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Rio de Janeiro e Costa da Mina, séculos XVII e X

36 ahu, rJ, ca, cx 13, doc 2

da real fazenda: como os da alfândega e os das entradas de escravos para Minas, dentre outros.37

o movimento centrífugo, observado entre os almeida e os correia, seria ampliado ainda mais por outros enlaces matrimoniais. no ano de 1710, inácio de almeida Jordão levou para o altar teresa inácia de andrade. cinco anos depois, antônio teles barreto, juiz de órfãos da cidade e alia- do dos correia vasques, faria o mesmo com a irmã de teresa. com isso, inácio e antônio tornavam-se concunhados. como nos casos anteriores, esse casório acarretava uma série de vantagens para os almeida. o ofício de juiz de órfãos consistia em um dos mais importantes da república, pois sob sua alçada estava a arca dos órfãos e, em certas ocasiões, servia de caixa de empréstimos para os negócios da cidade.38 além disso, os teles barreto formavam uma tradicional família da nobreza da terra, vinda do seiscentos. ela, com os correia vasques, dominaram a cena política da cidade na segunda metade do século XVII. Enfim, entre 1707 e 1715, os almeida fortaleceram seus laços com a facção da nobreza da terra, che- fiada pelos Vasques e, através deles, com importantes casas aristocráticas do reino. por seu turno, através da trajetória daquela família, temos um belo exemplo das estratégias de negociantes da terra, para ampliar seus recursos hierárquicos. não é sem motivo que gomes freire viu em inácio um dos “principais” do rio de Janeiro.

esses acertos, entretanto, não eram apenas vantajosos para os almei- da Jordão. como vimos, por detrás dessa família existia uma fração da governança da terra que havia sido capaz de enfrentar os asseca e seus parentes reinóis. assim, para os correia, era também interessante aquela pacificação, pois representava a sua aproximação de um segmento da

37 ahu, rJ, ca., cx., 4 , doc. 668. consulta de pedro de souza pereira ao conselho ultramarino. 38 rheingantz, carlos, op. cit, vol. 1, p. 40, e vol. 3, p. 175. a arca consistia num cofre para o depósito e a proteção de parte das heranças de todos os órfãos da sociedade, portanto, guardava fração da riqueza social. isso permitia que servisse de base para empréstimos feitos sob a gerência do juiz de órfãos, fenômeno particularmente freqüente no seiscentos. cf. fragoso, João. a nobreza da república; notas sobre a formação da primeira elite senhorial do rio de Janeiro. Topoi – revista de história do programa de pós-graduação em história social da ufrJ. rio de Janeiro, ufrJ / 7 letras, 2000, #1, pp. 45-122.

nobreza fluminense, até então seu rival, algo indispensável em meio às novidades do Setecentos. Isso fica mais evidente quando lembramos de alguns fenômenos da época.

obviamente, os grandes homens de negócio, as autoridades régias e a aristocracia lusa pretendiam usufruir as benesses do rush do ouro, po- rém isso não estava franqueado a todos. antes de tudo, nem sempre os interesses desses segmentos reinóis convergiam. Podiam existir conflitos entre negociantes e oficiais vindos de Portugal, assim como os comercian- tes lisboetas, só para citar um grupo social, nem sempre agiam de comum acordo. eles possuíam suas rivalidades e, portanto, enfrentavam-se no mercado ou na política. algo semelhante deve ser dito em relação aos grandes de portugal.

afora isso, a cidade não consistia em “terra de ninguém”. nela existia uma sociedade, cuja hegemonia pertencia aos fidalgos dos trópicos.39 com- binando essa última informação com as tensões inevitavelmente existentes entre os reinóis, poder-se-á, mais facilmente, entender que a natureza dos contatos com os nobres da terra, ou com parte deles, poderia ser decisiva para o fracasso ou o sucesso de uma das redes reinóis, no acesso à “morada do ouro”. nunca é demais insistir que existiam diversas redes comerciais, os negociantes da terra e os grandes de portugal não agiam em bloco.

na verdade, caso se tome o mercado considerado como de antigo re- gime — em que a política dá o tom —, o bom desempenho de uma dada rede comercial ultramarina implicava alianças entre negociantes, oficiais régios e aristocracia. entretanto, não só esses ingredientes bastavam. uma rede, para ser vitoriosa, dependia, além das habilidades dos seus parceiros reinóis — dos cabedais de seus negociantes, do poder dos ministros cúm- plices ou da influência das primeiras Casas do Reino —, da amizade da nobreza e dos negociantes da terra, como, aliás, já sublinhamos.40

Além disso, os fidalgos conheciam outras manhas do mercado colonial. Vários nobres da terra ou seus aliados eram oficiais régios. Algo decisivo, por exemplo, quando desavenças mercantis paravam na justiça. um dos cor-

39 cf. fragoso, João. afogando em nomes. Topoi – revista de história do programa de pós-graduação em história social da ufrJ. rio de Janeiro, ufrJ / 7 letras, n.5, pp. 51-60. 40 o poder dos potentados e de suas clientelas aparecia nos currículos de alguns militares

respondentes de francisco pinheiro — grande negociante reinol na época — assim descrevia a magistratura local: “a justiça aqui é coisa de compadres”41. por conseguinte, acordos das redes ultramarinas com frações da nobreza da terra e seus aliados, como os Almeida Jordão, eram vitais. Por fim, os fi- dalgos fluminenses, desde o Seiscentos, tinham formado verdadeiras alianças parentais com seus pares de outras capitanias, artifício que lhes dava poder para além das freguesias em que residiam.42

por essas e outras razões, não se deve estranhar que as “melhores fa- mílias da terra” fossem, direta ou indiretamente, procuradas pelas autori- dades régias na américa, visto que poderiam contribuir para o poder do rei nos trópicos, fato que ficava patente quando tais famílias empregavam seus flecheiros índios e escravos armados contra incursões estrangeiras, ou para sufocar revoltas internas e/ou debelar quilombolas.43 algumas daquelas aproximações também renderam aos almeida Jordão relações de parentesco e amizade. Desde 1717, a sobrinha de inácio e João, helena da cruz pinta, era esposa do mestre-de-campo e ex-governador interino

lusos. ainda na década de 1740, os candidatos ao posto de mestre-de-campo da infantaria- paga — um dos mais altos da hierarquia militar — frisavam a façanha de, quando jovens, em 1712, terem prendido integrantes da nobre família tupiniquim dos amaral gurgel. tal evento deve ter marcado o imaginário bélico desses oficiais de carreira, pois aparecia lado a lado com batalhas na Europa e nos confins da América. Na década de 1710, o governador francisco da távora queixava-se a lisboa da impunidade de Manuel homem e francisco de oliveira leitão, homens principais da ilha grande, que haviam impedido, pela força, as sindicâncias dos soldados da coroa. em 1725, D. antônia Maria de lima exigia a prisão de Manuel freire alemão, integrante da nobreza da terra, por não querer pagar as dívidas con- traídas junto ao falecido marido dela. segundo D. antônia, freire alemão valia-se, para tanto, da sua condição de “homem poderoso”. esses casos falam por si mesmos. naqueles tempos, a nobreza continuava a ser vista enquanto tal pela população, isto é, como as melhores famílias da terra. cf. fragoso, João. afogando em nomes. Topoi – revista de história do programa de pós-graduação em história social da ufrJ, rio de Janeiro, ufrJ / 7 letras, n. 5, pp. 51-60; cf. _____. potentados coloniais e circuitos imperiais: notas sobre uma nobreza da terra, su- pracapitanias, no setecentos. rio de Janeiro: Departamento de história ufrJ (texto inédito). 41 carta de antônio pinheiro neto para francisco pinheiro, 21 de abril de 1716. Apud Do- novan, William Michael. Commercial Enterprise and Luso-Brazilian Society during the Brazilian Gold Rush: the mercantile House of Francisco Pinheiro and the Lisbon to Brazil Trade, 1695-1750. baltimore: Johns hopkins university, 1990. p. 254. (tese de phD., inédita)

do Rio Manuel de Almeida Castelo Branco, sendo a filha desse consórcio afilhada de batismo do Conde de Assumar, governador de Minas Gerais, entre 1717 e 1721.44

para evitar equívocos, cabe reforçar o argumento de que os pactos entre integrantes das elites da terra e reinóis eram vias de mão dupla, por diversos motivos. Quando facções de fidalgos tropicais lutavam contra as incursões corsárias, no mínimo, estavam evitando que suas casas fossem saqueadas, além de que poderiam também receber mercês da coroa e se apresentar como belatoris — portanto, mandatários — para a sociedade local. quanto ao fato de tais facções sufocarem, ao lado do governador, rebeliões de potentados, para elas isso implicava no aumento de sua autoridade local, pois, desse modo, eliminavam adversários. por último, reprimir quilom- bolas que perturbavam freguesias significava manter a ordem escravista. portanto, os interesses da coroa e das melhores famílias da terra podiam ser perfeitamente convergentes, até porque seus integrantes viam-se como leais vassalos del rey.

há, porém, uma série de outras razões que levaram os almeida Jordão

42 essa prática era também compartilhada por outros estratos sociais, a exemplo dos