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63 preços pelo mercado (―ajuste de preços‖), fim da inflação (―estabilidade

macroeconômica‖) e privatização‖ 121.

John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro em Washington, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como ―consensuais‖ entre aqueles

que participaram do evento 122. Foi, ainda, o responsável por cunhar a expressão

―consenso de Washington‖, através da qual ficaram conhecidas as recomendações para o ajuste das economias latino-americanas à nova ordem econômica (neoliberal) mundial.

As conclusões ―consensuais‖ decorrentes do encontro em Washington podem ser assim sintetizadas: 1- Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar os seus gastos a arrecadação, buscando eliminar o déficit público e estabelecendo um superávit primário para o pagamento da dívida externa; 2- Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura, redirecionando recursos para a manutenção da máquina administrativa e subsídios para setores com maior retorno econômico; 3- Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária (elevação dos impostos); 4- Liberalização financeira, com a eliminação das restrições que impedem as instituições financeiras internacionais de atuarem em igualdade com instituições nacionais nos mercados locais, além do afastamento do Estado do setor financeiro e do estabelecimento de taxas de juros reais positivas direcionadas para o mercado; 5- Taxa de câmbio competitiva, para estimular um crescimento rápido na exportação de setores não tradicionais; 6- Abertura do comércio exterior, com a redução das alíquotas de importação para a inserção em uma ―economia globalizada‖; 7- Eliminação das restrições ao capital estrangeiro, permitindo, assim, investimentos sob a forma de Investimento Estrangeiro Direto (IED); 8- Privatização, com a transferências de empresas estatais para o capital privado (nacional e estrangeiro); 9- Desregulação da

121 Ainda, segundo o autor, ―os ‗grandes arquitetos‘ do Consenso [neoliberal] de Washington são os senhores da economia privada, em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional e têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião‖. CHOMSKY, Noam. O Lucro ou... Op. cit., p. 48.

122 John Willianson é formado em economia pela universidade de Warwick (Inglaterra) e foi professor no MIT e em Princeton, além de ter dado aulas na PUC-RJ entre 1979/1981. Além de professor, Williamson foi consultor do Tesouro da Inglaterra e do FMI. Sobre o encontro por ele organizado, afirmou: ―fiz uma lista das dez reformas que julguei que Washington podia concordar que eram amplamente necessária na América Latina a partir de 1989‖. WILLIANSON, John. Depois do Consenso de Washington: uma agenda para a reforma econômica na América Latina. Palestra apresentada na FAAP. São Paulo, 25 de agosto de 2003 apud ALMEIDA, Monica Piccolo. Reformas Neoliberais no Brasil: a privatização nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. 427f. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p. 252.

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economia, com a redução da legislação de controle sobre o processo econômico e das relações trabalhistas; 10- Direito à propriedade intelectual.

A partir de meados da década de 1980 e início da década seguinte, as medidas de ajuste de caráter neoliberal emanadas pelo consenso de Washington e pelos organismos financeiros internacionais (FMI, BID e Banco Mundial) invadiram a América Latina e passaram a ser adotadas e aprofundadas por uma série de governos da região: Carlos Salinas (México), Carlos Perez (Venezuela), Alberto Fujimori (Peru), Carlos Menem (Argentina). No Brasil, o ajustamento neoliberal inicia-se com Fernando Collor e é implantado e aprofundado de maneira efetiva com o governo Fernando Henrique Cardoso.

A Bolívia anteciparia, na América Latina, a aplicação do receituário neoliberal do consenso de Washington desde, pelo menos, 1985, com a vitória de Victor Paz Estenssoro. Assim, a Bolívia pode ser denominada como a ―experiência-piloto‖ do neoliberalismo no continente.

Se o Chile da década de 1970 serviu como laboratório para o neoliberalismo dos países avançados do Ocidente (Grã-Bretanha, EUA e Europa Ocidental), a América Latina também promoveu a experiência-piloto para o neoliberalismo no Leste Europeu no

cenário do pós-Guerra Fria. Nesse país, Jeffrey Sachs 123, a partir de 1985, aperfeiçoou o

tratamento de choque que mais tarde seria aplicado em países como Polônia e Rússia 124.

O ajuste neoliberal iniciou-se na Bolívia em 1985, com o governo de Victor Paz

Estenssoro 125, primeiro governo democrático eleito depois de pouco mais de vinte anos

de ditadura. Durante o seu governo, foi lançado, em 21 de agosto de 1985, um pacote de

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Jeffrey David Sachs, economista norte-americano, foi professor da universidade de Harvard, onde realizou mestrado e doutorado. Depois de vinte anos lecionando nesta universidade, desde 2002, é professor da Universidade de Columbia. Foi conselheiro no FMI, no Banco Mundial, na OCDE, na Organização Mundial de Saúde (OMS) e no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Sachs foi o responsável pelo chamado "tratamento de choque" como solução para as crises econômicas que afetavam a Bolívia, a Polônia e a Rússia ao final da década de 80 e início da década de 1990.

124 Tratando-se dessa temática, Emir Sader afirma que: ―foi no combate à hiperinflação boliviana que Jeffrey Sachs pode testar os modelos de estabilidade monetária que depois foram exportados a países do leste europeu‖. SADER, Emir. América Latina en el siglo XX. In: BORON, Atílio e LECHINI, Gladys. Política y movimientos sociales em um mundo hegemônico: lecciones desde África, Ásia y América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2006, p. 57.

125 Victor Paz Estenssoro, em 1985, assumia o seu quarto mandato enquanto presidente da Bolívia. Antes disso, Estenssoro governou o país andino em outras três ocasiões: 15 de abril de 1952 - 6 de agosto de 1960; 6 de agosto de 1960 - 6 de agosto de 1964; 6 de agosto de 1964 - 4 de novembro de 1964.

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reformas econômicas estruturais denominado de Nova Política Econômica (NPE) 126,

instituído pelo Decreto Supremo nº 21.060 127. A NPE seria o programa na qual se

pautariam as reformas neoliberais na Bolívia e se sustentou em três pontos principais: 1) o ―choque‖ inflacionário (contenção da hiperinflação que chegaria a alcançar o índice de 23.000% no ano de 1985); 2) a liberalização interna e externa dos mercados; 3) a diminuição do setor público na economia através, principalmente, das privatizações de

empresas estatais 128. A NPE tinha, portanto, um conteúdo neoliberal muito claro,

produzindo uma abrupta ruptura com o modelo de desenvolvimento que surgiu no país andino desde os anos cinquenta. Assim, a NPE não deveria ser entendida apenas como um programa de estabilização e de reformas estruturais, mas também e, principalmente,

como um projeto político 129.

Dentre as políticas contidas no plano de ajuste neoliberal, dois aspectos foram de grande impacto para as classes populares na Bolívia. O primeiro deles diz respeito ao processo de privatização da maior e mais importante empresa estatal de mineração boliviana, a Corporación Minera de Bolivia (COMIBOL), antecedido por uma política de saneamento da empresa mineradora que levou ao fechamento de boa parte de suas minas

e à demissão de mais de 20 mil mineiros 130. O segundo aspecto da NPE, de grande

impacto para os movimentos sociais bolivianos refere-se à flexibilização das relações de

trabalho 131, resultando na precarização da condição do trabalhador boliviano, a partir de

126 ANTELO, Eduardo. Políticas de estabilización y de reformas estructurales em Bolívia a partir de 1985. Março de 2000, p. 16. Disponível em: http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/1/4911/lcl1358.pdf. Acesso em: 21/06/2012.

127 Em outubro de 1985, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) e a Ação Democrática Nacionalista (ADN), partido do general Hugo Banzer e de firmes convicções liberais desde a sua fundação em 1978, firmam um acordo parlamentar chamado de ―Pacto pela Democracia‖ pelo qual os partidos políticos se comprometeriam no sentido de apoiar o programa de estabilização econômica e a NPE. Esta estratégia foi fundamental para que a NPE alcançasse êxito. MORALES, Juan Antonio. Cambios y consejos neoliberales em Bolivia. In: Nueva Sociedad. La Paz, setembro-outubro, nº 121, 1992, p. 135. 128 CHAVEZ, Gonzalo. Macroeconomía de la privatización en Bolivia. In: Documento de Trabajo Númer

07/91. La Paz: Instituto de Investigación Socio-Económica, 1991, p. 08. Disponível em:

http://www.iisec.ucb.edu.bo/papers/1991-2000/iisec-dt-1991-07.pdf. Acesso em 08/06/2012. 129

MORALES, Juan Antonio. Cambios y consejos... Op. cit., p. 135.

130 ROCHA, Maurício Santoro. Estado, Movimentos Sociais e Recursos Naturais na Bolívia (1952 - 2006). In: Bolívia: de 1952 ao século XXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Ministério das Relações Exteriores, 2007, p.29.

131 Segundo Julia Gomes e Souza, ―O fechamento das minas da COMIBOL e a flexibilização das relações de trabalho abalaram profundamente a COB (Central Operária Bolivariana). A Central perdeu a capacidade de organização e a centralidade que possuía na política bolivariana desde a Revolução Nacionalista de 1952, quando se transformou em um dos atores mais importantes da política boliviana, articulando diversos movimentos sociais, a partir da base sindical‖. SOUZA, Julia Gomes e. Crise do neoliberalismo e seus reflexos no aparelho estatal: apontamentos para a reflexão do caso boliviano, 2009. Texto disponível em:

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