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Os repertórios de ação do movimento MVJ são variados e as ações decorrem de um somatório de experiências e de um acúmulo de forças ao longo da história recente que se traduz nas conquistas do movimento e no respaldo público para a pauta.

As principais ações do movimento político MVJ durante a ditadura civil-militar foram as denúncias públicas das torturas e dos crimes contra a humanidade que ocorriam nos porões da ditadura; os sequestros de políticos de destaque internacional organizados por grupos de esquerda, como forma de exigir, por meio da troca, a libertação de presos políticos; as denúncias dos crimes contra a humanidade aos organismos internacionais; e as publicações de revistas e jornais cujo conteúdo criticava o governo militar e suas medidas repressivas.

Durante o período de transição, as ações do movimento por memória e verdade dividiram-se entre as greves de fome de presos políticos em apoio à aprovação da Lei da Anistia ampla, geral e irrestrita, e os diversos protestos, manifestações e mobilizações em prol das liberdades democráticas, em especial dos direitos civis e políticos.

Mais recentemente, o movimento por memória e verdade tem investido em ações no âmbito cultural, com a publicação de obras, filmes, documentários, peças teatrais e seminários acadêmicos que discutem as graves violações de direitos humanos cometidas contra os opositores políticos do regime militar.

Alguns exemplos de livros escritos por ex-presos políticos, de biografias, autobiografias, memórias e relatos são: No Corpo e na Alma (2002), de Derlei Catarina de Luca, que narra a trajetória política da autora durante a ditadura civil-militar, suas experiências na clandestinidade, nas prisões e no exílio em Cuba; Tirando o Capuz (2004), de Álvaro Caldas, que foi publicado ainda na ditadura, em 1981, sendo a primeira denúncia escrita por um preso político brasileiro sobre

as torturas sofridas no DOI-CODI; A Grande Partida: Anos de Chumbo (2010), de Francisco Soriano; 68, a Geração que queria mudar o Mundo: relatos (2011), organizado por Eliete Ferrer; Marighella (2012), de Mário Magalhães, que narra a trajetória política de Marighella e a história da guerrilha armada no Brasil; Alma em Fogo (2013), de Aldo Arantes; Gracias a la Vida (2013), de Cid Benjamin; Meu Querido Paulo (2014), de Marlene Soccas, que conta um pouco da vida do deputado estadual catarinense Paulo Stuart Wright, que foi preso durante o regime militar e jamais encontrado. Exemplos de livros publicados por familiares com relatos sobre a busca de um desaparecido são: Honestino – O bom da Amizade é a não cobrança (2004), de Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino; K. (2011), de Bernardo Kucinski, escrita quarenta anos depois do acontecido, a obra narra a história de um pai idoso em busca de sua filha desparecida durante a ditadura civil-militar no Brasil; e Onde está meu filho? (2011), de Chico Assis, que traz a história de Elzita Santa Cruz, na busca por informações sobre seu filho Fernando Augusto de Santa Cruz, que desapareceu em 1974.

Além dessas obras, há também os livros-reportagem como Dos Filhos deste Solo (2002), de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, uma das mais importantes referências para os estudos historiográficos sobre ditadura; Onde foi que vocês enterraram nossos mortos? (2005), de Aluízio Palmar, que traz os resultados de 26 anos de investigações jornalísticas sobre os últimos passos do grupo guerrilheiro liderado por Onofre Pinto que estava na Argentina e desapareceu ao ingressar no Brasil39; Sem Vestígios (2008), de Taís Morais, que apresenta revelações de um militar e ex-agente secreto da ditadura sobre as ações de combate aos grupos de esquerda, as prisões, torturas e assassinatos praticados por agentes do Estado; e Vala Clandestina de Perus (2012), publicado pelo Instituto Macuco, de São Paulo, o qual apresenta uma série de artigos redigidos por diversos autores relacionados à luta pela memória e verdade no Brasil.

Além da publicação de livros, o movimento por memória e

39 “Durante 26 anos procurei saber o que havia acontecido com o grupo de Onofre Pinto

que desapareceu em 12 de junho de 1974 após ter entrado no Brasil [...] Buscar Onofre, Lavéchia, Joel, Daniel Víctor e Enrique, meus amigos, meus companheiros, virou uma espécie de obsessão da minha parte. Às vezes acho que essa ideia fixa era movida pela curiosidade de saber como teria sido minha morte caso eu tivesse aceitado o convite do ex-sargento do Exército Alberi Vieira dos Santos para me integrar àquele grupo. Somado a isso, está o remorso por não ter avisado os companheiros sobre o meu pressentimento de que eles estavam sendo levados para uma emboscada” (Trecho da entrevista realizada com Aluízio Palmar).

verdade também apoia as produções cinematográficas que tratam de temas relacionados à ditadura civil-militar, como, por exemplo, a película Que bom te ver viva, de Arielle Rosa Rodrigues e Mariana Cristina Silva, que traz as memórias de mulheres ex-militantes da esquerda revolucionária brasileira, sobreviventes da tortura física e psicológica sofridas nas prisões da ditadura, entre as décadas de 1960 e 1970; e o documentário História Recontada: professor Marcos Cardoso e a ditadura na Escola Técnica de SC (2014), produzido pela IFSCTV, que conta a história do professor de Eletrotécnica da Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC) Marcos Cardoso, preso durante a Operação Barriga Verde, condenado a três anos de prisão e demitido de seu cargo na ETFSC.

No âmbito educacional, a RBMVJ costuma desenvolver ações em parceria com universidades públicas e privadas e demais instituições de ensino, para a realização de seminários, palestras, mesas-redondas, exibição de filmes e exposição de documentos, banners e imagens da repressão militar.

Em termos de estratégias e ações políticas mais ofensivas e diretas da RBMVJ, destacam-se o Movimento Ocupa DOPS, no Rio de Janeiro, no qual diferentes organizações em defesa dos direitos humanos realizam ocupações culturais nas imediações do antigo Departamento de Ordem Política e Social, com o objetivo de expor o abandono a que a Polícia Civil relegou o edifício de mais de seis mil metros quadrados e lembrar a população brasileira da necessidade de criação de um centro de memória da resistência à ditadura. Em junho de 2014, o manifesto Ocupar a Memória para Não Esquecer a Nossa História recebeu apoio de mais de 50 organizações governamentais e não governamentais relacionadas à defesa dos direitos humanos no país.

Ainda como exemplo de ação política informal40, destacam-se os escrachos e as manifestações de renomeações autônomas do patrimônio público.

Os primeiros escrachos da Rede MVJ foram articulados pelo Levante Popular da Juventude, que trouxe para o Brasil uma experiência de ação política organizada pelos movimentos por memória, verdade e justiça argentinos e chilenos, chamado “Escrache”. Os “escraches” são

40 A concepção de “justiça de transição desde baixo” parte do reconhecimento da

relevância de ações informais, levadas a cabo pela inação do Estado, por sua insuficiência, ou para colocar uma questão na pauta. O Ocupa DOPS, listado como ação de organização MVJ, também pode ser entendido como ação informal, a exemplo dos escrachos ou renomeações autônomas.

ações em que um indivíduo acusado de violar direitos humanos recebe uma visita em que é exposto à Execração pública, no qual os organizadores reivindicam, inclusive, expor aos vizinhos que “um torturador pode morar ao seu lado e você não saber”. Nessa concepção, não havendo a punição, ou mesmo existindo, a sociedade estaria demonstrando seu repúdio aos crimes contra a humanidade cometidos por essas pessoas.

No caso específico do Brasil, os Escrachos se configuram como ações políticas diretas que visam expor os dilemas de um passado marcado pela violência de Estado e a incapacidade das instituições do Estado em corresponderem às exigências éticas de uma sociedade que reivindica o cumprimento dos direitos humanos e a punição dos crimes contra humanidade.

Pois bem, em março de 2014, militantes do Levante Popular da Juventude, representantes da RBMVJ e de outros movimentos sociais realizaram uma série de escrachos no país, com o objetivo de lembrar a população brasileira dos 50 anos do golpe civil-militar e das graves violações de direitos humanos cometidas contra os opositores do regime.

Um dos escrachos mais marcantes, organizado pelo Levante da Juventude do Distrito Federal em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e as organizações da RBMVJ da região, ocorreu em Brasília, em frente à casa do coronel Alberto Brilhante Ustra, no dia 31 de março de 2014. A intenção do ato foi de evidenciar que o já falecido coronel Ustra praticou crimes de tortura e de lesa-humanidade durante os anos de chumbo e cobrar das instituições públicas a responsabilização dos agentes de Estado por esses crimes.

Além dos escrachos, a RBMVJ também promove intervenções urbanas, de renomeação de praças públicas, logradouros públicos e escolas batizadas com nomes de ditadores ou agentes da repressão. Em 2012, a ponte Costa e Silva, localizada em Brasília, foi renomeada como Bezerra da Silva pelo Coletivo de Arte Urbana Transverso41 e também como Honestino Guimarães pelo Levante Popular da Juventude42.

Por fim, não podem ser esquecidas as iniciativas organizadas e formalmente voltadas para difusão de informações relacionadas à

41 Disponível em: <http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/grupo-de-arte-urbana-

muda-nome-da-ponte-costa-e-silva-para-bezerra-da-silva20120712.html>. Acesso em: 25/01/2016.

42 Disponível em: http://www.levante.org.br/brasilia-jovens-renomeiam-ponte-costa-e-

ditadura. Dentre as iniciativas, destacam-se: o projeto “Ditadura Pública”, da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, que disponibiliza 47 matérias sobre a ditadura e a repressão em seu site43; o projeto de digitalização de acervos de organizações de direitos humanos, sobretudo dos esquecidos da transição como o caso dos indígenas, do Armazém Memória44; e o site Documentos Revelados45, mantido pelo jornalista e ex-preso político Aluizio Palmar, que disponibiliza documentos públicos e privados sobre vários casos ainda investigados pela justiça brasileira.

2.6 PENSANDO SOBRE POLÍTICA DE MEMÓRIA HISTÓRICA: A