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86 contra o terrorismo O apoio midiático em relação ao ―milagre‖ econômico, o sucesso no

combate aos movimentos insurgentes, o apoio do capital financeiro e transnacional, beneficiados pelo pagamento da dívida externa e pela venda das empresas estatais, criariam as condições necessárias para o prolongamento de Fujimori no exercício do poder no Peru.

Nas eleições de abril de 2000, Fujimori conseguiu uma nova reeleição, conseguindo 51% dos votos contra 49% de seu adversário, Alejandro Toledo, economista de ascendência indígena do partido Peru Possível (PP). Apesar da vitória, Fujimori sofreu uma grande derrota ao não obter a maioria parlamentar. A vitória de Fujimori nestas eleições, porém, deu-se através de um forte esquema de fraudes e corrupção, com compra

de votos e intimidação 203. Na posse de Fujimori, em julho, protestos liderados por

Toledo deixaram seis mortos.

Dois meses depois de sua posse, em 14 de setembro, foi divulgado nos meios de comunicação um vídeo em que aparecia o deputado Luis Alberto Kouri, membro do Partido Popular Cristiano, recebendo a quantia de quinze mil dólares das mãos do assessor de Fujimori, Vladimiro Montesinos, para que trocasse de partido e, assim, formar a maioria parlamentar para serem votados os projetos de interesse do governo no Congresso Nacional.

Depois deste episódio, gravações do mesmo tipo, com Montesinos realizando a mesma ação em suas oficinas no Serviço de Inteligência Nacional, foram divulgadas. Nelas estavam contidas reuniões com dirigentes políticos e empresários, com pagamento

de suborno de milhares de dólares 204. Segundo Jose Honorio Martínez, ―la difusión de

los videos permitió conocer cómo el gobierno compró a empresarios, magistrados, parlamentarios y altos funcionarios cuyo apoyo fue vital para darle la apariencia de

legalidad al régimen‖ 205.

Tais escândalos políticos levaram Fujimori a afastar Montesinos – seu braço direito – e anunciar a redução de seu mandato para um ano. Aproveitando viagem à Ásia, Fujimori desembarca no Japão, onde renunciaria ao cargo de presidente e pediria asilo político. O Congresso não aceita a sua renúncia e o destitui do cargo, em novembro, por

203

MARTINEZ, José Honorio. Neoliberalismo y Genocidio... Op. cit., p. 72.

204 UGARTECHE, Oscar. ¿Democracia y mercado? Comenzando por el fin. In: Revista Ciberayllu, novembro/2004. Disponível em: http://www.andes.missouri.edu/andes/Especiales/OU_AdiosEstado.html. Acesso em: 27/06/2012.

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"incapacidade moral" 206. O presidente do Congresso, Valentín Paniagua, assume um

governo de transição até 2001.

No caso peruano, o neoliberalismo foi implantado com base no desmonte das regras do sistema da democracia liberal. Exemplos deste processo foram o auto-golpe de Estado de 1992, as privatizações mediante decretos ditatoriais, a corrupção de importantes setores do Estado, as fraudes eleitorais que permitiram a sua reeleição, a violência utilizada na repressão contra a população indígena e os movimentos insurgentes. Assim, a construção do modelo neoliberal no Peru exigiu a implantação de um Estado terrorista, que destruiu numerosas organizações populares com o único propósito de assegurar a hegemonia do grande capital. Assim, de acordo com Nelson Manrique,

―La gran mayoría de las víctimas de la violencia fueron indígenas, tradicionalmente considerados el último peldaño de la escala social en el país; personas que a lo más tienen una ciudadanía de segundo orden y que no se percibe que tengan iguales derechos que los integrantes de la sociedad dominante. En un país fuertemente fragmentado no sólo por las brechas económico sociales, étnicas y regionales, donde el racismo antiindígena construye escalas de humanidad diferenciales, según las cuales los indios no son tan humanos como los otros peruanos, no existe una conciencia generalizada de que la desaparición forzada de miles y la matanza de decenas de miles de personas constituya una tragedia nacional‖ 207.

Um dos exemplos de mais radicais de implantação do modelo neoliberal na América Latina refere-se ao caso da Argentina, mais particularmente, ao período correspondente aos dois governos de Carlos Saul Menem (1989-1999). Segundo Mario Rapoport, o peronista Carlos Menem ascendeu ao poder com um discurso populista,

206 Em 2005, Fujimori mudou-se para o Chile na condição de exilado político. Porém, em setembro de 2007, a justiça chilena atendeu ao pedido de sua extradição para o Peru. No país que governou por uma década, Fujimori foi levado a julgamento por corrupção, enriquecimento ilícito, evasão de divisas, abuso dos direitos humanos, sequestro e genocídio. Em dezembro de 2007 foi condenado a seis anos de prisão pela revista ilegal da casa da mulher de seu ex-assessor Vladimiro Montesinos. A sentença, ditada pelo juiz Pedro Urbina, também obrigou o ex-presidente a pagar 400 mil novos sóis (US$ 133.000) como reparação civil ao Estado. Além disso, ficou impedido de exercer cargos públicos por dois anos. Em abril de 2009, foi novamente condenado, desta vez, com uma pena de 25 anos de prisão por violações dos direitos humanos, sentença confirmada pelo Supremo Tribunal do Peru.

207

MANRIQUE, Nelson. El tiempo del miedo, la violencia política en el Perú 1980-1996. In: Revista Ciberayllu, janeiro/2003 apud MARTINEZ, José Honorio. Neoliberalismo y Genocidio... Op. cit., p. 74.

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defendendo, em sua campanha eleitoral, o ―salariazo‖ e uma ―revolução produtiva‖ 208

, mas que, logo em breve, ―mostrou que sua política econômica se alinharia com os postulados do Consenso de Washington e seguiria os conselhos do FMI e outros

organismos financeiros internacionais‖ 209. Assim, o governo Menem passou a adotar o

monetarismo da Escola de Chicago, vinculando os argentinos aos interesses do capitalismo neoliberal.

Em 1976, o governo civil de Isabelita Perón foi deposto por uma junta militar que deu início a um governo ditatorial, que ficaria marcado pela intensa repressão aos grupos organizados de esquerda, no qual resultou no desaparecimento de mais de 20 mil pessoas. Com a derrota na Guerra das Malvinas para a Inglaterra, em 1982, o governo militar acabou se enfraquecendo e foi substituído, no ano seguinte, pelo governo de Raul Alfonsín, membro da União Cívica Radical (UVR). A transição para o regime

democrático caracterizou-se por um quadro de forte instabilidade macroeconômica 210. A

hiperinflação, que consumia a renda da classe trabalhadora e também da classe média argentina, e o crescimento do endividamento externo eram alguns aspectos que evidenciavam a gravidade da crise vivida pelo país durante a década de oitenta.

Nesse contexto de crise, em julho de 1989, Carlos Menem ascende ao poder,

tendo sido eleito dois meses antes pelo Partido Justicialista (PJ). Seria a primeira vez, desde o ano de 1916, que um presidente passava o seu cargo para um candidato de oposição no país.

O novo presidente argentino logo articulou uma estreita relação com os EUA, fato que desagradou os setores mais tradicionais do peronismo. A aproximação com os interesses do grande capital ficaria ainda mais evidente quando Menem nomeou primeiramente Miguel Roig e, depois de sua morte, Néstor Rapanelli, para ocuparem o cargo de ministro da Economia. Miguel Roig e Néstor Rapanelli eram, respectivamente, vice-presidente executivo geral e vice-presidente do grupo multinacional, do ramo de alimentos, Bunge y Born, considerado uma das corporações mais poderosas e influentes da Argentina. Pouco depois, Maria Julia Alsogaray foi nomeada para conduzir os

208 O ―salariazo‖ prometia recuperar a renda e o poder aquisitivo do trabalhador argentino e a ―revolução produtiva‖ intencionava o crescimento da estrutura produtiva e o desenvolvimento econômico do país. FERRER, Aldo. A economia argentina: de suas origens ao início do século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 257.

209 RAPOPORT, Mario. Argentina: economia e política internacional. Os processos históricos. In: Revista

DEP – Diplomacia, Estratégia & Política, Brasília, nº 10, outubro/dezembro, 2009, p. 43.

210

AYERBE, Luis Fernando. A transição para o regime democrático na Argentina (1984-1989): um balanço do governo Alfonsín. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais. UNESP, v. 14, 1991, p. 149-147.

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