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39 Além disso, ficava implícita no modelo de produção fordista a concepção de um

mercado massificado, baseado na ideia de enxergar o trabalhador como um consumidor em potencial. Assim, ―a transformação do trabalhador em um consumidor de produtos até então inacessíveis, através de um aumento salarial, criava a sensação de melhoria

material e esvaziava pressões sociais gerais‖ 35

. Para tal situação tornar-se possível, caberia ao Estado desenvolver programas sociais que dessem assistência ao trabalhador e, o mais importante, garantir o pleno emprego. A tese keynesiana de que uma economia e uma sociedade estável deveriam ter no aumento da demanda (e por consequência, da produtividade) a sua principal característica, reforçava a ideia da garantia de bons salários e do pleno emprego.

Portanto, o Estado de Bem-Estar configurou-se numa forma específica de Estado, nascido após o esgotamento do Estado liberal e que se caracterizava pelo

intervencionismo econômico 36 e pelo atendimento de determinados direitos básicos dos

trabalhadores, como educação, saúde, assistência e previdência social e etc., conquistas

resultantes, em grande parte, das lutas operárias da primeira metade do século XX 37.

Outra importante característica era a política de pleno emprego e de redistribuição da renda, permitindo, com isso, a reprodução intensiva do capital, ao mesmo tempo que inibia maiores reivindicações da classe trabalhadora.

No início da década de sessenta, a combinação do esgotamento do modelo de produção fordista – característicos dos trinta anos gloriosos do capitalismo no pós-guerra – e o surgimento de problemas de ordem conjuntural passaram a adquirir um peso

35 PADRÓS, Henrique Serra. Capitalismo, prosperidade e... Op. cit., p. 237.

36 É importante destacar, conforme David Harvey, ―que as formas de intervencionismo estatal variavam muito entre os países capitalistas avançados. (...) Diferenças qualitativas e quantitativas semelhantes podem ser encontradas no padrão de gastos públicos, da organização dos sistemas de bem-estar social (...) e do alto grau de envolvimento ativo do Estado, em oposição ao envolvimento tácito, nas decisões econômicas. Padrões de descontentamento trabalhista, de organização de fábricas e de ativismo sindical, também variavam consideravelmente de Estado para Estado‖. HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna... Op. cit., p. 130.

37 De acordo com Gilberto Dupas, ―(...) keynesianismo manteve, desde o pós-guerra, a expectativa de que o Estado poderia harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia. Ele acabou fornecendo as bases para um compromisso de classe, ao oferecer aos partidos políticos representantes dos trabalhadores, numa justificativa para exercer o governo em sociedades capitalistas, abraçando as metas do pleno emprego e da redistribuição de renda em favor do consumo popular. O Estado provedor de serviços sociais e regulador de mercado tornava-se mediador das relações e dos conflitos sociais‖. DUPAS, Gilberto. Economia Global e Exclusão Social: pobreza, desemprego, Estado e o futuro do capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2ª ed., 1999, p. 139.

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significativo 38. Contudo, desde o final da década de 1960 os saldos positivos acumulados

durante o boom dos anos dourados, nos EUA, já apresentavam sinais de exaustão 39.

Assim, os primeiros sinais da crise do Estado de Bem-Estar evidenciavam que o modelo keynesiano mostrou-se incapaz, segundo análise de David Harvey, diante das

―contradições inerentes do capitalismo‖ 40

. Portanto, a conjuntura de crise que abriria as portas para o neoliberalismo foi ocasionada pelo fracasso das formas de regulação do Estado de Bem-Estar, que se materializava, ainda segundo David Harvey, pela ―rigidez dos compromissos do Estado, rigidez nos mercados (...) e a flexível política monetária, na capacidade de imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário para

manter a economia estável‖ 41

.

A análise de Robert Brenner oferece uma boa explicação para a crise que, em seu sentido mais amplo, deve ser entendida como uma crise estrutural manifestada pela

tendência decrescente da taxa de lucro 42. Para os neoliberais, segundo Perry Anderson, a

38

PADRÓS, Enrique Serra. Capitalismo, prosperidade e... Op. cit., p. 256.

39 Segundo Enrique Serra Padrós, ―a crise começou nos EUA e foi exportada a outras regiões. O domínio americano declinara, em termos relativos, durante as últimas décadas. Alguns indicadores econômicos mostram a perda de competitividade da superpotência: enquanto em 1955 o Produto Nacional Bruto (PNB) do país representava 36,3% do mundial, em 1970 mal chegara aos 30,2%. A própria taxa média de crescimento anual do PNB dos EUA, medida em séries de cinco anos, era superada permanentemente, entre 1950 e 1970, pelo Japão, França, Alemanha e Itália. Até na produção automobilística, pilar de sustentação do American way of life, verificaram-se dificuldades (diante da produção européia e japonesa os EUA viram reduzir-se a sua fatia mundial de 51% para 35% entre 1965 e 1975). A recuperação européia, notadamente o milagre japonês e alemão, significou para os EUA a perda de espaço nesses mercados. Muito pior, alavancou essas economias a uma acirrada disputa nos mercados internacionais. (...) É muito importante salientar que no fim dos anos 60, como sinal claro de aumento da competição internacional, o modelo produtivo baseado no fordismo começara a declinar ante novas formas de organização do trabalho e da produção. Dentro da perspectiva de minimizar as conquistas dos trabalhadores, ganhou espaço o toyotismo (aplicado, pela primeira vez, nas empresas Toyota). Através de um rigoroso controle de qualidade e obrigando o operário a realizar tarefas múltiplas, o toyotismo vinculou a estabilidade do emprego e o salário à situação financeira da empresa. Desta forma, começava a desenhar-se a terrível perspectiva do desemprego, enquanto atacavam-se as áreas consideradas problemas para um melhor desempenho produtivo: absenteísmo, mobilidade voluntária, greves, direitos sociais‖. PADRÓS, Enrique Serra. Capitalismo, prosperidade e... Op. cit., p. 257.

40 HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna... Op. cit., p. 135. 41 HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna... Op. cit., p. 135.

42 Conforme Robert Brenner, a crise ―tem suas raízes profundas numa crise secular da lucratividade que resultou do excesso constante de capacidade e de produção do setor manufatureiro internacional‖. BRENNER, Robert. O Boom e a Bolha. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 12.

Os autores franceses Gérard Duménil e Dominique Levy, em uma análise próxima à de Brenner, também identificam, na origem da crise, a queda da taxa de lucro. Segundo eles, ―O poder e a renda da classe capitalista foram diminuídas depois da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. Durante o compromisso keynesiano ou social-democrata (entre o governo e os anos 70), (...) uma fração bastante importante dos lucros permanecia nas empresas e era revertida produtivamente. A rentabilidade das instituições financeiras era tipicamente baixa. (...) O Estado estava fortemente envolvido na gestão econômica; em vários casos, a propriedade de setores inteiros da economia era transferida ao Estado. Os EUA atravessaram tais transformações numa medida consideravelmente inferior à Europa e ao Japão. (...)

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