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Os agentes penitenciários do Presídio Estadual de Parnamirim/PEP: descrição geral do trabalho

3. SISTEMAS JURÍDICO-PENAIS CONTEMPORÂNEOS

4.2 Os agentes penitenciários do Presídio Estadual de Parnamirim/PEP: descrição geral do trabalho

No Presídio Estadual de Parnamirim, a rotina do AP sofre pequenas alterações a depender do dia da semana. Em geral, o trabalho segue a seguinte ordem: chegada no presídio (entre 7:30 e 8:00hs); coordenar a distribuição do almoço dos presos (entre 10:00 e 11:00hs); almoço dos AP (entre 11:30 e 14:00hs); coordenar a distribuição da janta (15:00hs); e fechamento das celas, encerrando o banho de sol (15:30hs). Após o pernoite, a equipe que está de plantão deve organizar a distribuição do café da manhã (por volta das 6:00), abrindo pavilhões e celas para os presos que trabalham na cozinha. Após isso, aguarda a chegada da próxima equipe (entre 7:30 e 8:00). Pela manhã e à tarde podem ocorrer também outras atividades em paralelo como a condução de algum preso do pavilhão até a sala da direção, consultório médico ou para consulta com advogados; ou mesmo para audiências, hospital ou outro lugar fora da unidade prisional. Em geral, esta última atividade é feita por um grupo específico de AP (GEP-Grupo de Escolta Penitenciária), que trabalha de forma volante, atendendo as unidades prisionais de todo o Rio Grande do Norte. Porém, com o pequeno efetivo do GEP, não raras são as vezes em que os próprios AP do PEP escoltam presos para realização de atividades diversas, fora da unidade prisional.

A partir das 16:00hs os AP já encerraram todas as suas atividades, momento em que o ritmo e a tensão diminuem, já que agora podem circular mais livremente pelo hall, pelos

alojamentos, dormir, etc. As alterações na rotina acima descrita acontecem apenas aos sábados e domingos (dia da “visita social”), e nas quartas feiras (dia da “visita íntima”), quando além das atividades listadas, os AP precisam coordenar a entrada das visitas, revista das mesmas e dos alimentos e pertences trazidos. Além disso, é possível que sejam realizadas revistas em todo o presídio (ou em celas específicas), em busca de drogas, celulares e outros artefatos proibidos. Tal procedimento ocorre de acordo com a necessidade, a partir do entendimento da direção da unidade prisional, ou da equipe de plantão naquele dia.

4.2.1 Primeiros passos: vivendo no panóptico

Conforme sinalizei anteriormente, um dos marcos do processo de pesquisa foi o momento em que vesti o uniforme de agente penitenciário. A entrega do uniforme de agente penitenciário, por um dos membros da equipe, foi um importante analisador desse processo de pesquisa. Por um lado, tal fato representa o desejo dos agentes penitenciários de mostrar suas rotinas, a dureza de seu trabalho, os efeitos danosos que o ambiente carcerário produz também neles. Geralmente deixados de lado por pesquisadores, abrir a brecha para a entrada de um pesquisador na equipe seria uma forma de serem, em certo sentido, protagonistas do processo, e não apenas os “vilões malvados” das nossas cadeias. Além disso, é como se eles dissessem que só é possível compreender seu trabalho, e o efeito disso em suas vidas, participando, fazendo de fato o que fazem, batendo cadeado. Desde minhas primeiras inserções nos presídios do Rio Grande do Norte tenho recebido esse tipo de convite: “traga sua malinha,

durma aqui com a gente!”. Ao mesmo tempo, sentia como se fosse um pedido de ajuda,

socorro, um grito desesperado a alguém que, pela primeira vez, estava disposto a escutá-los, estuda-los. A demanda, nesse momento, era por algum tipo de ação que pudesse melhorar a vida desses sujeitos, suas condições de trabalho, etc. Aliado a isso, a ideia de que alguém chagaria para compor a equipe, de “mais um” para trabalhar soava bem entre os agentes.

Em contrapartida, a encomenda por parte da SEJUC, ao autorizar a execução da pesquisa, era por algo que amenizasse a “crise” do sistema penitenciário. A fala dos gestores fazia menção aos inúmeros trabalhadores afastados, os casos de alcoolismo... Além das não raras greves disparadas por agentes penitenciários nos últimos anos. Sentia que, para eles, minha pesquisa poderia aliviar certas tensões institucionais (já que eles não estavam dispostos a discutir questões estruturais, que de fato promovessem algum tipo de mudança), colocar panos quentes em um contexto que é comumente tratado como “um barril de pólvora”. Ao escrever sobre isso é impossível não relacionar com determinados fatos acontecidos em Natal. Hoje pela manhã (13/03/2015), por volta das 7:15, ao fazer o trajeto em direção a universidade onde leciono, fui surpreendido com uma rua inteira bloqueada pela polícia, além de viaturas da SAMU, BOPE, etc. Segundo relato dos moradores (posteriormente confirmados), um agente penitenciário “com problemas psicológicos” (Sic) invadiu a casa da ex-mulher, tomando de refém seu enteado de 14 anos. Agora, aproximadamente 10:00, o caso já dura onze horas e o adolescente continua em cárcere privado. O psicólogo que quer pesquisar sobre o trabalho dos agentes parece ser uma boa pedida aos gestores.

Deixando um pouco de lado essas breves análises sobre o analisador “a entrega da camisa”, e sobre encomendas e demandas da pesquisa, volto minhas atenções para o início de minha jornada, no dia a dia desses trabalhadores. A partir do momento em que vesti aquela camisa preta e passei a circular com a equipe Alpha19, pelos corredores da penitenciária, tudo

mudou. Era como se eu pudesse enxergar a prisão a partir de um ponto de vista diferente. Radicalmente diferente. A primeira sensação/percepção desse processo foi a de que abandonei a posição de mero observador, elemento “neutro” no cenário bélico (que caracteriza a maioria das prisões brasileiras) e passei a ocupar a posição de “alvo”.

Enquanto circulava entre os agentes “à paisana”, sem o uniforme característico (camisa preta, com insígnias da SEJUC), minha posição era bem mais confortável. Com

exceção do incômodo de estar em um ambiente extremamente desagradável e insalubre, os momentos de observação e acompanhamento da rotina dos AP eram agradáveis, tudo era novo, e a oportunidade de fazer pesquisa ali dentro tornava esse momento especial. Mas a partir do momento que passei a andar de preto, misturado com os outros agentes, a sensação era outra. Caminhar pelos corredores que davam acesso aos pavilhões era algo extremamente estressante, difícil. Pelas frestas dos refeitórios, muitos detentos me observavam (ou pelo menos era essa a sensação que eu tinha): “Eles já perceberam que tem um novato no grupo, e

vão te observar o tempo todo. Seja firme!”.

Tentava aproveitar a arquitetura da prisão para fugir dos olhares, aproveitava as esquinas, os “pontos cegos”, mas me dei conta de que era muito mais fácil ser observado por eles do que observá-los. A maioria dos presos estava no refeitório, escuro, enquanto eu passava pelos corredores iluminados, era impossível não ser visto. Estranha arquitetura panóptica, fracassa no seu intento, produzindo guardas vigiados mais do que vigilantes. Mais tarde iria descobrir que essa observação não se restringia apenas ao ambiente prisional20.

Como andar, como me portar (sobretudo na relação cotidiana com os presos), passaram a ser minhas principais preocupações: “Tira a mão do bolso! Você é agente, não

preso...”, instruía-me um de meus colegas. Mais do que um repertório de procedimentos, era

fundamental um novo aprendizado, que incluía não apenas uma postura corporal, mas, sobretudo, uma determinada cultura, um conjunto de valores que atravessam o dia a dia dos agentes penitenciários.

Além disso, o convite para “vestir a camisa”, literalmente, permitiu um processo de fazer pesquisa inteiramente novo nesse contexto. A pesquisa ganha novos contornos, na medida em que meus interlocutores, sujeitos de pesquisa a serem entrevistados já não são os únicos (e talvez os principais) elementos do processo de pesquisa. As transformações que o trabalho como AP produziam em mim, o aprendizado desse novo ofício, a vivência do

pesquisador ganha destaque nesse percurso, permitindo que o corpo, os afetos e as sensações guiem todo o processo de pesquisa.