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O NASCIMENTO DO COLETIVO CATARINENSE MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA: TRAJETÓRIA E EXPERIÊNCIAS

O Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça nasceu da reunião de ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos políticos, pesquisadores do Memorial dos Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)56 e da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), ativistas de direitos humanos, representantes do Sindicato dos Bancários de Santa Catarina, profissionais liberais e assessores políticos da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), tendo como objetivo apoiar as investigações promovidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), a qual foi criada pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011.

As primeiras reuniões do Coletivo Catarinense MVJ foram realizadas no Sindicato dos Bancários de Santa Catarina, no centro da cidade de Florianópolis, que apoiou o grupo, cedendo espaço físico adequado para o desenvolvimento das atividades promovidas pelo movimento.

56 O Memorial dos Direitos Humanos (MDH) é um Grupo de pesquisa, certificado pelo

CNPq, instituído em 2006 pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sediado no Departamento de Sociologia e Ciência Política, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) e em funcionamento no Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO). O MDH congrega professores, pesquisadores, alunos, alunas de graduação e pós-graduação e a comunidade interessada em desenvolver pesquisas e estudos sobre a documentação e às atividades dos movimentos políticos relacionados à preservação dos direitos à memória e verdade, que tomasse por base o Brasil dos anos 1960 até a contemporaneidade. As pesquisas desenvolvidas pelo Grupo abrangem diferentes perspectivas das Ciências Sociais, sendo o objeto delimitado tomando como centro das atenções os acontecimentos delineados nos campos políticos, socioculturais, trabalhistas, educacionais e estudantis. Um dos principais objetivos específicos do Grupo é construir e gerenciar um acervo de documentos escritos, audiovisuais e eletrônicos produzidos no e sobre o período em referência. Esse acervo reúne entrevistas, depoimentos e testemunhos, bem como livros, publicações periódicas, filmes, documentários, fotografias, cartazes e reproduções de produção artística e literária.

O lançamento oficial do Coletivo Catarinense MVJ ocorreu em meados de 2012, durante uma reunião que contou com a participação de ex-presos políticos, familiares de mortos e presos políticos, parlamentares, professores, estudantes, ativistas de direitos humanos e dirigentes sindicais no Sindicato dos Bancários de Florianópolis para discutir o estatuto da organização e definir estratégias e ações para o alcance dos resultados esperados pelo grupo. Dentre as ações prioritárias discutidas pelo Coletivo Catarinense MVJ, a disputa pela nomeação de uma Rodovia Estadual que liga os municípios de Penha e Piçarras foi a mais debatida entre os participantes. Segundo a exposição da coordenadora do Coletivo MVJ em exercício na época, Derlei Catarina de Luca, havia uma disputa política entre partidos pela nomeação de um dos trechos da Rodovia SC-414, localizada no norte do Estado. De um lado, a deputada Angela Albino, do PCdoB, responsável pelo encaminhamento da Lei 15.450/2011 que nomeou a Rodovia SC-414 de Paulo Stuart Wright, em homenagem ao ex-deputado e desaparecido político durante a ditadura, e, de outro lado, o deputado estadual Gilmar Knaesel (PSDB), que encaminhou outro projeto de lei, contestando a Lei 15.450/2011 e propondo uma nova troca de nomes.

Diante desse impasse, o Coletivo Catarinense MVJ criou um pequeno comitê interno encarregado de iniciar uma campanha dentro da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), juntamente aos deputados e deputadas estaduais, para a permanência da nomeação da rodovia em homenagem prestada a Paulo Stuart Wright. Após seis meses de campanha, o governador do estado de Santa Catarina, Raimundo Colombo, decidiu pelo veto à lei proposta por Knaesel e manteve a homenagem a Paulo Stuart Wright.

Além dessa ação mais específica, o Coletivo também traçou um plano de ação voltado à realização de atividades de garantia da verdade histórica, de respeito à memória da resistência e de cobrança de justiça por parte dos setores públicos responsáveis pela apuração dos crimes políticos ocorridos durante a ditadura civil-militar.

A partir da definição dessas diretrizes, o Coletivo Catarinense MVJ passou a promover uma série de eventos voltados ao fortalecimento do movimento político de preservação da memória histórica no estado de Santa Catarina. Dentre as ações mais relevantes, destacam-se: a participação do Grupo na Marcha dos Catarinenses; o lançamento dos livros 68 – a geração que queria mudar o mundo, organizado Eliete Ferrer, e As lembranças não morrem, de Louise Benassi, que reuniu mais de 70 pessoas no auditório da ALESC; a organização da exibição da peça teatral Filha da Anistia, que contou

com um público superior a 200 pessoas; e a realização de palestras educativas sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas durante o período da repressão ditatorial no país em escolas de ensino médio e universidades públicas e privadas do estado.

A partir da realização desses eventos, o Coletivo Catarinense MVJ mobilizou muitas pessoas que ainda estavam alheias ou mesmo curiosas em relação ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade e percebeu o quanto é urgente provocar a reflexão de forma plural e coletiva, tendo em vista o processo de esquecimento a qual a sociedade brasileira foi submetida especialmente após a redemocratização.

Assim como o Coletivo Catarinense MVJ, surgiram outros grupos em diversas cidades do país com o intuito de acompanhar e apoiar os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade, de forma a garantir sua plena autonomia em relação às investigações das graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

O Coletivo Catarinense MVJ foi o segundo movimento político a surgir em Santa Catarina, já que existia um outro grupo formado no Estado: o Comitê Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos de Blumenau.

Após o lançamento do Coletivo Catarinense MVJ, também surgiram outras organizações similares, como: o Coletivo Memória, Verdade e Justiça – João Batista Rita, localizado na cidade de Criciúma, no sul do estado; a Comissão da Verdade dos Jornalistas de Santa Catarina, sediada em Florianópolis; a Comissão da Verdade da OAB/SC, também localizada em Florianópolis; a Comissão da Verdade de Santa Catarina – Paulo Stuart Wright, sediada na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina; as Comissões Municipais da Verdade de Florianópolis e Joinville; e a Comissão da Memória e Verdade da Universidade Federal de Santa Catarina.

Atualmente, os Coletivos, Comitês e Comissões locais e regionais, formados espontaneamente pela sociedade civil e instituições ligadas aos governos estaduais, têm ampliado consideravelmente as atividades para que as memórias das vítimas e de familiares de mortos e desaparecidos políticos sejam reconhecidas como legítimas no que diz respeito à resistência durante o período ditatorial. Apesar da dissolução da Comissão Nacional da Verdade após a entrega do Relatório Final, em dezembro de 2014, o momento atual ainda se mostra profícuo em relação ao crescimento dos movimentos pela memória e verdade no país. Esta mobilização, que não se limita apenas ao grupo formado por ex-presos políticos e familiares dos atingidos, mas também conta com a participação de grupos de iniciativa popular de defesa dos direitos

humanos, certamente é reflexo dos avanços das investigações realizadas pela CNV e demais Comissões, bem como da sociabilização dos anistiados políticos que passaram a ser reconhecidos como referências em termos de defesa da democracia constitucional, através dos projetos de cunho educativo promovidos pela Comissão da Anistia, como veremos no Capítulo 5.

Assim, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de uma cultura que valorize o direito à verdade e à memória da resistência no estado de Santa Catarina, o Coletivo Catarinense MVJ entende que é imperioso realizar atividades que permitam:57

 dar continuidade ao levantamento de dados e coleta de depoimentos e testemunhos;

 organizar e encaminhar processos de reparação moral e econômica a Comissão da Anistia;

 dar seguimento e fazer pressão para que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade de colocar em prática as recomendações feitas pela CNV;

 propor ao Estado e aos municípios catarinenses a implementação de políticas de memória histórica;

 realizar ações pedagógicas de valorização e preservação da memória histórica de maneira a promover o conhecimento e a reflexão sobre os fatos que ocorreram durante os anos de terror;  estimular a formação de novas organizações voltadas à luta pela

memória e verdade no estado de Santa Catarina;

 apoiar e organizar as ações coletivas tal como definidas pela Rede Brasil MVJ;

 publicizar em meio digital informações, documentos e demais materiais coletados pelo Coletivo Catarinense MVJ.

A partir da definição dessas prioridades, o Coletivo Catarinense MVJ compôs sua agenda e determinou seu desenvolvimento, com segue abaixo.