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ahu, acl, cu, Bahía, “requerimento de luís coelho ferreira ao rei D João v, so licitando provisão de licença para enviar a sumaca nª srª do rosário e santo antónio e

a influência africana e

22 ahu, acl, cu, Bahía, “requerimento de luís coelho ferreira ao rei D João v, so licitando provisão de licença para enviar a sumaca nª srª do rosário e santo antónio e

almas ao porto de benguela, a resgatar escravos para a bahia”, [ant. 1.8.1749], cx. 99, doc. 7786; ahu, acl, cu, Bahia, “requerimento do negociante da bahia luís coelho ferreira ao rei D. José, solicitando provisão determinando a possibilidade de carregar na sua em- barcação fazendas de Moçambique, caso a carga de escravos não compense a viagem”, [ant. 17.1.1759], cx. 139, doc. 10722.

as fontes disponíveis indicam que, até cerca de 1794, os lucros dos negócios dos traficantes brasileiros na costa oriental africana não foram de molde a torná-los ricos. talvez por essa razão, muitos deles acabaram por se envolver no comércio interno moçambicano e, sempre que podiam e as autoridades o permitiam, na exportação de tecidos indianos para a américa.

ainda assim, ao longo da primeira metade do século Xviii, foram mui- tas as vezes que os comerciantes brasileiros que frequentaram a costa orien- tal africana recorreram a estratagemas para ultrapassar constrangimentos levantados pelas autoridades moçambicanas à exportação de têxteis para a América. Esses traficantes contornaram frequentemente as proibições de transporte de têxteis asiáticos para outros domínios do império português, utilizando como subterfúgio, para completar a carga dos seus navios com todo o género de panaria indiana, o pretexto de não terem escravos em número suficiente, por escassez ou carestia do mercado.

Chegaram mesmo a vender em Surrate um navio em fim de vida para, com o produto da sua venda, adquirirem panos de cambaia e de benga- la, que seriam legalmente exportados para o brasil, após pagamento de direitos na alfândega de Moçambique.23 em alguns casos, devidamente autorizados, também obtiveram tecidos indianos através da participação no regular comércio de marfim que a praça de Moçambique mantinha com Damão e Diu.24 Mas esses casos foram mais raros, na medida em que a lei lhes vedava o comércio no oriente.

na realidade, o mais próximo do oriente a que os comerciantes brasi- leiros conseguiam chegar era a costa oriental africana, porque, ao alvará que instituiu a liberdade de comércio de lisboa com a ásia, em 1765, se seguiu outro, em 1772, que proíbiu expressamente os brasileiros de entra- rem no Índico, excepto se fossem a Moçambique. esse último alvará esteve

23 ahu, Moç., “carta do governador de Moçambique, pereira do lago, para o secretário do estado, Mendonça furtado, em que dá conta da viagem que fez para o rio de Janeiro a galera S. João Nepomuceno, do senhorio antónio lopes da costa”, 22.1.1770, cx. 30, doc. 6.

24 ahu, Moç., “carta do governador de Moçambique, baltazar pereira do lago, sobre a o envio de embarcações para Diu e Damão carregadas com marfim moçambicano”, 21.8.1767, cx. 27, doc. 101.

em vigor até 1808.25

parece, então, óbvio concluir que quem imaginou que Moçambique setecentista se pudesse transformar num grande centro de comércio capaz de competir com a costa angolana e a Índia, onde brasileiros e portugueses pudessem adquirir escravos e têxteis indianos, enganou-se completamente.

2 – A dimensão económica e social dos têxteis indianos no Brasil (1808-1820)

a segunda questão que gostaria de abordar diz respeito à dimensão das relações económicas e sociais que os comerciantes cariocas mantiveram directamente com a Índia, entre 1808 e 1820.

como é evidente, as relações entre o brasil e o oriente remontam ao sé- culo Xvi, tendo evoluído de forma muito diversa, nomeadamente, através das viagens regulares da Carreira da Índia; através das viagens suplemen- tares de navegação e comércio à costa Malabar, à costa do coromandel, ao bengala e a Macau, levadas a cabo pelas companhias comerciais do grão-pará e Maranhão e a de pernambuco e bahia; ou, ainda, através das viagens que foram efectuadas por particulares e por sociedades mercantis privadas, muitas das quais constituídas por antigos accionistas das extintas companhias pombalinas, que possuíam experiência e capitais suficientes, nomeadamente as de gomes loureiro e as de Manuel de silva franco.

Partimos do que afirmámos em outro trabalho: o valor total dos têxteis indianos remetidos para o rio de Janeiro, entre 1809 e 1819, girou em torno de 8:400:000$000 réis, cerca de 2.370.000 libras esterlinas (cf. anexo 1), uma quantia enorme, se tivermos em conta que o total de ouro e prata brasileiros enviado para goa, no mesmo período, para saldar a factura dos têxteis, foi apenas de 656:948$900 réis, ou seja, cerca de185.055 libras esterlinas.26

25 carreira,ernestina. os últimos anos da carreira da Índia. in: Matos, artur teodoro de & thomaz, luís filipe f. reis (org.). A carreira da Índia e a Rota dos Estreitos. angra do heroísmo, 1998, p. 813.

26 antunes,luís f. D. têxteis e metais preciosos: novos vínculos do comércio indo-bra- sileiro (1808-1820). in: fragoso, João; bicalho, Maria fernanda & gouvêa, Maria de fátima (org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos Xvi-Xviii). rio de Janeiro: civilização brasileira, 2001, p. 396.

Por estranho que pareça, isso significa que, nas transacções entre Goa e o rio de Janeiro, o valor do ouro e da prata apenas cobria cerca de 1/13 dos têxteis indianos. Enfim, mesmo que se adicione à conta do total de prata e ouro enviado para goa, a quantia resultante das patacas de prata e ouro deixadas em Moçambique por traficantes brasileiros e franceses, a verba encontrada está longe de poder liquidar a dívida proveniente da venda de têxteis indianos (cf. anexo 2).

como explicámos no referido trabalho, nem mesmo a tese de rudy bauss sobre um espaço atlântico luso-brasileiro globalmente responsável pelas tro- cas com goa consegue explicar satisfatoriamente o grande desequilíbrio nas transacções entre goa e o rio de Janeiro, registado nos Mapas de Importação e Exportação de Goa para os anos de 1809 a 1819, conservados no arquivo nacional do rio de Janeiro.27

talvez essa questão seja de difícil resolução no quadro estrito da de- sordenada e confusa contabilidade colonial portuguesa, dado que existem muitas variáveis económicas a ter em consideração.

assim sendo, sentimo-nos tentados a aprofundar a proposta que vê nas particularidades do comércio da rota do cabo, e nos laços que histori- camente ligavam o brasil à Índia, através de vastas redes comerciais esta- belecidas por negociantes europeus, brasileiros e indianos, um contributo para a compreensão das complexas Balanças Comerciais e do intrincado movimento comercial entre a metrópole e as colónias.

tal como sucedia aos comerciantes da praça de lisboa, também os do rio de Janeiro sabiam que o comércio com o Índico exigia grandes somas em dinheiro e se expunha a enormes riscos, mas que, ao mesmo tempo, poderia proporcionar lucros extraordinários. na realidade, para que os negociantes conseguissem aprontar um navio mercantil, era necessário, entre outros aspectos, reunir capitais nacionais e estabelecer uma rede de financiamentos estrangeiros, o que os obrigava a transformar-se em empresas “pré-bancárias”, ou a criarem um sistema bancário e segurador, como sucedeu no caso brasileiro, em 1808.

27 anrJ, Junta do comércio, “Mapas de importação e exportação da capitania de goa. 1809-1819”, cx. 448, pacotes 1 e 2.

como facilmente se percebe, muitas vezes, sobrava pouco para adquirir os têxteis e outras mercadorias asiáticas, pelo que os comerciantes eram obrigados a postergar os reembolsos e a tomar dinheiro a risco, facto que conduzia inevitavelmente ao pagamento de juros muito elevados. nessas circunstâncias, tornava-se muito difícil aprontar sucessivos navios, pelo que a tendência era para a concentração da carga e do investimento, o que baixava os custos das viagens mas aumentava as probabilidades de sofrer pesados prejuízos, em caso de insucesso do negócio ou perda do navio.

a irregularidade e a demora das viagens dos comerciantes da metrópole com o oriente, referidas por Jorge pedreira, são as mesmas que obrigavam a que correspondentes e procuradores brasileiros acompanhassem as mer- cadorias e tratassem dos seus negócios nos portos da Índia, de modo a que tudo ficasse resolvido numa mesma viagem.28 por outro lado, temos que ter presente a forte concorrência que os comerciantes portugueses e brasileiros enfrentavam nos mercados asiáticos, onde a presença das grandes compa- nhias monopolistas europeias se fazia sentir de forma bastante acentuada.

A especificidade do comércio no Índico reflectia-se também ao nível da probidade dos negociantes e na organização das viagens. aos nego- ciantes envolvidos no comércio ultramarino era exigido credibilidade económica e reputação impoluta na praça, devido às grandes somas de dinheiro transaccionadas, aos pagamentos em numerário, ao reembolso de dívidas de longo prazo e à satisfação de encargos a credores que vi- vem noutro continente, lançando mão às letras de câmbio ou hundis29 so- bre negociantes privados e firmas comerciais indianas e indo-portuguesas.

28 pedreira,Jorge. Os Homens de negócio da praça de Lisboa de Pombal ao Vintismo (1755-1822). Diferenciação, Reprodução e Identificação de um grupo social. Lisboa: UNL, FCSH, 1995. (tese de doutorado), pp. 337-338.

29 Hundi é um termo que deriva do sânscrito hund que significa cobrar, colectar, recolher.