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Mais de trinta anos de pesquisa em ciências sociais explorando o potencial da análise de redes demonstram as virtudes de uma formalização matemática essencial para esclarecer

Permanência e mudança na organização dos fluxos (séculos XVII e XVIII)

36 Mais de trinta anos de pesquisa em ciências sociais explorando o potencial da análise de redes demonstram as virtudes de uma formalização matemática essencial para esclarecer

metodologia e problemas que soluciona: Wassermann, stanley & faust, Katherine. Social Network Analysis: methods and applications. cambridge: 1994.

37 Para identificação e discriminação arquivística de todos os contratos recenseados nos notarias de lisboa e, por amostragem, no porto: costa, leonor freire. Ob. cit., v. ii.

38 Mello, José gonsalves. os livros de saídas das urcas do porto do recife, 1595-1605. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco. n. 58, 1983, pp. 21-143.

além de todos os elementos indispensáveis para o estudo da economia do transporte, as cartas de fretamento viabilizam uma tipologia de rela- ções. recenseando os comerciantes activos entre 1580 e 1640 e respectivos correspondentes ou agentes, compõem-se dois universos, em cada um dos lados do atlântico, cujas dimensões comparadas dizem alguma coisa do tipo de relações mais frequentes.

Tabela 1 – negoCiantesdeaçúCar

porto nº de agentes

no brasil nº de agentes em portugal internaçãoindice de

pernambuco 235 256 1

bahia 158 253 1,6

rio de Janeiro 26 41 1,5

os números da tabela 1 indicam que, para a praça de olinda/recife, tendo sido um dos locais de maior imigração, as díades dominam, enquan- to, para a bahia ou para o rio de Janeiro, é patente algum grau de pola- rização nas praças coloniais, pois o número de comerciantes aí radicados seria inferior ao número de indivíduos que fretaram navios para a bahia ou rio de Janeiro.

essa observação não é mais que uma primeira abordagem. ignora a particularidade decorrente do facto de muitos dos fretadores presentes nos contratos assinados no reino tanto lidarem com a bahia como com olinda/ recife. um grupo muito mais restrito, e maioritariamente diferenciado da- quele que lidava com a bahia ou pernambuco, estendeu os seus interesses ao rio de Janeiro e adquiriu alguma notoriedade só depois de 1624, como consequência da ocupação holandesa de pernambuco e paraíba. com efei- to, muitos comerciantes de açúcar, no reino ou na colónia, estabeleceram relações polivalentes (de muitos para muitos). um nível de observação que se destine a reconstituir as redes individuais trará, portanto, à superfície vários casos de relações polarizadas. um estudo anteriormente realizado

deu especial destaque aos exemplos de relações trivalentes (ou superio- res), de três para um, (ou mais). isolando-se, com esse critério, os casos de um agente no brasil para três ou mais fretadores, ou de um fretador no reino para três ou mais agentes no brasil (num mesmo porto ou em vários portos), recortam-se, nos universos constantes da tabela 1, 13 casos para a bahia, 19 para pernambuco, 3 para o rio de Janeiro e 46 para o reino.39 se a trivalência serve para seleccionar alguns patamares representativos da diversificação como estratégia dos operadores no mercado colonial, deve ser ressalvado que daqui ficam excluídos importantes negociantes das pra- ças metropolitanas que não tinham mais que um ou dois correspondentes no brasil, como fora adão rodrigues de Morais, um residente no porto e dado por diversas circunstâncias, entre 1624 e 1640, como procurador de Duarte da Silva, aquele que seria um dos mais historiografados financeiros de D. João iv. o mesmo é válido para um dos senhores-de-engenho da bahia, estêvão de brito freire, que, enquanto não veio para lisboa, onde estaria em 1621, enviou açúcar a apenas um correspondente no reino.40

o confronto da dimensão de cada um dos universos em contacto, nos anos de 1580 a 1640, permite um retrato genérico das relações estabelecidas. Mas peca por secundarizar significativas variações, ocorridas com a crise na economia de plantação, grosso modo, durante as tréguas dos Doze anos (1609-1621),41 ou decorrentes da guerra no nordeste, depois do ataque ho- landês à bahia, em 1624 (sobretudo na década de 1630). na verdade, 2/3 das relações trivalentes contam-se até 1614, notando-se, assim, mudança nas formas de agência, num e noutro lado do atlântico, durante a crise. a menor diversificação de contactos vai a par de flutuações graves no volu- me de transacções depois de 1610, primeiro devido à quebra dos preços nos mercados europeus, depois devido à guerra no nordeste da colónia, tempo em que os preços especulativos, se trouxeram renovação ao grupo

39 costa, leonor freire, Ob. cit., v. i, tabelas XXXii (a e b-1 a b-5). 40 costa, leonor freire, Ob. cit., v. i, p. 300.

41 Mello, evaldo cabral de. Olinda restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste. rio de Janeiro: 1998, p.89-94; ferlini, vera lúcia. Terra, trabalho e poder. s. paulo: 1988, p. 61; costa, leonor freire. Império e grupos mercantis (século XVII). Entre o Oriente e o Atlântico. lisboa: 2002.

de negociantes do açúcar, não bastaram para repor o volume do negócio nos níveis atingidos entre 1580 e 1610. assim, relações de 1 para 3, mais frequentes de início, vão perdendo expressão, quer se analise a constitui- ção de agência na perspectiva dos senhores de engenho ou negociantes no brasil, quer se coloque o prisma nas praças do reino. as díades e as relações biunívocas generalizam-se. a mudança sugere a interferência de condições menos favoráveis à diversificação de laços, talvez fruto de uma maior estabilidade do grupo, que, após sofrer uma renovação em tempo de crise, ficaria menos aberto à entrada de novos operadores. Esse grupo, tudo indica, menos volátil, sustentaria o negócio do açúcar em tempo de guerra no nordeste,42 graças a certas inovações organizativas, entre elas, o recurso a comissários a bordo dos navios fretados.

A guerra no território brasileiro, significando o saque perpetrado pelo corso holandês, alterou o cenário das transacções, incutindo-lhe um nível de risco acrescido. o próprio articulado das cláusulas dos contratos de fretamento conta uma história paralela, tornando-se mais impreciso, menos detalhado, sugerindo que qualquer das partes contratantes — mestre do navio e fretador — procurava evitar assumir, no reino, compromissos que poderiam ser inobserváveis na hora de o navio aportar na colónia. assim, se o clima de incerteza incentivou o registo público de um contrato entre partes, também o tornou menos rigoroso em questões cruciais.

a guerra, ao interferir no padrão das viagens e este, por sua vez, nas cargas de ida, exigiu que o mestre dos navios, esse oficial superior a bordo dos navios, no atlântico brasileiro, passasse a desempenhar outro papel. para se fugir a escalar nas ilhas do vinho, Madeira ou canárias, e, assim, encurtar o tempo das viagens, colocava-se em causa a rentabilização dos capitais investidos na armação por falta de frete para o troço portugal-brasil. atendendo ao que muitos dos contratos passaram a calar, pensar-se-ia que os navios não raro terão saído do reino em lastro. Mas é mais provável que tal situação antes pressionasse o mestre a envolver-se no tráfico e a ser ele próprio proprietário de mercadoria transportada (e nada contraria a hipótese de o fazer com vinho da região do Douro). outra mudança subliminar nessas