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Aldeia Campo Alegre: entre alianças e conflitos

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 156-161)

3 CONSTRUÇÃO DE NOVAS ALDEIAS: estratégias e ações de lideranças krikat

3.6 Aldeia Campo Alegre: entre alianças e conflitos

A aldeia Campo Alegre (Figura 29) situada a 12 Km do município de Montes Altos – MA e 8 km da aldeia São José, como as demais construídas após a demarcação da terra krikati, faz parte, também, do plano de gestão e monitoramento. Foi fundada em 2010 por Bernadino Pre’cohpa Krikati, cacique desde então.

A área que foi escolhida para construir a aldeia tem uma longa história de alianças e conflitos com as famílias Milhomem, da qual tratei em alguns fragmentos no primeiro capítulo. A menos de 100 metros da aldeia encontra-se um cemitério registrando, assim, a ocupação deste

lugar no decorrer de todo século XIX. Porém, o cacique e fundador da aldeia nega qualquer resquício da história na escolha do espaço. Para ele, nesta eleição predominaram os seguintes aspectos: ser próxima da rodovia MA/280, atender ao plano de gestão e monitoramento, ficar próxima aos riachos Campo Alegrim e o Ricarda e ser área de mata.

Figura 29: Aldeia Campo Alegre

Fonte: Arquivo pessoal

Essa aldeia é habitada por 51 pessoas, sendo todos parentes consanguíneos de cacique e de sua esposa, com exceção de uma família. Esta estabeleceu com os demais, um vínculo de parentesco porque um de seus filhos se tornou esposo da filha do cacique.

Das novas aldeias construídas, Campo Alegre foi a única a ser beneficiada pelo Estado com abertura de um poço artesiano autorizado pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Mas o cacique resolveu cedê-lo para comunidade Jerusalém devido à inexistência de água de riachos nesta aldeia. Esta decisão não foi compartilhada com as pessoas da aldeia, portanto, contrariando os princípios de atuação de um líder tradicional, principalmente porque atinge diretamente a comunidade que, no período de inverno, não conta com água potável. Neste caso, as famílias se deslocam para aldeia São José, visto que é a mais próxima e possui poço artesiano.

A decisão do cacique soa autoritária, talvez evidenciando que ele se sente seguro na função por ter sido o fundador da aldeia. Convém notar que uma liderança indígena não encontra respaldo, como já esclarecemos, numa autoridade coercitiva. Para Lévi-Strauss (1996) é o consentimento que está na origem do poder e é também o consentimento que mantém a legitimidade a uma liderança indígena. Nesta mesma direção, Corrêa (2016, p.198) ressalta que o fato do cacique

viver entre os seus parentes consanguíneos e afins não lhe garante a estabilidade da função. Essa pode ser sempre contestada. Na aldeia [...] moram também os irmãos da esposa, os cunhados, tios primos, primos da mulher que são os parentes afins e que podem se tornar potenciais ‘inimigos’ e contestadores dessa chefia. A própria divisão da família da esposa entre a aldeia Campo Alegre e Jerusalém, deixa certa instabilidade no ar quanto à composição da aldeia e a própria chefia.

Assim, a atitude desse cacique pode trazer ameaças para a sua liderança. Procuro entender esta questão a partir de Lévi-Strauss (1976, p.293) que assinala que “um comportamento repreensível ou manifestações de má vontade por parte de um ou dois descontentes podem comprometer o programa do chefe e do bem estar de sua pequena comunidade”. Por outro lado, percebo que há atributos importantes em sua atitude dignas de uma boa liderança indígena, como a relação de cortesia com outras lideranças, empatia e generosidade com seus pares.

Outrossim, a pesquisa revela que cada liderança seja ela tradicional ou política, age e reage de acordo seu contexto, das relações estabelecidas com não indígenas, de vivência fora da aldeia, da sua relação com os idosos indígenas e com a comunidade em geral, entre outros fatores. O fato de pertencer a um povo indígena, não significa homogeneizar comportamentos. Mesmo que discutam e alinhem os mesmos critérios para ser um líder, cada um vai liderar no cotidiano de maneira diferente. Quando um líder extrapola os limites do mínimo exigido pela comunidade, ele é destituído de sua função.

Após sete anos de existência, a aldeia Campo Alegre não dispõe, ainda, de posto de saúde e nem de escola (prédio). Até 2014 a escola funcionava na casa da professora que ensinava, de forma multisseriada, os primeiros anos do Ensino Fundamental. A comunidade, a exemplo de outras aldeias – Jerusalém e Arraia –, construiu um espaço, que é utilizado como escola (Figura 30) e lugar de reuniões com não indígenas. A imagem mostra que a escola é também espaço de interação, de discussão e de aprendizagens diversas. Ela não se fecha para um grupo. Está literalmente aberta para todos. As cadeiras são ocupadas por pessoas sem critério de idade, seja em aula formal ou em uma reunião com não indígena como mostra a foto.

Figura 30: Escola da aldeia Campo Alegre e suas funções

Fonte: Arquivo pessoal

Entendemos que as lideranças indígenas, – tradicionais e políticas – na ausência do Estado, vêm estabelecendo suas formas próprias de lidar com os problemas que surgem em todos os aspectos de suas vidas. Na educação buscam parcerias com Instituições do Ensino Superior (IES) públicas e privadas, empresas, conselho indígena, prefeitos dos municípios vizinhos, com intuito de fazer uma escola diferente e que atenda às necessidades das comunidades.

Ações como deslocar alunos de uma aldeia para outra seriam de responsabilidade do Estado por meio do transporte escolar. Todavia, na ausência deste, o cacique de Campo Alegre faz a locomoção dos jovens que cursam do sexto ano do Ensino Fundamental ao Ensino Médio para o CEIK na aldeia São José, utilizando como transporte, o caminhão da aldeia.

É dado o tempo de considerar a voz dos professores e lideranças indígenas, valorizando a escola que desejam para as futuras gerações, porque hoje ninguém é mais autorizado a decidir o currículo escolar do que eles mesmos.

Em síntese, as aldeias fundadas após a demarcação do território têm suas singularidades, contudo, existem em comum algumas características: são habitadas pelos grupos domésticos afins e passam por situações de privação também comuns: água potável, posto de saúde, escolas, sendo estes requisitos que as tornam dependente da aldeia São José.

Os conflitos internos que provocaram a criação de algumas das “novas aldeias” são de certa forma ocultada para os não indígenas. Utilizam-se da expressão “faz parte do plano de gestão e monitoramento” para justificar a fundação das aldeias. Alegam ainda, que a quantidade de pessoas em São José contribui para o aumento do alcoolismo dos jovens, portanto, é preciso dispersar o grupo em prol do bem estar de todos.

Outro aspecto importante observado diz respeito à participação de todas as lideranças tradicionais e políticas nas reuniões que tratam das questões do território, especialmente quando ocorrem com empresas, com a Eletronorte, FUNAI, representantes do estado do Maranhão, entre outras instituições. Estas sempre se deram na aldeia São José; contudo, atualmente já acontece um deslocamento para a aldeia Jerusalém.

A pesquisa revelou que a maioria das famílias que migram para as “aldeias novas” possuem residência na aldeia São José com pertences suficientes para retornarem quando sentirem necessidade. Talvez, seja por essa atitude que alguns anciãos se refiram a São José como aldeia mãe. Por fim, na circulação de um espaço para outro, os Krikati vão ocupando pontos estratégicos do território indígena e compondo teias de relações interna e externamente. Nessa teia a configuração do significado de ser liderança – tradicional e política – vai se metamorfoseando para se movimentarem em duas sociedades: indígenas e não indígenas.

4 AS IMPLICAÇÕES DAS ESCOLAS NÃO INDÍGENAS E SEUS ECOS NA

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 156-161)