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A luta por memória e verdade promovida pelo Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça, por causa de sua origem, tem fortes características críticas aos sistemas político e econômico vigentes.

57 Informações retiradas das Atas de reuniões realizadas pelo Coletivo Catarinense MVJ

Muitos participantes do Coletivo se identificam com posições políticas mais críticas em relação ao ordenamento sociopolítico liberal, o que torna a luta por memória, verdade e justiça, algo que vai além da discussão sobre as medidas corretivas relacionadas às graves violações de direitos humanos que ocorreram no passado ditatorial. Trata também do tempo presente, da permanência da prática da tortura nas estruturas carcerárias brasileiras. De acordo com a avaliação de Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch (HRW)58, “a permanência da tortura é um dos pontos mais sensíveis na proteção de direitos humanos no Brasil. Em pelo menos 64 casos de tortura analisados por nós entre 2010 e 2014 em cinco estados (PR, SP, ES, BA e RJ), mais de 150 agentes públicos, policiais civis, militares, agentes penitenciários e socioeducativos, foram identificados” (O GLOBO, 2015).59 De acordo com os dados divulgados pelo relatório da HRW sobre os índices de tortura no Brasil, as denúncias recebidas pela instituição foram enviadas de todo o território brasileiro, sendo que 84% delas referem-se a incidentes em que o detido já estava sob custódia do Estado. Esses dados comprovam que a tortura ainda é um problema crônico no Brasil, sendo utilizada frequentemente pelas forças de segurança no interior dos centros de detenção do país.

Para o Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT) das Nações Unidas, a tortura é uma prática amplamente disseminada no Brasil, atrelada a uma cultura de impunidade, mantida pelas estruturas jurídicas do país, que ainda resistem em punir os agentes de Estado que cometeram crimes contra a humanidade.

Diante desse quadro de violência e impunidade, o Coletivo Catarinense MVJ definiu sua agenda política, pontuando as seguintes questões60:

 que o Estado brasileiro reconheça e amplie os direitos a favor daqueles que sofreram perseguição e violência por razões

58 A Human Rights Watch é uma organização não governamental internacional que

realiza pesquisas sobre direitos humanos e age por meio da criação de relatórios sobre violações à carta dos direitos do homem, bem como a outras normas relativas a direitos humanos a nível internacional. Com o objetivo de chamar a atenção da comunidade global para abusos existentes e criar pressão sobre os governos, estes relatórios resultam em cobertura nos meios de comunicação locais e internacionais.

59 Disponível em <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/01/ong-diz-que-tortura-por-

parte-de-agentes-publicos-permanece-no-brasil.html>. Acesso em: 02/01/2016.

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políticas durante a ditadura civil-militar, promovendo políticas de reparação moral, de recuperação da memória pessoal e familiar, com fins de fomentar uma maior solidariedade entre as gerações em torno de princípios e valores constitucionais;  que as instituições públicas relacionadas à segurança pública

disseminem a cultura da paz e da não violência em suas instituições carcerárias;

 que as instituições públicas, no marco de suas competências, facilitem aos descendentes diretos das vítimas acesso a dados, documentos e informações relacionados à localização e identificação das pessoas desaparecidas violentamente durante o período de 1946 a 1988;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense criem políticas públicas que promovam a memória, a verdade e a justiça, tendo em conta a necessidade de atuar no campo da educação;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense desenvolvam e implementem medidas e ações positivas naquilo que se refere aos acordos nacionais e internacionais firmados em relação à garantia dos direitos à memória e à verdade;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense promovam estudos e pesquisas que forneçam subsídios e informações para a continuidade das investigações realizadas pela CNV e demais comissões regionais;

 que o Estado brasileiro tome medidas legais para a retirada de monumentos, símbolos, placas, nomes de ruas, escolas, praças e logradouros ou qualquer outro objeto que faça menção, que comemore ou exalte os governos militares, a repressão e a ditadura;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense reconheçam o trabalho das associações, fundações, organizações e movimentos sociais que se destacam na luta em defesa dos direitos humanos e da dignidade das vítimas da violência política;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense desenvolvam políticas públicas voltadas ao cumprimento das recomendações da CNV;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense criem marcos voltados à preservação da memória, como monumentos, placas e ritos que lembrem as graves violações de direitos humanos que ocorreram durante o período entre 1946 e 1988;

 que o Estado brasileiro e o governo catarinense criem Centros de Memória Histórica e de Arquivos Gerais relativos ao período entre 1946 e 1988, com as seguintes funções:

 manter e desenvolver um arquivo geral da ditadura civil-militar que reúna todos os arquivos, documentos originais ou cópias fidedignas dos mesmos;

 digitalizar todos os documentos recolhidos e disponibilizar à sociedade em geral;

 abrigar a compilação de todos os testemunhos e depoimentos orais relevantes, vinculados ao período de 1946 a 1988;

 recuperar, reunir, organizar e disponibilizar aos interessados as fontes documentais e secundárias que possam auxiliar o estudo e as pesquisas sobre a ditadura civil-militar;

 fomentar a investigação histórica e sociológica sobre os períodos de repressão política , o processo de transição política, Justiça de Transição e demais temas correlatos;

 impulsionar a difusão dos objetivos dos Centros de Memória com vistas a estimular a participação da sociedade e de suas organizações políticas e sociais. Como podemos constatar, a agenda política do Coletivo é complexa e depende, em grande parte, do compromisso político do Estado brasileiro e do governo catarinense em assumir a brevidade de reformular os instrumentos jurídicos que orientam o país, bem como pôr em prática políticas de defesa dos direitos à memória e à verdade. Com efeito, só assim será possível implementar medidas efetivas e concretas de combate à violência política ainda praticada por agentes das forças de segurança do país.

Considerando todos os aspectos destacados em relação à agenda de metas, o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça promoveu uma série de atividades de 2012 a 2015, como será possível observar a seguir.

3.3. O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES DO COLETIVO