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73 As orientações neoliberais do FMI para a economia venezuelana obrigariam

Carlos Perez a retroceder das promessas de conteúdo nacionalistas realizadas durante sua

campanha eleitoral 153. No dia 16 de fevereiro, duas semanas após tomar posse como

presidente e cercado por ―um contingente de jovens economistas seguidores da Escola de

Chicago‖ 154

, Carlos Perez, sem realizar qualquer tipo de consulta ao Congresso Nacional e sem debater o tema na corrida presidencial, anunciou o VIII Plano da Nação, um amplo e drástico programa de ajustes macroeconômicos para o país, que alteraria profundamente o modelo de desenvolvimento nacional construído na Venezuela até então.

O nome dado ao plano de ajuste, ―El Gran Viraje”, seria, conforme Roberto Simões, ―o nome encontrado pela burguesia venezuelana para ocultar sua verdadeira essência: um pacote neoliberal de austeridade fiscal e ajuste econômico (...) imposto aos trabalhadores venezuelanos como contrapartida ao empréstimo de US$ 4,5 bilhões

tomados do FMI‖ 155. No discurso de Carlos Perez e na agenda neoliberal aplicada à

Venezuela era imperativo a revisão do tamanho e do papel do Estado na condução do processo econômico. Desta forma, o ajuste neoliberal na Venezuela, ―não se diferenciou dos demais anúncios de pacotes neoliberais na América Latina, que transferiam para os trabalhadores a responsabilidade pela crise capitalista, imputando à classe trabalhadora o

sacrifício que fosse necessário para a recuperação dos lucros do capital‖ 156.

O programa de ajuste neoliberal do governo Carlos Perez pode ser resumido na Carta de Intenções firmada com o FMI, em Washington, em 20 de fevereiro de 1989,

cujos elementos principais foram sintetizados por Margarita López Maya 157: 1) restrição

do gasto fiscal e também dos níveis de salário; 2) regime cambial flutuante; 3) aumento das taxas de juros e eliminação do crédito com taxas preferenciais para a agricultura; 4)

redução do controle de preços 158; 5) redução dos subsídios estatais; 6) criação de um

imposto sobre vendas; 7) reajuste nas tarifas de bens e serviços públicos, incluindo os

153 SIMÕES, Roberto Alves. Luta de classes na Venezuela: superação da pobreza ou a possibilidade de sua intensificação? In: III Congresso Internacional do Núcleo de Estudos das Américas. América Latina: processos civilizatórios e crises do capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 27 a 31 de agosto de 2012, p. 1. Disponível em: http://www.congressonucleas.com.br/trabalhos/Roberto%20Alves%20Sim%C3%B5es.pdf.

154 CÍCERO, Pedro Henrique de Moraes. Transformar o Gigante... Op. cit., p. 142. 155 SIMÕES, Roberto Alves. Luta de classes na Venezuela... Op. cit., p. 1.

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SIMÕES, Roberto Alves. Luta de classes na Venezuela... Op. cit., p. 1. 157 MAYA, Margarita López. Luta Hegemônica... Op. cit., p. 22.

158 O alumínio produzido pela Corporación Venezolana de Guayana (CVG) sofreria uma elevação nos preços do mercado interno de 40%, até o final de 1989, enquanto que os serviços de telefonia e eletricidade também sofreriam aumentos de 50% até o final daquele ano.

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preços dos produtos derivados do petróleo (como a gasolina) no mercado interno 159; 8)

abertura comercial, com a liberalização das importações; 9) suspensão das restrições às transações internacionais, inclusive investimento estrangeiro e remessa de lucros para o exterior; 10) privatização dos serviços de coleta de lixo e distribuição de água.

Através dessas orientações, os objetivos da Grande Virada eram a diminuição da intervenção e do peso do Estado na economia venezuelana, a redução da dependência econômica em relação ao petróleo e a abertura econômica visando a sua inserção no mercado internacional globalizado.

Contudo, o mais importante ponto da agenda neoliberal de Carlos Perez dizia respeito ao início do processo de abertura da exploração e do comércio do petróleo ao

capital privado 160.

Os dados quantitativos da Grande Virada apontam para uma forte recessão: o PIB decaiu 8,7% em 1989, o índice de inflação, que era de 29,49% em 1988, subiu para 84,46% em 1989. A taxa de desemprego também aumentou consideravelmente no período, passando de 6,9% em 1988, para 9,6% no ano seguinte, o que representou um total de aproximadamente 200 mil trabalhadores venezuelanos desempregados no

intervalo de apenas um ano 161. Assim, a imensa maioria da população foi afetada pelo

neoliberalismo implantado por Carlos Andrés Perez, com a queda do poder aquisitivo da classe média e dos cortes progressivos de serviços essenciais até então realizados pelo Estado.

Se os resultados, no campo macroeconômico, do pacote de ajustes da Grande Virada não se mostraram satisfatórios, no campo social os resultados foram ainda piores, desencadeando uma das mais contundentes revoltas populares na história venezuelana e uma das maiores resistências contra o neoliberalismo no mundo, antecipando os famosos

159 O preço do petróleo seria aumentado progressivamente, no mercado interno, sendo reajustado de imediato em quase 100%, o que afetou o preço de seus derivados. O preço da gasolina dobrou, causando, de imediato, a elevação dos custos dos transportes públicos. MENDES, Flávio da Silva. Hugo Chaves em seu labirinto: o movimento bolivariano e a política na Venezuela. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2012, p. 97.

160 De acordo com Pedro Henrique Cícero, ―a intenção não era privatizar a PDVSA, o que seria um imenso contrassenso, uma vez que fora exatamente CAP o presidente responsável pela nacionalização da empresa em 1976. O que se propugnava era a facilitação para o ingresso de investimentos estrangeiros nas variadas atividades produtivas relacionadas ao combustível. Além disso, buscava-se, paulatinamente, a desregulamentação do setor para fins de diminuição da carga tributária e do repasso de royalties ao Estado‖. CÍCERO, Pedro Henrique de Moraes. Transformar o Gigante... Op. cit., p. 143.

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protestos de Seattle 162, nos Estados Unidos, em uma década. Dentre os episódios mais

expressivos da recusa da população do país ao ajuste neoliberal, podemos apontar o Caracazo 163, de fevereiro/março de 1989, e as fracassadas tentativas de golpes de Estado pelas Forças Armadas através do Movimento Bolivariano Revolucionário - 200 (MRB-

200) em 1992 164, que desencadeariam uma crise política sem precedentes no país, cujo

desfecho seria destituição de Carlos Pérez em 1993 e o estabelecimento de um governo interino.

Em consequência do Caracazo e das tentativas de derrubadas de Carlos Perez, as políticas neoliberais da Grande Virada perderam a sua força e a sua coerência.

Politicamente, foram derrotadas 165. O golpe final ao governo Perez e ao sistema

puntofijista veio após denúncias vindas de seu próprio partido perante a Suprema Corte de Justiça de que o presidente havia desviado US$ 17 milhões. No dia cinco de maio de 1993, o tribunal considerou a existência de provas suficientes para o afastamento de

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As manifestações ocorridas em Seattle, iniciadas na manhã de 30 de novembro de 1999 e que durariam vários dias, na qual milhares de pessoas – entre elas, estudantes, trabalhadores sindicalizados, ambientalistas, anarquistas, pacifistas, representantes de ONGs e membros de diversos movimentos sociais, saíram às ruas em protesto contra reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). As motivações para o protesto eram as mais variadas, apresentando como posicionamento comum a crítica ao avanço das políticas neoliberais.

163 O Caracazo, também conhecido como Sacudón, o primeiro levante popular contra o capitalismo neoliberal no mundo, teve o seu início quando, em 27 de fevereiro de 1989, trabalhadores e estudantes iniciaram um protesto contra o aumento de 100% do preço da gasolina e de 30% nas tarifas de transporte público, tomando o terminal rodoviário da cidade de Guarenas, cidade localizada a 15 km de Caracas. No dia seguinte, quando os protestos avançaram para a capital e cidades do interior do país, como La Guaira, Maracay, Valencia, Barquisimeto, Mérida y Ciudad Guayana, o presidente Carlos Perez decretou estado de sítio em todo o território venezuelano, suspendendo os direitos constitucionais e dando início a uma brutal repressão, cujo número oficial de mortos chegou a 396 pessoas. Porém, segundo analistas, o número de mortos e feridos foi muito superior ao que fora divulgado pelo governo, podendo ter chegado aos milhares, inclusive com execuções sumárias de pessoas que estavam nas ruas após o toque de recolher decretado pelo presidente.

164 A primeira tentativa de derrubada do governo Carlos Perez, a partir da ascensão política do Movimento Bolivariano Revolucionário - 200 (MBR-200), ocorreu em três de fevereiro de 1992, liderada pelo então tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Frías e que contaria com a adesão de aproximadamente 10% do contingente total do Exército venezuelano. A tentativa frustrada de golpe de Estado produziu um saldo extraoficial de cerca de 50 mortos e mais de 100 feridos. Hugo Chávez, juntamente com outros 180 oficiais, foi encarcerado na prisão de Yare por dois anos e um mês, transformando-se na principal liderança política na venezuelana e que chegaria ao poder em 1999. Pouco depois, em 27 de novembro do mesmo ano, uma segunda tentativa do MBR-200, sob a liderança do vice-almirante da Marinha Hérnan Grüber Odréman, fracassa novamente na tentativa de derrubada de Carlos Perez do poder.

165 Segundo Pedro Henrique Cícero, ―Talvez o único objetivo estabelecido por Carlos Andrés Perez que conseguiu ser plenamente alcançado pela Grande Virada foi, não por acaso, a geração de capacidade financeira para o pagamento da dívida externa. Graças à política econômica notadamente recessiva e a consequente diminuição do consumo no mercado interno foram geradas reservas financeiras excedentes que permitiram cumprir com os compromissos internacionais recém-negociados. A preocupação central estabelecida pelo Consenso de Washington fora sanada‖. CÍCERO, Pedro Henrique Transformar o Gigante... Op. cit., p. 145.

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