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3 Organização do trabalho

1.2 A Teoria da Estruturação: conceitos e princípios básicos 38

1.2.2 A agência e os atores sociais 47

Ao discutir a estrutura e sua dualidade, tema central da TE, Giddens enfatiza a importância da agência e dos atores sociais na produção e reprodução das práticas. No entanto, discutir a agência e os atores pressupõe a apresentação e a discussão de alguns conceitos subjacentes aos dois principais, quais sejam: poder, consciência prática e consciência discursiva. Nos parágrafos que seguem, todos esses conceitos são apresentados, relacionados uns aos outros e discutidos.

Giddens (2003: 10) define agência como a capacidade dos atores sociais de realizarem certas atividades primeiro que outros. Nesse sentido, a agência está intimamente ligada ao que chamarei de poder-saber-poder. Poder-saber, conforme

Foucault (1996, 1997), é a capacidade-conhecimento: é a capacidade de realizar a atividade que advém do conhecimento sobre a própria atividade. A mesma noção está presente em Giddens, na relação do poder com as consciências prática e discursiva, que discutirei mais tarde. Considero, no entanto, que, além de poder-saber, os atores sabem que podem, ou conhecem seu poder, também na mesma relação com as consciências prática e discursiva apresentadas anteriormente. E isso me parece claro quando Giddens (2003:10-11) afirma que a agência

diz respeito a eventos dos quais o indivíduo é o perpetrador, no sentido de que ele poderia [grifo meu], em qualquer fase de uma dada seqüência de conduta, ter atuado de modo diferente. O que quer que tenha acontecido não o teria se esse indivíduo não tivesse interferido.

Se ele poderia ter agido diferentemente, e se essa ação tem resultados diversos conforme a motivação do agente, então ele sabe/conhece seu poder. E aqui cabe entender que, para Giddens (2003:18), o poder tem duas faces, que são “a capacidade de atores de colocar em vigor decisões que preferem” e a capacidade das instituições de mobilizar tendências. De forma clara a primeira face diz respeito às escolhas dos atores associadas à coerção e à facilitação. A segunda face está associada também à coerção, mas também às estruturas de legitimação e dominação.

O saber que o ator social possui sobre o que faz, como faz enquanto faz, advém de sua capacidade reflexiva, envolvida no fluxo cotidiano e operando parcialmente no nível discursivo. Essa capacidade reflexiva, ou reflexividade, segundo Giddens (2003: XXV), está contida naquilo que ele chama de consciência prática. E há, segundo o autor (2003: 50-1), pelo menos três conceitos, que em muito se complementam, para o termo consciência. O primeiro sentido diz respeito à percepção do ator, obtida através dos mecanismos sensoriais do corpo e ao funcionamento desses mecanismos, tido como “normal”. Esse conceito de consciência está associado aos dois tipos de consciência abordados por Giddens. O segundo conceito refere-se à capacidade do ator de refletir sobre sua conduta. E o terceiro e último conceito diz respeito às condições do ator de relatar coerentemente suas atividades e seus motivos.

Adiciono a esses três conceitos um quarto, desenvolvido a partir daquela noção proposta do poder-saber-poder, que diz respeito à capacidade do ator de

agregar os mecanismos sensoriais, a reflexão sobre a conduta e o discurso como recursos e estruturas de dominação, aplicados sobre outros atores. É a noção de consciência que vai do saber em direção ao poder.

Esses quatro conceitos de consciência estão inseridos, em maior ou menor proporção, nos dois tipos de consciência. A consciência prática é a que diz respeito às ações reais; é “o que os atores sabem (crêem) acerca das condições sociais, incluindo especialmente as de sua própria ação, mas não podem expressar discursivamente” (GIDDENS, 2003: 440). Já a consciência discursiva está relacionada à capacidade do ator de falar sobre suas ações/atividades, de expressar pela palavra as recordações das e as reflexões sobre as suas ações. É, nas palavras de Giddens (2003:440), “(o) que os atores são capazes de dizer, ou expressar verbalmente, acerca das condições sociais, incluindo especialmente as condições de sua própria ação; consciência que tem uma forma discursiva”.

Os limites que separam as consciências prática e discursiva, segundo Giddens (2003: 5), são permeáveis e flutuantes, e o uso a linguagem pode ser um bom exemplo dessa maleabilidade e flutuação. Há práticas sociais que exigem o uso da linguagem como uma espécie de recurso alocativo, um instrumento para que a própria ação ocorra, como em uma palestra, por exemplo. Nesse caso, a linguagem está associada à consciência prática, porque ela permite que o ator aja, prossiga na realização da atividade. Embora essa atividade esteja sendo verbalizada, essa verbalização não é sobre recordações ou reflexões acerca da atividade, mas sobre a ação em si mesma. Por outro lado, se o ator é convidado a “narrar” sua atividade, falar sobre ela, como ela acontece, qual a sua finalidade, então a linguagem está sendo associada à consciência discursiva, e seu status passa de instrumento de ação para código de significação.

A associação das consciências prática e discursiva leva à cognoscitividade do ator, que diz respeito a todas as crenças sobre “as circunstâncias de sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa ação incluindo tanto o conhecimento tácito quanto o discursivamente disponível” (GIDDENS, 2003: 440). Ser um ator capaz é ser um ator cognoscitivo, e ser um ator capaz é condição para a existência da agência. E é a agência que permite a produção e a reprodução das práticas sociais. A produção e reprodução das práticas servem à criação de contextos de cultura que dão sustentabilidade às próprias práticas, mantendo vivo o ciclo social.

Após ter apresentado os aspectos da TE que se relacionam com esta tese, passo a descrever o contexto de cultura que dá sustentabilidade a duas práticas sociais distintas pela natureza da agência, mas semelhantes pela consciência discursiva. As práticas são, também, descritas e analisadas à luz da TE, levando-se em consideração os conceitos anteriormente apresentados.