgredisse, suportando o castigo para não abrir mão de sua decisão (ou direito) de transgredir. Esta possibilidade seria reforçada, por exemplo, ao verificarmos que muitos deles consideraram que não seria correto conversar durante a aula, mas uma porcentagem ainda maior considerou que a conversa seria importante para a sociabilidade do aluno na escola. Assim como uma porcentagem maior de jovens de 10 a 12 anos considerou ser importante estar na escola para poder conviver com os colegas (Tabela 27.2, p.261). Eles teriam motivos para manter sua conversa (fazendo o barulho pelo qual foram punidos) e aceitar as punições do professor. Esse posicionamento afirmaria tanto a crença nas sanções expiatórias como na justiça retributiva.

Também notamos que, apesar da maioria dos jovens, das duas faixas etárias justificar o respeito que teriam pelo professor por questões de ordem convencional, os jovens de 10 a 12 anos (Tabela 15.1, p.129) sugeriram que os professores deveriam ser respeitados principalmente por estarem numa posição hierarquicamente superior (12,38% a mais de respostas), e os de 13 a 15 anos por serem os professores pessoas mais velhas (16,82% a mais de respostas). Nesse caso, podemos sugerir que a origem do respeito dos jovens mais novos seria o próprio respeito à regra (a hierarquia da escola), que como já vimos, é comum nas crianças mais novas, e que o respeito dos mais velhos seria inspirado em um valor cultural (ou familiar) de formas de relacionamento com o outro, o que é, portanto, mais abrangente e genérico, uma vez que não dependeria de conhecer o quão poderosa seria uma pessoa em relação à outra para respeitá-la mais ou menos.

No que diz respeito às razões para obedecer ou transgredir regras e ordens no ambiente escolar (Tabela 16, p.132), os jovens mais novos ressaltaram, dentre as motivações de ordem pessoal, o prazer que os alunos obteriam ao transgredir, enquanto que os mais velhos

sugeriram a afirmação da vontade (diferença de 18,72% entre as respostas) como motivação para agir, ou seja, podemos sugerir que os mais novos dirigiriam sua ação a si mesmos e os mais velhos ao outro. Além disso, notamos que os mais novos referiram-se, com mais frequência (18,24% a mais de respostas) ao carisma do professor, e os mais velhos, às relações de intimidade ou amizade entre professor e aluno como determinantes do comportamento dos alunos (16,89% a mais), confirmando a maior percepção, pelos mais novos, da assimetria entre professor/aluno (o que correspondente à maior sensibilidade à hierarquia) e, portanto, sua heteronomia. Já a busca dos mais velhos seria por relações de maior reciprocidade.

Poderíamos pensar, portanto, que na constituição de sua personalidade moral nossos jovens caminhariam, de um maior egocentrismo e identificação com a perspectiva da autoridade, - mais frequentes nos jovens de 10 a 12 anos, o que seria semelhante ao estágio 1 do nível pré-convencional do desenvolvimento moral de Kohlberg -, para pensamentos de justiça equitativa, de percepção de diferentes pontos de vista e de relações baseadas em expectativas interpessoais mútuas e de conformidade social - mais frequentes entre os jovens de 13 a 15 anos, o que os aproximaria do estágio 3 do nível convencional. Sendo assim, entendemos que tanto a obediência como a transgressão teriam características diferentes nas duas faixas etárias, o que também foi observado no estudo 1 que tratou da percepção dos jovens sobre o ambiente escolar e as relações entre os pares.

b. Sexo

O aspecto sexo também se mostrou uma importante variável no que diz respeito à percepção de autoridade e à motivação para os comportamentos de obediência e transgressão. Portanto, vamos examinar no que o posicionamento dos meninos se diferencia do das meninas.

Inicialmente, apresentaremos os resultados de nossa pesquisa que relacionam comportamentos de submissão, negação e revide dos alunos com a percepção que os jovens teriam da autoridade do professor (Tabela 26.1, p.161). No que se refere a submeter-se ao professor - ou seja, a fazer algo mesmo sem concordar -, notamos que uma porcentagem maior (em 14,29%) de meninos sugeriu que o aluno deveria se submeter às ordens do professor para evitar sanções e maior (em 11,91%) considerou que os alunos deveriam fazer

algo mesmo sem concordar, por obrigatoriedade. Portanto, nos parece que eles seriam mais sensíveis às ações coercitivas dos professores como forma de exercer o limite, do que as meninas. Por outro lado, quando observamos as razões pelas quais os jovens sugeriram que o aluno não fizesse algo sem concordar, quando expressaram quais seriam as razões de cometer essa transgressão, notamos que uma porcentagem maior (em 15,48%) de meninos considerou que o aluno não deveria se submeter ao professor quando, simplesmente, não concordasse com ele. Isso parece demonstrar que os meninos apesar de sentirem mais receio das sanções - que devem ocorrer mais frequentemente do que ocorrem entre as meninas, - parecem mais “autorizados” a expressar seus desejos e opiniões, diferentemente das meninas, que apresentaram uma porcentagem 28,83% maior de respostas para negar-se a fazer algo por influência de outras pessoas. Tal fato ocorreu provavelmente, porque as meninas já tenham interiorizado os alertas familiares (frequentemente citados por elas) que se referem ao papel sociocultural da mulher na sociedade. Sendo assim, mesmo que cerca da metade, tanto das meninas como dos meninos, considere que o aluno deva fazer o que o professor manda mesmo sem concordar, e que, um terço deles considere que o aluno não deveria fazer algo quando não concordasse, as justificativas para tais atitudes seriam diferentes entre os sexos.

O mesmo notamos no que se refere ao comportamento de negar-se a fazer algo que o professor pediu, pois encontramos uma porcentagem maior (em 13,32%) de meninas que afirmou não ser correto, sendo esta diferença reforçada pela distribuição das justificativas, nas quais encontramos uma pequena diferença na porcentagem (de 11% a mais) de argumentos de dever, relativa às obrigações de ser aluna, entre as meninas, e, de benefício próprio, entre os meninos. Além disso, notamos que a maneira como as meninas justificaram a atitude de um aluno em negar-se a fazer o que foi pedido pelo professor é diferente da dos meninos, pois uma porcentagem maior delas (em 31,76%) considerou que negar-se seria um direito do aluno. Enquanto isso, uma porcentagem maior de meninos (em 29,17%) achou mais importante que o aluno se opusesse quando simplesmente não concordasse com o pedido ou tivesse opinião contrária à do professor, reforçando as respostas de benefício próprio. Isto é, as meninas se referiram mais aos argumentos de dever e direito, próprios da justiça, e os meninos, aos argumentos pessoais, autocentrados, ou, até mesmo, pragmáticos. Diferença, por assim dizer, semelhante à encontrada por La Taille (2009a), quando em uma pesquisa relata que a maioria dos meninos atribuiu as virtudes de coragem e honra ao sexo masculino e as meninas à fidelidade e à tolerância ao sexo feminino; as meninas não associaram nenhuma virtude como privilégio do sexo masculino, mas associaram gratidão, fidelidade e tolerância ao sexo feminino. A maioria dos meninos relacionou as virtudes à justiça, e a maioria das