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ver fragoso, João a nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite

Rio de Janeiro e Costa da Mina, séculos XVII e X

57 ver fragoso, João a nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite

visualizar a engenharia política e a capacidade de fogo existente na “sociedade comercial” rodrigo césar de Menezes & inácio de almeida Jordão, devassada por gomes freire, em 1735. essa sociedade, ou melhor, a rede, tinha fôlego para um empreendimento que combinava, simultaneamente, o descaminho do ouro e o tráfico ilegal de escravos da Costa da Mina, um empreendimento cuja execução passava por regiões africanas, pelo rio de Janeiro, por Minas gerais, são paulo e Mato grosso. além disso, permite entender melhor a própria capacidade de retaliação de tal rede no início da devassa.

Conflitos imperiais e disputas entre fidalgos da terra

em 1730, o governador do rio de Janeiro, luis vahia Monterio, relatava ao conselho ultramarino a descoberta de descaminhos do ouro. algo que fora possível pela apreensão da correspondência, do rio de Janeiro para o reino, de alguns dos suspeitos. entre os indiciados, temos os irmãos João e inácio de almeida Jordão, fato logo seguido por uma série de prisões. consultados, o procurador da fazenda na corte e o conselho ultramarino emitiram os seus pareceres em 1731.

o procurador declarou que o governador fez mera adivinhação e o repreendia, pois, ao violar a correspondência de homens de negócios, perturbava o comércio. ao conselho pareceu o mesmo que ao procurador,

senhorial do rio de Janeiro. Topoi – revista de história do programa de pós-graduação em história social da ufrJ. rio de Janeiro, ufrJ / 7 letras, 2000, #1, pp. 45-122; a formação da economia colonial no rio de Janeiro e de sua elite senhorial (séculos Xvi e Xvii). in: fragoso, João; gouvêa, Maria de fátima s. & bicalho, Maria fernanda b. (org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI e XVII). rio de Janeiro: civilização brasileira, 2001; um mercado dominado por ‘bandos’: ensaio sobre a lógica econômica da nobreza da terra do rio de Janeiro seiscentista. in: silva, francisco carlos teixeira da; Mattos, hebe Maria & fragoso, João luis ribeiro (org.). Escritos sobre História e Educação: homenagem à Maria Yedda linhares, rio de Janeiro: Mauad e faperj, 2001; a nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do rio de Janeiro, século Xvii. algumas notas de pesquisa. Tempo – revista do Departamento de história da uff, 2003, n. 15, vol. 8, pp. 11-35.

[...] acrescentando que vossa Majestade seja servido mandar ao governador do rio de Janeiro o excesso com que procedeu na ordem que diz teve de vossa Majestade para devassar [...] os descaminhos do ouro, por que não era possível, que ela lhe per- mitisse violasse a fé pública, abrindo as cartas particulares, o que totalmente é contrário ao comércio, e comunicação dos homens; nem república alguma se poderá conservar com este abuso, e violência, proibida pelas leis civis, municipais, e das gentes.58 na continuação, os conselheiros condenavam as perguntas, presentes no inquérito de vahia Monteiro, pois eram capciosas, dando margem a “interpretações maliciosas”. Por fim, o Ultramarino considerava as atitudes do governador um atentado às leis e à boa harmonia do governo. Desse modo, sua continuidade “arruína[ria] inteiramente o comércio, e por con- seguinte a real fazenda”.

em outras palavras, a dita rede tinha fortes aliados no paço, leia-se, no círculo de poder do império. não era sem motivo que gomes freire, ainda em março de 1735, escrevia que devassava homens poderosos e insinuava estar temeroso quanto a seu futuro, de ser transferido para são paulo, que é o “país mais triste do mundo”59.

nesse ínterim, algo deve ter acontecido, pois as denúncias de gomes Freire foram finalmente acolhidas no Conselho Ultramarino. Em maio de 1735, foi determinada a prisão de inácio de almeida Jordão, sendo os seus bens seqüestrados e a navegação entre o brasil e a costa da Mina, suspensa. essa mudança de ventos é algo que ainda merece mais estudos, provavelmente outras redes imperiais devem ter obstruído a atuação da rede césar de Menezes & almeida Jordão.

uma boa pista para se avaliar a alteração, em escala macroscópica, desse contexto político é dada por Jaime cortesão, que analisa o período a

58 ahu, rJ, cx. 29, doc. 6.786-89, 31 de janeiro de 1731.

59 carta de gomes freire, op. cit., 06 de março de 1735; cf. oliveira Junior, paulo caval- cante, op. cit., pp. 166-7.

propósito da entrada de alexandre de gusmão no conselho ultramarino.60 gusmão foi nomeado em substituição a antônio rodrigues da costa, que havia falecido em 20 de fevereiro de 1732, quando ocupava interinamente a presidência do conselho. ao que tudo indica, a morte de rodrigues da costa causou forte impressão em D. João v. o último parecer dele, um texto que sintetizou a experiência e o conhecimento acumulados ao longo de toda uma carreira dedicada ao bom andamento da administração ultra- marina portuguesa, escrito pouco antes de morrer, foi então interpretado como uma espécie de testamento político seu.61 naquele texto, rodrigues da costa analisou detidamente os vários perigos que rondavam a américa portuguesa, particularmente o enorme peso negativo dos tributos, em face dos sentimentos que os súditos que ali viviam nutriam em relação ao rei.62 Delineou, então, uma espécie de plano de reformas fiscais que a coroa deveria efetivar em prol do bom governo do brasil. analisando o comportamento de D. João V, afirmou Cortesão que

[...] seus atos, imediatamente posteriores à leitura do documento acu- sador [o parecer de Rodrigues da Costa], ajustam-se por demais e tão encadeadamente ao programa de Rodrigues da Costa que hemos de concluir ele obedeceu àquele mandado de além túmulo. Os fortes da marinha, como então se dizia, multiplicam-se e ativam-se. Nomeia para o Brasil, não há [como] negá-lo, uma plêiade de funcionários excelentes. Chama a si a resolução dos negócios do Brasil, que passa a despachar

com Alexandre de Gusmão.63

60 cortesão, Jaime, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. rio de Janeiro: Ministério das relações exteriores, 1952. 5 tomos. ver a parte 1, tomo 1 (1695-1735), pp. 334-5 e 344-9. ver também a forma como é analisada a substituição de rodrigues da costa, igualmente por alexandre de gusmão, na academia real de ciências, pp.334-5.

61 Id., p. 344.

62 ver também outras duas interpretações desse contexto, que, igualmente, seguem de