Permanência e mudança na organização dos fluxos (séculos XVII e XVIII)
63 souza, laura de Mello e souza Desclassificados do ouro A pobreza mineira no século XVIII rio de Janeiro,: [1982] 2004.
sua itinerância, na ida e vinda em cada frota, como a legislação o define, garantia a celeridade da rentabilização do capital. a presença furtiva na colónia reduzia a oportunidade de exploração com dolo de informação assimetricamente distribuída, como aconteceria frequentemente com agen- tes residentes no brasil, segundo lamentava francisco pinheiro. contudo, a presença de comissários volantes pode ser lida como um indicador de escassez de mecanismos informais de sanção, que induzia níveis de risco acrescido ao mercado e retardava a interiorização de uma ética de grupo. situações de incerteza, portanto, ainda que causadas por factores diferentes, serão o elemento comum às conjunturas em que o comissário volante se trona visível nas fontes disponíveis. assim, a euforia aurífera equipara o atlântico português do século Xviii ao atlântico do século Xvii, em pe- ríodo de guerra com os holandeses no brasil ou, ainda, ao que se assistiu no Mediterrâneo, em pleno período medieval de expansão.
O Estado mercantilista, na sua lógica fiscalista e na sua apropriação política da função mercantil, observou as organizações que serviam o mercado e associou a figura do comissário volante ao baixo crédito de negociantes da praça, a indivíduos pouco instruídos nos saberes mercantis e, sobretudo, a indivíduos ao serviço de circuitos clandestinos de ouro, em conluio com organizações estrangeiras.
os Livros de Manifesto, registos oficiais, desmentem aquelas associações simplistas. Mas não é essa a conclusão que importa relevar. talvez seja mais inspirador para futuras reflexões indagar como se articula esse alvará de 1755 com a legislação de 1657 que interditou o crédito a risco com juros superiores a 5%. é que a legislação pombalina, ao procurar eliminar os comissários volantes, confundia factores de risco — na óptica do poder, risco de contrabando — com as formas de agência a que os negociantes recorriam para se protegerem do risco — de outro tipo de fraude, certa- mente que não fiscal. Se assim era, tal legislação estaria condenada a ser desafiada por forças contrárias, a menos que se processasse, em simultâ- neo, uma importante reforma na organização mercantil, que depurasse o grupo, processo que ajudaria a forjar um ethos mercantil, mais conforme à disciplina que importava ao poder político. esse, talvez, o único alcance, ou a única verdade, do alvará de 6 de Dezembro de 1755.
r
e F e r ê n C i a sFontes primárias
arquivo nacional torre do tombo (an/tt), fundo Habilitações da Ordem de Cristo. arquivo nacional torre do tombo (an/tt), fundo Habilitações do Santo Ofício.
Fontes secundárias, artigos e livros
alden, Dauril. Royal Government in Colonial Brazil, with Special Reference to
the Administration of the Marquis of Lavradio, Viceroy, 1769-1779. berkeley e los
angeles: 1968.
alencastro, luiz felipe de. O trato dos viventes: formação do brasil no Atlântico
Sul. são paulo: 2000.
bicalho, Maria fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. rio de Janeiro: 2003.
boyajian, James. The Portuguese Bankers at the Court of Spain, 1626-1650. new Jersey: 1983 e Portuguese Trade in Asia under the Habsburgs, 1580-1640. baltimore- -london: the Johns hopkins university press, 1993.
brenner, robert. Merchants and Revolution. Commercial Change, Political Conflict
and London’s Overseas Traders, 1550-1653. princeton: 1991.
carrasco vázquez, Jesus. La minoria judeoconversa en la época del Conde Duque
Olivares. Auge y ocaso de Juan Nuñez Saravia (1585-1639), tese de doutorado, uni-
versidade de Madrid, policopiado, 2004.
costa, leonor freire & rocha, Maria Manuela. remessas do ouro brasileiro: organização mercantil e problemas de agência em meados do século Xviii. Análise
Social, no prelo.
costa, leonor freire. Império e grupos mercantis (século XVII). Entre o Oriente e
o Atlântico. lisboa: 2002.
do Brasil. lisboa: 2002.
costa, leonor freire; rocha, Maria Manuela & sousa, rita Martins de. o ouro cruza o atlântico. Revista do Arquivo Público Mineiro, v. 41, n. 2, jul-dez 2005, pp. 71-86.
curtin, philip. Cross-Cultural Trade in World History. cambridge: 1984. Donovan, William Michael. Commercial Enterprise and Luso-Brazilian Society
during the Brazilian gold rush: the Mercantile House of Francisco Pinheiro and the Lisbon to Brazil Trade, 1695-1750. tese de doutorado, baltimore, Maryland: 1990.
Épocas de Portugal Económico, lisboa: [1928] 1973.
esminger, Jean. reputations, trust, and the principal agent problem. cook, Karen s. (org). Trust in Society, new York: 2002, pp. 185-201.
ferlini, vera lúcia. Terra, trabalho e poder. s. paulo: 1988.
ferreira, roquinaldo. Dinâmica do comércio intra-colonial: geribita, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos. In: fragoso, João; bicalho, Ma- ria fernanda & gouvea, Maria de fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). rio de Janeiro: 2001.
flory, rae. Bahian Society in the Mid-Colonial Period: the Sugar Planters, Tobacco
Growers, Merchants and Artisans of Salvador and Recôncavo, 1680-1725, tese de dou-
torado, university of texas, austin, 1978.
fragoso, João luís & florentino, Manolo. O arcaísmo como projecto. Mercado
atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. rio de Janeiro: [1993] 2001.
fragoso, João luís. Homens de grossa aventura. Acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. rio de Janeiro: 1998;
furtado, Júnia ferreira. Homens de negócio. A interiorização da metrópole e do
comércio nas Minas setecentistas. são paulo: 1999.
godinho, vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar, lisboa: 1990.
greif, avner. the fundamental problem of exchange: a research agenda in historical institutional analysis. european review of economic history, nº 4, 2000, 251-84.
grossman, herschel i. the state in economic history. in: bordo, n. D. & cortés-conde, r. (orgs). transferring Wealth and power from the old to the new World. Monetary and fiscal institutions in the 17th trough the 19th centuries. new York: 2001, 453-63.
Jobson de arruda, José. O Brasil no comércio colonial. são paulo: 1980.
Knack, stephen & Keefer, philip. Does social capital have an economic pay- -off? A cross-country investigation. The Quaterly Journal of Economics, november, 1997, pp. 1251-88.
lopes, paulo alexandre Marques. Minas Gerais setecentistas: uma ‘sociedade
aurífera’, tese de doutorado apresentada na faculdade de letras, universidade
de coimbra, 2001.
Luhman, Niklas. Familiarity, Confidence, Trust: problems and alternatives. In: gambetta, D. (org.). Trust, Making and Breaking Cooperative Relations. oxford: 1988.
Magalhães, Joaquim romero. francisco Xavier de Mendonça furtado, gover- nador e capitão-general do grão-pará e Maranhão. Revista do Instituto Histórico
Geográfico do Rio de Janeiro (no prelo).
Marzagali, silvia. art. cit.; butel, paul. espaces européens et antillais du né- gociant. l’apprentissage par les voyages: le cas bordelais. In: angiolini, franco & roche, Daniel (org.). Culture et Formation Négociantes dans l’Europe Moderne. paris: 1995, pp. 349-61.
Marzagalli, silvia. establishing transatlantic trade networks in time of War: bordeaux and the united states, 1793-1815. Business History Review, v.79, Winter, 2005, pp.811-44.
Mathias, peter. strategies for reducing risk by entrepreneurs in the early Modern period. In: lesger, c. lesger & norrdegraaf, l. (org.). Entrepreneurs and
Entrepreneurship in Early Modern Times. Merchants and Industrialists within the Orbit of the Dutch Staple Market, Den haag, 1995, pp. 5-24.
Maxwell, Kenneth. pombal e a nacionalização da economia brasileira. In: Maxwell, Kenneth (org.). Chocolate, piratas e outros malandros. Ensaios tropicais. são paulo: 1999.
Mello, evaldo cabral de. Olinda restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste. rio de Janeiro: 1998.
Mello, José gonsalves. os livros de saídas das urcas do porto do recife, 1595- 1605. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco. n. 58, 1983, pp. 21-143.
Melo, sebastião José de carvalho e. relação dos gravames... in: barreto, José (org. e estudo introdutório). Escritos Económicos de Londres (1741-1742). lisboa: 1986.
Mendonça. Marcos carneiro de. O Marquês de Pombal e o Brasil. são paulo: 1960. Meyer, Jean. L’Armement Nantais dans la deuxième moitié du XVIII siècle. paris: 1969. novais, fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). são paulo: [1972], 1986.
novinsky, anita. Cristãos-novos na Bahia. s. paulo: 1972; Mello, José antônio gonsalves de. Gente da nação. Cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654. 2. ed. recife: 1996.
oliva Melgar, José María. la metrópoli sin território. crisis del comercio de Indias en el siglo XVII o pérdida del control del monopolio? In: shaw, carlos Martínez & oliva Melgar, José María (orgs.) El Sistema Atlántico español (siglos
XVII-XIX). Madrid: 2005.
pedreira, Jorge Miguel. brasil, fronteira de portugal. negócio, emigração e mobilidade social (séculos Xvii e Xviii). In: cunha, Mafalda soares (coord.). Do
Brasil à Metrópole. Efeitos sociais (séculos XVII-XVIII). évora: 2001, pp. 47-72.
pedreira, Jorge Miguel. Os homens de negócio da praça de Lisboa de Pombal ao
vintismo (1755-1822). Diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social, tese
de doutorado, fcsh, universidade de lisboa, 1995.
pijning, ernst. Controlling Contraband: Mentality, Economy and Society in
Eighteenth-Century Rio de Janeiro, tese de doutorado, Johns hopkins university,
baltimore: 1997.
prado Junior, caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 4. ed. s. paulo: 1953. price, Jacob price. transaction costs: a note on merchant credit and the organi- zation of private trade. In: tracy, James (org.). The Rise of Merchant Empires. Long
Distance Trade in the Early Modern World, 1350-1750. cambridge: 1990, pp. 276-97.
price, Jacob. the imperial economy, 1700-1776. In: Marshall, p. J. (org). The
romano ruggiero. Mecanismo y elementos del sistema económico colonial americano,
siglos XVI-XVIII. México: 2004.
russell-Wood, a. J. as frotas do ouro do brasil, 1710-1750. Estudos Econômicos, v. 13, número especial, 1983.
russell-Wood, a. J. centros e periferias no mundo luso-brasileiro, 1500-1808.
Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, 1998.
sampaio, antónio carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais
e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650-c. 1750). rio de Janeiro: 2003.
schwartz, stuart b. o brasil colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias. In: bethell, leslie (ed). História da América Latina. A América Latina Co-
lonial, vol. ii. são paulo: 2004, pp.339-422.
silva, J. andrade e. Collecção Chronológica de Legislação Portugueza (1688-1700). lisboa: 1859. Disponível em http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/
smith, David grant. The Portuguese Mercantile Class of Portugal and Brazil in the
Seventeenth Century: a socioeconomic study of merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690.
phD, austin-texas: 1975.
souza, laura de Mello e souza. Desclassificados do ouro. A pobreza mineira no
século XVIII. rio de Janeiro,: [1982] 2004.
studnicki-gizbert, Daviken. la ‘nation’ portugaise. réseaux marchands dans l’espace atlantique à l’époque moderne. Annales HSS, v. 58, nº3, 2003, pp. 627-48.
Wassermann, stanley & faust, Katherine. Social Network Analysis: methods and