• Nenhum resultado encontrado

9. MÉTODO

9.2. Instrumentos e procedimentos

Antes de iniciarmos o processo de coleta de dados, foi realizado um encontro com a direção de cada uma das escolas, para esclarecimento dos objetivos da pesquisa, ocasião em que foram apresentados Cartas Convite e Termos de Consentimento para realização da pesquisa15. Após a autorização da instituição, houve uma reunião com a equipe de professores para que os procedimentos de observação e entrevistas individuais fossem expostos.

O planejamento das observações e das entrevistas individuais ocorreram de acordo com a distribuição dos alunos pelas séries e períodos de cada instituição e também de acordo com a disponibilidade destes para as entrevistas individuais, de forma a não prejudicar o desempenho escolar.

As observações foram realizadas durante aulas de turmas escolhidas pela coordenação ou direção da escola, conforme critérios de ordem prática e sugestões da pesquisadora, observando serem estas compreendidas entre as séries determinadas pela pesquisa e abrangerem a maior diversidade possível de práticas escolares. Dessa forma, as observações ocorreram durante o período escolar, geralmente fixado pelas escolas em cerca de quatro a cinco horas diárias, por pelo menos dois dias em cada uma das turmas, não importando o tipo ou temática da aula. Ao total foram realizadas 90 horas de observação, sendo 40 horas em escolas públicas e 50 horas em escolas particulares com focos: na relação do aluno com o professor, do professor com o aluno, entre os alunos, e também entre alunos e o ambiente. Do mesmo modo foram utilizadas coleta de informações sobre o ambiente sociomoral de cada uma das escolas.

Os dados de observação foram coletados com o apoio de pranchas, compostas por campos de identificação e campos descritivos, nas quais foram registradas ora as intervenções do professor no grupo de alunos e as respostas advindas dessa ação, ora as manifestações dos alunos e as respectivas reações dos professores a elas. A cada troca de professor, durante um mesmo período escolar, foi preenchida uma nova prancha.

A perspectiva de análise descritiva utilizada para o preenchimento dessas pranchas nos permitiu observar os comportamentos, tanto dos professores como dos alunos, nas situações naturais em que ocorreram; o que nos possibilitou identificar aspetos interpessoais importantes para nossa pesquisa. As observações assim realizadas permitiram, também,

levantar hipóteses sobre as variáveis relacionadas aos comportamentos de obediência e transgressão no ambiente escolar. Isto porque, os registros descritivos expressaram a interdependência, a relação funcional dos comportamentos no ambiente, assim como revelaram as relações entre os comportamentos que ocorrem ou se modificam em função da equipe que constitui a cena escolar (coordenadoras e inspetores, por exemplo). Vale salientar que não consideramos que os comportamentos dos alunos ou dos professores sejam resultantes somente das ações de uns ou de outros, pois não acreditamos que haja um agente iniciador específico de uma determinada ocorrência, mas muitas e diferentes variáveis atuando em conjunto para originar os comportamentos, como salientam Lalli e Browder (1993).

Após serem realizadas as observações, os alunos de cada grupo foram convidados a participar de entrevistas individuais, compostas da apresentação das situações padrão e do questionário. As entrevistas individuais foram organizadas em duas partes: na primeira, apresentamos sete situações padrão com o intuito de que os jovens expressassem julgamentos acerca dos comportamentos de obediência e transgressão na escola e, na segunda, um questionário semiestruturado com quatro perguntas sobre o ambiente escolar e relação com colegas e professores.

As situações escolares padrão apresentaram, de forma sucinta, cenas comuns entre alunos ou entre professor e aluno, construídas a partir de observações de aula e de conversas com professores sobre seu cotidiano na escola, durante o período de preparo desta pesquisa. Elas foram compostas de forma a abarcar situações de obediência e transgressão, de maneira o mais simples e neutra possível. Após apresentá-las, pedimos aos participantes que expusessem livremente seus argumentos para julgar as atitudes dos alunos e professores nas situações padrão, possibilitando a expressão espontânea de seu raciocínio com a intenção de investigar a presença do juízo moral.

La Taille (2009), no texto Crise moral? Juízo e ação morais de crianças e jovens do

Brasil afirma que, desde o começo do século XX, vários pesquisadores se dedicaram a

identificar quais seriam os mecanismos psíquicos envolvidos na legitimação das regras e princípios morais. Alguns deles utilizaram construções teóricas referentes à moralidade e teorias indiretamente relacionadas a essa temática, mas ambos enfrentaram o impedimento prático que é observar diretamente as ações morais, pois não há como saber se uma ação teve como motivo o agir “por dever” (dever moral) ou o agir “segundo o dever” (a espera de algo em troca, por exemplo). No entanto, segundo La Taille (2009), ao investigar os critérios que a pessoa “emprega para legitimar a sua ação ou a ação de outrem, podemos ter acesso ao seu

juízo moral.” (p.102). Portanto, optamos por analisar as respostas dos jovens sob o ponto de vista da dimensão racional da moralidade, sem deixar de levar em conta o campo da afetividade, explorando questões relativas às motivações que os alunos, nas situações padrão, teriam para agir moralmente. Para isso, as utilizamos de maneira semelhante às entrevistas inquérito sugeridas por La Taille.

Nas entrevistas inquérito o pesquisador apresenta ao participante um fato bruto (descrição de uma atitude), relacionado à temática moral investigada, para que este formule perguntas ao entrevistador, a fim de estabelecer um julgamento da situação apresentada. O entrevistador deve responder às questões apenas com um “sim”, “não” ou “não sei”, de acordo com histórias previamente criadas, estimulando a elaboração de perguntas do participante. A entrevista inquérito se diferencia das clássicas entrevistas clínicas, feitas a partir de dilemas morais, pois permite ao participante expressar espontaneamente seus argumentos, revelando os elementos que utiliza para estabelecer seu julgamento, ao passo que a entrevista com dilemas morais apresenta de antemão os elementos a serem observados e apreciados pelo sujeito para emitir seus julgamentos. A intenção de acessar os argumentos morais dos participantes está presente nos dois tipos de entrevistas, assim como, muitas vezes, de relacionar estes argumentos aos estágios do desenvolvimento moral. Mas a escolha pelas situações padrão como método de pesquisa se diferencia da entrevista clínica por permitir o acesso mais amplo aos elementos ou hipóteses, morais ou não, que o participante utiliza para julgar as situações, pois não estão determinados previamente. Sendo assim, nesta pesquisa, foram apresentadas sete situações padrão, envolvendo questões de obediência e transgressão, iniciando-se com uma apresentação do instrumento, utilizando linguagem coloquial e apropriada à idade, a fim de garantir o entendimento da proposta, como se segue:

Esta é uma entrevista que se parece com um jogo. Vou te apresentar algumas situações - coisas que acontecem com os alunos nas escolas - e você deve imaginar o motivo para os alunos se comportarem daquela maneira. Para te ajudar a decidir, você pode fazer perguntas sobre a situação. Mas eu só posso responder “sim”, “não” e “não sei”. Quando você chegar a uma conclusão, me diga se você acha que o aluno, ou a aluna, agiu de maneira certa ou errada e explique porque você pensou assim.

As situações padrão foram construídas de forma a poder ser utilizadas em duas versões, tanto com personagens femininas como masculinas. Elas foram apresentadas, inicialmente, utilizando uma versão adequada ao sexo do participante. Mas, durante as entrevistas, os jovens, espontaneamente, se remetiam as personagens ora do sexo feminino ora do masculino, independentemente da maneira como a entrevista foi iniciada; o que foi

permitido por nós, de forma a não interferir no discurso do participante. Eis as situações apresentadas:

Situação 1 - Uma aluna/aluno não faz perguntas durante a aula.

Situação 2 – Uma aluna/aluno faz uma coisa, mesmo sem concordar com isso. Situação 3 - Uma aluna/aluno conversa durante a aula ou durante o trabalho. Situação 4 - Uma aluna/aluno revida a atitude ou “responde” a uma

professora/professor.

Situação 5 - Uma aluna/aluno divide (compartilha) a nota de um trabalho com

uma/um colega que não fez o trabalho.

Situação 6 - Uma aluna/aluno se nega a fazer uma tarefa.

Situação 7 - Uma aluna/aluno aceita receber um ponto negativo em sua nota por

causa do “barulho” que o grupo fez, mesmo sem ter feito isso.

Após terem realizado a atividade com as situações padrão, foi apresentado o questionário e pedido aos participantes que respondessem as perguntas sobre ambiente escolar e relação com os colegas e professores. Foram então apresentadas as seguintes perguntas:

1. Algumas alunas/alunos obedecem mais a uma professora/professor do que a

outra/outro. Por que você acha que isso acontece?

2. Por que algumas pessoas não respeitam regras ou ordens?

3. Como você acha que se sente uma pessoa que não respeita as regras ou ordens?

4. Como seria uma aula ideal?

As entrevistas foram realizadas em locais designados pelas escolas, de comum acordo com a pesquisadora, conforme as possibilidades de espaço de cada instituição, levando em conta as necessidades de realização e os objetos da pesquisa, de forma a não comprometer o andamento da rotina escolar. As observações foram registradas e as entrevistas gravadas e depois transcritas, pela própria pesquisadora. Os dados, tanto os obtidos por meio da observação como das entrevistas, foram arquivados de forma segura em arquivo pessoal. Todos os dados foram utilizados exclusivamente para fins de pesquisa, assim como foi assegurado que as informações publicadas, obtidas através dos registros de observação e das gravações, não comprometessem o anonimato das escolas e de seus alunos.