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Aldeia Raiz: encanto de uma liderança

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 146-150)

3 CONSTRUÇÃO DE NOVAS ALDEIAS: estratégias e ações de lideranças krikat

3.3 Aldeia Raiz: encanto de uma liderança

Lourenço Acỳxit relata que a aldeia Raiz (Figura 23) foi fundada por meio da liderança de João Piauí. “Ele foi uma pessoa muito importante para nós. Apesar de muito jovem, na época da demarcação enfrentou em todos os momentos os conflitos e lutou utilizando argumentos de igual com os brancos. Ele já havia sido cacique da aldeia São José e os anciãos confiavam muito nele” (LOURENÇO ACỲXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de setembro de 2017).

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Ler: O que estamos fazendo para um mundo melhor? Disponível: www.suzanoblog.com.br/o-que-suzano- estamos-fazendo-porummundomelhor/Acesso: 23/11/2017.

O espaço para a construção da aldeia, segundo Lourenço Acỳxit, foi escolha de João Piauí, ainda quando trabalhava na abertura das faixas135 para fazer o marco da demarcação. “Ele gostou do lugar, principalmente do rio que atravessa a aldeia. Naquele momento de incertezas e tensões, disse que logo que a terra fosse demarcada iria fundar uma aldeia nesse lugar” (LOURENÇO ACỲXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de setembro de 2017).

Figura 23: Aldeia Raiz

Fonte: Arquivo pessoal

O apreço pelo lugar que João Piauí escolheu para construir a aldeia, deveu-se a três fatores foram levados em consideração: ser uma área plana, ficar ao lado do rio Arraia e se localizar no limite extremo da terra. Como vimos, os dois primeiros são destacados por Nimuendajú (1944) como características fundamentais na escolha do espaço de uma aldeia entre todos os Timbira. O último, Lourenço Acỳxit afirma fazer parte do

plano de gestão e monitoramento da terra, ou seja, pensamos em fundar sete aldeias em pontos estratégicos do nosso território. Já criamos seis e falta somente uma que seria no Norte da aldeia, extremando com o município de Amarante do Maranhão. Esta seria Arlete que deveria construir, mas não é fácil fundar uma aldeia, precisa ter

coragem. Começa-se do zero. Temos que deixar tudo para trás e começar fazendo negociações e alianças com os municípios, e precisa de muito apoio da família e persistência. Pois, quando fundamos uma aldeia, não temos no início água de poço, energia, escola, posto de saúde e nem plantas medicinais que plantamos próximo as nossas casas. Vamos com o objetivo de proteger nossa família e nosso território. Tudo isso faz que algumas famílias voltem para a aldeia São José, lá já tem certa estrutura que representa a luta de mais de meio século (LOURENÇO ACỲXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de março de 2017).

Atualmente a população da aldeia Raiz é de 105 pessoas136. O cacique atual é Dórcio Hoh’heh Krikati que no período da fundação, havia sido vice-cacique. Ele relatou para Corrêa (2016) que após a morte de João Piauí, em 2012, a aldeia teve poucos caciques, sendo estes parentes de João Piauí: Agnaldo sobrinho, depois seu cunhado Tsipadzabe (índio Xerente) e, por fim, sua esposa Gracemir, até o dia que ele (Dórcio) deixou a aldeia São José e assumiu a função de cacique.

Para Lourenco Acỳxit, o cacique da aldeia Raiz enfrenta um sério problema deixado pelos caciques anteriores, ou seja, a permissão da presença de homens não indígenas que para se instalarem na aldeia casam-se com mulheres krikati. As consequências são vistas e vividas diariamente, pois esses últimos sentem dificuldades de seguir as regras estabelecidas e insistem em comercializar madeira do território para os não indígenas.

Em uma entrevista à Corrêa (2016, p. 218), o cacique Dórcio diz como trabalha para amenizar os problemas causados pelos não indígenas na aldeia Raiz:

Tenho que usar a lei. É para isso a lei existe. Ele vai ter que se encaixar em uma dessa lei. Já pedi a FUNAI que resolva e não está resolvendo, então vou encaixar ele em uma lei que vai fazer entender que ele não está em uma área que é dele. Ele está em um reserva indígena, em uma área federal, então não pode desobedecer. Vamos supor que está errado, e se um dia a polícia levar por esse crime que está cometendo, ele não pode me culpar, que fui eu que fiz, porque eu vou só entregar a lei. É a lei que vai resolver com ele. Assim com tem um que está preso. A esposa pediu que eu fosse resolver. Eu disse: negativo! Eu não tenho nada a ver com ele. Ele fazia coisas erradas, roubando por ai, vendendo drogas. Eu vou apoiar uma pessoa assim para mais tarde fazer alguma coisa comigo? Mas eu não posso fazer esse papel de tirar ele, pois, está cumprindo o erro dele. Eu não vou ajudar de forma alguma.

Diante de tal relato, a intrusão no território se manifesta pela presença de fazendeiros dentro dos limites do território bem como a permanência de não indígenas nas aldeias por meio de matrimônios. Lourenço Acỳxit diz que como liderança política tem a obrigação de analisar essas questões e se reunir com as lideranças tradicionais para juntos solucionarem os problemas nas aldeias. Este declara que vem: “apoiando a comunidade para ajudar a resolver o problema e fortalecer as decisões tomadas pelo o cacique Dórcio. Este impõe as regras mostrando que

para viver em território indígena todos devem seguir os princípios defendidos há séculos pelos indígenas krikati” (LOURENÇO ACỲXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de setembro de 2017).

A aldeia Raiz tem uma escola (Figura 24) com cinco espaços para salas de aula e atende os anos iniciais do Ensino Fundamental137. Após o término deste nível de ensino, os alunos continuam os estudos em um povoado vizinho – Passagem Boa, a uns 4km da aldeia. O deslocamento é feito de bicicleta, moto e carros dos moradores.

Figura 24: Escola da aldeia Raiz Crowacuteh

Fonte: Arquivo pessoal

Em um momento de visita e trabalho de formação pedagógica dos professores que acontecia nessa escola, observamos que em um dos espaços funcionava “um posto de saúde”138 e outro foi adaptado como residência para uma família. Durante o encontro, os professores krikati lamentaram a ausência do estado do Maranhão para com a educação escolar, pois quase não tinham aulas por falta de professores contratados.

Podemos observar ao adentrar o universo de cada aldeia, uma complexidade de relações estabelecidas bem antes de o lugar ser construído. Estas, por sua vez, ajudam a construir peculiaridades de cada espaço em um mesmo território.

137Ao término das séries iniciais os alunos se deslocam para continuarem os estudos nas cidades vizinhas. 138Este espaço denominado de “Posto de Saúde” por uma professora atende minimamente algumas situações de

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 146-150)